VIVA LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO, SEMPRE NA MIRA DE NOSSOS CORAÇÕES

O Nordeste continuaria existindo caso Luiz Gonzaga não tivesse aterrissado por lá há cem anos. Teria a mesma paisagem, os mesmos problemas. Seria o mesmo complexo de gentes e regiões. Comportaria os mesmos cenários de pedras e areias, plantas e rios, mares e florestas, caatingas e sertões. Mas faltaria muito para adornar-lhe a alma. Sem Gonzaga quase seríamos sonâmbulos.

Ele, mais que ninguém, brindou-nos com uma moldura indelével, uma corrente sonora diferente, recheada de suspiros, ritmos coronários, estalidos metálicos. A isso resolveu chamar de BAIÃO.

Gonzaga plantou a sanfona entre nós, estampou a zabumba em nossos corpos, trancafiou-nos dentro de um triângulo e imortalizou-nos no registro de sua voz. Dentro do seu matulão convivemos, bichos e coisas, aves e paisagens. Pela manhã, do seu chapéu, saltaram galos anunciando o dia, sabiás acalentando as horas, acauãs premeditando as tristezas, assuns-pretos assobiando as dores, vens-vens prenunciando amores.

O olhar de Gonzaga furou o ventre de todas as coisas e seres, escaneou suas vísceras, revirou seus mistérios, escrutinou suas entranhas. A mão do homem deslizou pelas teclas sensíveis da concertina, seus dedos pressionaram os pinos, procurando os sons baixos e harmônicos. Os pés do homem organizavam o primeiro passo, sentindo o caminho, testando o equilíbrio. A cabeça erguida, o queixo pra frente, a barriga desforrada e o pulmão vertendo cem mil libras de oxigênio, vibrando as cordas vocais: era Lua nascendo.

O peito de Gonzaga abrigava o canto dolente e retorto dos vaqueiros mortos e a pabulagem dos boiadeiros vivos. As ladainhas e os benditos aninhavam-se por ali buscando eternidade. Viva Luiz Gonzaga do Nascimento, sempre na mira de nossos corações. (Texto: Aderaldo Luciano-mestre e doutor em Ciência da Literatura)
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