Raymundo Mello: Cipó, Magá e Irandi

O Governo do Estado anuncia a reinauguração do Estádio Lourival Baptista, o famoso “Batistão”, para o próximo dia 4 de fevereiro, com um jogo entre Confiança e Vitória-BA pela Copa do Nordeste. Ótimo! Esse retorno de atividades esportivas na agora “Arena Lourival Baptista” está sendo esperado com tanto interesse e expectativa, ou mais, talvez, do que na ocasião de inauguração do “Batistão”, em 09/07/1969.

Pena que desta vez não teremos a Seleção Brasileira, aquela que ganhou o tricampeonato mundial em 1970, nem Luiz Gonzaga e Hugo Costa, homenageando com um hino especial o estádio, onde, “enquanto os craques jogavam bola as crianças davam lição... nosso estádio tinha escola...”

Já escrevi e publiquei algumas memórias falando sobre o estádio, seu bravo Administrador (José Carvalho), à época, e outras lembranças dignas de nota.

Para não perder a oportunidade que o fato está nos oferecendo, e lembrando alguns eventos ali ocorridos e personagens de sua história, recorri a meus modestos arquivos-registro e localizei no Tabloide do “Portuga” n.º 01, edição de 27/09/2012, o texto que adiante reproduzo.

Um registro-memória, a meu ver, de grande valor, bem escrito, pois seu autor é mais competente do que eu, é Antropólogo, e usou uma linguagem de quem sabe o que escreve. Assim, com a licença de meu filho, Ray Mello, repasso o texto, memória inesquecível, inclusive, para nosso radialista esportivo maior, Carlos Magalhães (posso chamá-lo de Magá que ele não se incomoda), a quem abraço de coração, contando ouvi-lo na festa esportiva de 4 de fevereiro de 2015.

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O lance que eu não esqueço!
Acostumei-me, desde cedo, a gostar de futebol. Semanalmente ia aos estádios, aos domingos à tarde e às quartas à noite, em companhia do meu pai, Raymundo Mello; algumas vezes, minha mãe nos acompanhava, principalmente em jogos que íamos no interior – nos estádios “Presidente Médici” (Itabaiana), “da Vila Operária” e “do Cruzeiro” (Estância), “Paulo Barreto” (Lagarto), “José Neto” e “Constantino Tavares” (Propriá) e “Gonçalo Prado” (Maruim). 

Torcia, interagia com torcedores, comentava os lances e outras situações pertinentes aos jogos, comia alguns “petiscos” típicos dos campos de futebol, enfim, participava ativamente de tudo. E sempre de radinho “colado” no ouvido, acompanhando as narrações, os comentários e as reportagens dos jogos.
Certa noite de quarta – era eu ainda criança – o famoso “Alianza Lima”, clube peruano de grande porte, veio jogar em Aracaju, no Batistão, com o Club Sportivo Sergipe. Lá estávamos nós... uma partida imperdível.

Lembro que nos acomodamos no meio da parte coberta da arquibancada, mais ao sul. O Sergipe jogava bem, “tocava bem a bola”, enfrentava o Alianza de igual para igual. E eu ali, olhos fixos no gramado; a localização privilegiada me permitia ver o jogo com nitidez. E a audição atenta à narração.

Certa altura do jogo, não me lembro o tempo exato (penso que já passava dos 30 minutos do 1.º tempo), um lance precioso do ataque do Sergipe... era 1 a 0 para o “Vermelhinho”; o estádio ficou uma vibração só. Eu, de pé, braços erguidos, festejei fervorosamente o lance, pulando e abraçando o meu pai.

Mas, além da beleza da jogada que resultou no gol, a narrativa me chamou a atenção, aliás, me chama até hoje. E olha que ouço futebol pelo rádio praticamente durante toda a minha vida. Fiquei impressionado com a “complementação do lance”, na linguagem radiofônica, uma sucinta descrição da jogada, após o grito de gol do narrador, comumente feita por um radialista postado próximo ao gramado que, à época, era chamado de “fundo de gol”.

“Preparou, vai marcar, chuuutaa! Gooooooooool !!! Um gol da maestria brasileira! Cipó! Com afeto e com carinho, com açúcar para completar... o Sergipe inaugura o marcador!” – vibrou Carlos Magalhães com voz forte e palavras poéticas, marcas indeléveis de sua locução.

Logo após, o momento mágico, o complemento do lance. À época, na equipe da Rádio Cultura, o “fundo de gol” do lado do placar do Batistão era sempre Irandi Santos.
“Jogada sensacional de Rocha que lançou a Cipó. Cipó fechou, levou o jogo todo para o meio de campo... Gonzalez foi na jogada, ele abriu, e quando Salinas descobriu o ângulo, ele, de pé direito, a meia altura fulminou, vencendo, assim, a perícia do ‘goalkeeper’ peruano. 1 para o Sergipe, zero para o Alianza. Cipó!”.

O Sergipe perdeu o jogo. No segundo tempo, o Alianza, time mais bem preparado, voltou mais forte, acabou fazendo um gol logo no início e depois virou o placar – 2 a 1. Magalhães e Irandi lembram do jogo mas não das palavras com que narraram o lance que eu, tanto tempo depois, “narrei” pra eles. Magalhães, há uns 10 anos, no Bar do Geraldo (ao lado do Ginásio de Esportes Constâncio Vieira); Irandi, encontrei há uns 2 anos, rapidamente, em Itabaiana. Ele ouviu, sorriu, ficou emocionado, me abraçou com seu jeito sempre educado, voz suave de tom moderado. Irandi, por muitos anos, muitos, animava as tardes na Rádio Cultura, a partir das 14 horas, com um programa musical recheado de variedades, por ele produzido e apresentado.

 Das 17 em diante, o estilo era o cancioneiro mais romântico e o clichê “Ao cair da tarde” soava macio na sua voz; fechava magistralmente a tarde apresentando, às 18, “a Hora da Ave Maria”, anunciada como “uma página da Professora Lindalva Cardoso Dantas, na voz de Irandi Santos”. Uma voz, sem dúvida, inconfundível. Anos depois, Irandi parou de fazer o “fundo de gol”, depois saiu da Cultura, foi trabalhar em Itabaiana, onde está até hoje.

Eu continuo ouvindo futebol no rádio. Vez por outra, lembro-me daquele lance. Um lance que, com certeza, não vou esquecer, pelo que representou para a criança torcedora que eu era e pela plasticidade da complementação de Irandi – um jogo de palavras que se harmonizaram, uma construção rápida de sentenças que me permitem, hoje, fechar os olhos, transladar-me mentalmente para aquela noite enluarada no Batistão e conseguir “ver” aquele gol belíssimo do Cipó, tão bem descrito por Irandi Santos, o melhor “fundo de gol” que já ouvi. 

É certo que o leitor não conseguirá, por estas palavras, sentir a mesma emoção. Sensação é algo inerente a cada ser, próprio das experiências vividas. Mas, enfim, este é o lance que eu não esqueço...

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P.S. – O competente Radialista e Professor Vilder Santos, leitor do Jornal do Dia, vai aplaudir este registro. Tenho certeza que em suas anotações constam dados precisos sobre esta partida e que ele lembra bem a narração vibrante do Magá.

* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br
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