Antonio Nobrega: 09 de Fevereiro Dia do Frevo

Nesta segunda-feira, dia 9 de fevereiro, em Recife, comemora-se o dia do frevo. O frevo foi elevado à condição de patrimônio imaterial da humanidade. Como se vê, o frevo está em alta. Mas frevo para quê? Por que frevo?

Foi o escritor Ariano Suassuna quem, indiretamente, apresentou-me a ele. Com seu convite para integrar o Quinteto Armorial, dei início a uma viagem de aprendizado dos cantos, danças e modos de representar presentes em manifestações populares como o reisado, o maracatu, o caboclinho e sobretudo o frevo.

Com o passar dos anos, esses aprendizados foram se conectando a estudos e reflexões sobre a cultura brasileira em geral e a popular em particular. Esse casamento entre conhecimento empírico e teórico foi conduzindo-me à constatação de que vivemos num país que reluta em aceitar-se integralmente.

Que outra razão para tal desperdício de insumos culturais tão vastos e de tão imensa riqueza simbólica como o nosso reservatório de ritmos presente em batuques, cortejos e folguedos; de formas e gêneros poéticos –quadrões, décimas, galope à beira-mar; de passos e sincopados armazenados no nosso imaginário corporal popular?

E o que temos feito com tudo isso? Empurrado para o gueto da chamada cultura folclórica, regional ou popular, falsamente antagonizante daquela que se convencionou denominar de cultura erudita.
Há mais de cem anos que a "entidade" frevo vem despejando no país, especialmente em Recife, volumoso material simbólico.

 Esse "material" foi se formando dentro daquilo que venho denominando de uma linha de tempo cultural popular brasileira. Essa "entidade" frevo materializou-se por meio de um gênero de música instrumental, o frevo-de-rua, orgânica forma musical onde palhetas e metais dialogam continuamente, ancorados pela regular marcação do surdo e a sacudida movimentação da caixa; uma dança, o passo do frevo, imenso oceano de impulsos gestuais e procedimentos coreográficos; e dois gêneros de música cantada: o frevo-canção e o frevo-de-bloco, cada um com características particulares tanto de natureza poético-literária quanto musical. Um valioso armazém de representações simbólicas.

Mais do que preservar o frevo, nossa tarefa está em amplificar, dinamizar, trazer para a órbita de nossa cultura contemporânea os valores, procedimentos e conteúdos presentes nessa "instituição" cultural.

Essa ação amplificadora poderia abranger escolarização musical – por que não se estuda frevos em nossas escolas de música?–; a prática da dança – a riqueza lúdica e criadora proporcionada pelo seu multifacetário estoque de movimentos–; a valorização de modelos de construção e integração social advindos do mundo-frevo etc. Tudo isso ajudaria ao Brasil entender-se melhor consigo mesmo e com o mundo em que vivemos.

O frevo é uma das representações simbólicas mais bem-acabadas e representativas que o povo brasileiro construiu. Assim como o samba, o choro, o baião, uma entidade transregional cuja imaterialidade poderemos transmudar em matéria viva operante se tivermos a suficiente compreensão do seu significado e alcance sociocultural.

Fonte: Antonio Nobrega é multi-instrumentista, dançarino e cofundador do Instituto Brincante de cultura e dança popular.
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Dominguinhos, o discípulo que inovou a arte do Mestre Luiz Gonzaga

No Nordeste a tradição das 18h é a família escutar a hora do Angelus. E foi nesta hora Divina que Dominguinhos morreu! Um descanso para quem lutou mais de 6 anos para sobreviver a um câncer no pulmão.

Neste Brasil de memória curta e por vezes muito injusta escrevo aqui que Dominguinhos foi o discipulo de Luiz Gonzaga que superou o Mestre.

Dominguinhos, nascido em Garanhuns,  dia 12 de fevereiro, no  agreste de Pernambuco continuará sendo um dos mais importantes e completos músicos, instrumentistas, tocador de sanfona. É imortal em discos, DVD e milhares de entrevistas por este Brasil afora.

Filho de Chicão, afinador de sanfona de 8 baixos e de Dona Maria soube também guardar a honra e gratidão de ter “aprendido umas lições” de Luiz Gonzaga, Rei do Baião, que um dia anunciou ser o Dominguinhos o seu mais legitimo seguidor, o verdadeiro herdeiro musical.
Dominguinhos e seu talento de tocar sanfona agradava as mais variadas plateias, indo do jazz aos dançadores do forró pé de serra. Dominguinhos sempre um sorriso para os amigos e humildade, genialidade ao tocar  sanfona respeitando os 8 baixos de Januário, pai de Luiz Gonzaga e de seu pai Chicão.

Dominguinhos sempre teve o compromisso com nossas raízes. Saudade da fala cadenciada como a toada do aboiador. Saudade do olhar triste, de um carinho e atenção que conquistava a todos no primeiro aperto de mão e da voz quente quando tocava e cantava. Dominguinhos tornou-se um cantador que melhor soube interpretar a alma brasileira e vive na boca do povo, no puxado da sanfona em todos os recantos desse Brasil.

Visitei recentemente Garanhuns, lugar onde nasceu Dominguinhos e numa  conversa com o prefeito Izaias Regis, a Secretaria de Comunicação Jaqueline Menezes e professor Antonio Vilela, ouvi deles o compromisso da realização do II Festival Viva Dominguinhos, dia 30 de abril, 01 e 02 de Maio.

O Festival é importante para reunir jornalistas, pesquisadores, professores,  estudantes, crianças, jovens e adultos  para discutir a Política Cultural no mundo globalizado e mais uma oportunidade de Garanhuns atrair desenvolvimento econômico e social.
Garanhuns nesse sentido vai consolidar um calendário que será um dos principais acontecimentos do Nordeste.  Garanhuns firma com o Festival Viva Dominguinhos o incentivo e valorização da cultura e arte, um festival ancorado na alma e no profissionalismo do filho mais ilustre da música brasileira.

Garanhuns abastecerá todo o Brasil, Estado, através da impressionante riqueza de ritmos e artes, do cordel aos cantadores de viola, do aboio ao frevo, do armorial ao maracatu, do baião ao xote e xaxado,  as múltiplas variações da música nordestina/brasileira presentes na sanfona, triangulo e zabumba, “uma autêntica orquestra”, na definição de Luiz Gonzaga.

O professor paraibano, radicado no Rio de Janeiro, Aderaldo Luciano, sempre me lembrou que Luiz Gonzaga foi pedra angular, referência -mor do forró, mas o Rei do Baião, não trilhava sozinho. Havia por trás de si, uma constelação de compositores, músicos, além de profícuos conhecedores do seu trabalho, amigos talhados de sol, nascidos do barro vermelho, com almas tatuadas por xique-xiques e mandacarus.

E por isto Garanhuns é o local apropriado para ser o palco capaz de reunir milhares de admiradores, com sede e fome de ouvir, cantar, silenciar, transformar e aplaudir em noites e nuances do céu estrelado sanfonado do mestre Dominguinhos, o discípulo que inovou a arte do mestre Luiz Gonzaga.

Garanhuns vai proporcionar com o Festival Viva Dominguinhos a oportunidade de conhecermos e ampliar o debate sobre compositores, músicos, artistas que sabem divisar o Cruzeiro do Sul do Sete Estrelo e muito além disso discutir e como lidar com a máquina capitalista avassaladora dominante hoje da “indústria musical”.

Dominguinhos Vive. Garanhuns é agora um pedaço de terra de todos nós brasileiros. Dominguinhos, qual Luiz Gonzaga tornou-se uma estrela luminosa a brilhar. Como disse Fernando Pessoa, “quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente”.

Viva Garanhuns. Viva o Nordeste. Viva Petrucio Amorim, Xico Bizerra, Três do Nordeste, Jorge de Altinho, Elba Ramalho, Anastácia, Paulo Vanderley, Luiz Ceará,  Quinteto Violado, Flávio Leandro, Cezinha, Flávio José, Viva o Fole de Oito Baixos, Targino Gondim... Viva o Festival Dominguinhos.
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Raymundo Mello: Cipó, Magá e Irandi

O Governo do Estado anuncia a reinauguração do Estádio Lourival Baptista, o famoso “Batistão”, para o próximo dia 4 de fevereiro, com um jogo entre Confiança e Vitória-BA pela Copa do Nordeste. Ótimo! Esse retorno de atividades esportivas na agora “Arena Lourival Baptista” está sendo esperado com tanto interesse e expectativa, ou mais, talvez, do que na ocasião de inauguração do “Batistão”, em 09/07/1969.

Pena que desta vez não teremos a Seleção Brasileira, aquela que ganhou o tricampeonato mundial em 1970, nem Luiz Gonzaga e Hugo Costa, homenageando com um hino especial o estádio, onde, “enquanto os craques jogavam bola as crianças davam lição... nosso estádio tinha escola...”

Já escrevi e publiquei algumas memórias falando sobre o estádio, seu bravo Administrador (José Carvalho), à época, e outras lembranças dignas de nota.

Para não perder a oportunidade que o fato está nos oferecendo, e lembrando alguns eventos ali ocorridos e personagens de sua história, recorri a meus modestos arquivos-registro e localizei no Tabloide do “Portuga” n.º 01, edição de 27/09/2012, o texto que adiante reproduzo.

Um registro-memória, a meu ver, de grande valor, bem escrito, pois seu autor é mais competente do que eu, é Antropólogo, e usou uma linguagem de quem sabe o que escreve. Assim, com a licença de meu filho, Ray Mello, repasso o texto, memória inesquecível, inclusive, para nosso radialista esportivo maior, Carlos Magalhães (posso chamá-lo de Magá que ele não se incomoda), a quem abraço de coração, contando ouvi-lo na festa esportiva de 4 de fevereiro de 2015.

                                                                      * * * * *
O lance que eu não esqueço!
Acostumei-me, desde cedo, a gostar de futebol. Semanalmente ia aos estádios, aos domingos à tarde e às quartas à noite, em companhia do meu pai, Raymundo Mello; algumas vezes, minha mãe nos acompanhava, principalmente em jogos que íamos no interior – nos estádios “Presidente Médici” (Itabaiana), “da Vila Operária” e “do Cruzeiro” (Estância), “Paulo Barreto” (Lagarto), “José Neto” e “Constantino Tavares” (Propriá) e “Gonçalo Prado” (Maruim). 

Torcia, interagia com torcedores, comentava os lances e outras situações pertinentes aos jogos, comia alguns “petiscos” típicos dos campos de futebol, enfim, participava ativamente de tudo. E sempre de radinho “colado” no ouvido, acompanhando as narrações, os comentários e as reportagens dos jogos.
Certa noite de quarta – era eu ainda criança – o famoso “Alianza Lima”, clube peruano de grande porte, veio jogar em Aracaju, no Batistão, com o Club Sportivo Sergipe. Lá estávamos nós... uma partida imperdível.

Lembro que nos acomodamos no meio da parte coberta da arquibancada, mais ao sul. O Sergipe jogava bem, “tocava bem a bola”, enfrentava o Alianza de igual para igual. E eu ali, olhos fixos no gramado; a localização privilegiada me permitia ver o jogo com nitidez. E a audição atenta à narração.

Certa altura do jogo, não me lembro o tempo exato (penso que já passava dos 30 minutos do 1.º tempo), um lance precioso do ataque do Sergipe... era 1 a 0 para o “Vermelhinho”; o estádio ficou uma vibração só. Eu, de pé, braços erguidos, festejei fervorosamente o lance, pulando e abraçando o meu pai.

Mas, além da beleza da jogada que resultou no gol, a narrativa me chamou a atenção, aliás, me chama até hoje. E olha que ouço futebol pelo rádio praticamente durante toda a minha vida. Fiquei impressionado com a “complementação do lance”, na linguagem radiofônica, uma sucinta descrição da jogada, após o grito de gol do narrador, comumente feita por um radialista postado próximo ao gramado que, à época, era chamado de “fundo de gol”.

“Preparou, vai marcar, chuuutaa! Gooooooooool !!! Um gol da maestria brasileira! Cipó! Com afeto e com carinho, com açúcar para completar... o Sergipe inaugura o marcador!” – vibrou Carlos Magalhães com voz forte e palavras poéticas, marcas indeléveis de sua locução.

Logo após, o momento mágico, o complemento do lance. À época, na equipe da Rádio Cultura, o “fundo de gol” do lado do placar do Batistão era sempre Irandi Santos.
“Jogada sensacional de Rocha que lançou a Cipó. Cipó fechou, levou o jogo todo para o meio de campo... Gonzalez foi na jogada, ele abriu, e quando Salinas descobriu o ângulo, ele, de pé direito, a meia altura fulminou, vencendo, assim, a perícia do ‘goalkeeper’ peruano. 1 para o Sergipe, zero para o Alianza. Cipó!”.

O Sergipe perdeu o jogo. No segundo tempo, o Alianza, time mais bem preparado, voltou mais forte, acabou fazendo um gol logo no início e depois virou o placar – 2 a 1. Magalhães e Irandi lembram do jogo mas não das palavras com que narraram o lance que eu, tanto tempo depois, “narrei” pra eles. Magalhães, há uns 10 anos, no Bar do Geraldo (ao lado do Ginásio de Esportes Constâncio Vieira); Irandi, encontrei há uns 2 anos, rapidamente, em Itabaiana. Ele ouviu, sorriu, ficou emocionado, me abraçou com seu jeito sempre educado, voz suave de tom moderado. Irandi, por muitos anos, muitos, animava as tardes na Rádio Cultura, a partir das 14 horas, com um programa musical recheado de variedades, por ele produzido e apresentado.

 Das 17 em diante, o estilo era o cancioneiro mais romântico e o clichê “Ao cair da tarde” soava macio na sua voz; fechava magistralmente a tarde apresentando, às 18, “a Hora da Ave Maria”, anunciada como “uma página da Professora Lindalva Cardoso Dantas, na voz de Irandi Santos”. Uma voz, sem dúvida, inconfundível. Anos depois, Irandi parou de fazer o “fundo de gol”, depois saiu da Cultura, foi trabalhar em Itabaiana, onde está até hoje.

Eu continuo ouvindo futebol no rádio. Vez por outra, lembro-me daquele lance. Um lance que, com certeza, não vou esquecer, pelo que representou para a criança torcedora que eu era e pela plasticidade da complementação de Irandi – um jogo de palavras que se harmonizaram, uma construção rápida de sentenças que me permitem, hoje, fechar os olhos, transladar-me mentalmente para aquela noite enluarada no Batistão e conseguir “ver” aquele gol belíssimo do Cipó, tão bem descrito por Irandi Santos, o melhor “fundo de gol” que já ouvi. 

É certo que o leitor não conseguirá, por estas palavras, sentir a mesma emoção. Sensação é algo inerente a cada ser, próprio das experiências vividas. Mas, enfim, este é o lance que eu não esqueço...

                                                                 * * * * *
P.S. – O competente Radialista e Professor Vilder Santos, leitor do Jornal do Dia, vai aplaudir este registro. Tenho certeza que em suas anotações constam dados precisos sobre esta partida e que ele lembra bem a narração vibrante do Magá.

* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br
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