A poesia intitulada de “Gargalhada de Caveira”, do mestre poeta repentista cantador Pedro Bandeira, nos conduz a uma reflexão profunda dos nossos valores terrenos. Confira:
Certa noite de insônia e de mistério
Desengano, fantasma, amor e pranto,
Destinei-me a entrar num campo- santo
Pra sentir do destino grande império.
Palmilhando no vasto cemitério
Eu tremia no ar como um balão,
Apalpava pedaços de caixão,
Cova fresca, torrões, cabelos e ossos,
Cruz quebrada, rosário e outros troços
Que o destino atirava pelo chão.
Em estado de decomposição,
Eu sabia que havia em alguns túmulos,
Corpos frágeis perdendo seus acúmulos
Na rotina da vil putrefação,
Flores murchas, farrapos de cordão,
Indicavam sinais que morreu gente.
Pedacinhos de velas, cera quente
Diziam-me que a morte é muito séria
Inimiga carrasca da matéria
De quem pensa que é forte eternamente.
Como eu, ainda tinha algum vivente,
Lagartixa, morcegos e corujas,
Entre as fendas das catacumbas sujas,
Num fantástico assombroso e diferente,
Epitáfios mostravam claramente
Os valores de mil anos atrás.
Velhas fitas, coroas, de metais
Pareciam pedaços de objetos
Entre vermes, bagaços e insetos
Que só prestam, pra o lixo e nada mais.
Vi na triste cidade dos mortais,
Um sapato sem dono e um tamanco
Um retrato manchado, um lenço branco,
Como símbolo fiel de amor e paz.
E provocando que ali somos iguais
Uma velha caveira abria as mãos,
Entre os restos mortais de outros cristãos,
Com a boca de osso escancarada
Como quem em eterna gargalhada
Reclamava a fraqueza dos irmãos.
Crânio, tórax, coluna, pés e mãos.
Inda estavam ligados pelos nervos,
Tendo a terra estragado outros acervos
Que sustentam crianças e anciãos.
Entre crentes, católicos e pagãos,
Eu não sei de quem era essa caveira,
Oleada coberta de poeira
Nos balanços do vento se tremia,
E nos acenos parece que dizia:
Ame ao próximo que a vida é passageira.
Numa longa risada zombeteira,
O sinistro esqueleto como um louco,
Gargalhava a sorrir fazendo pouco
Dos problemas da vida rotineira.
O orgulho, a inveja, a voz grosseira,
A perfídia, o ódio e a maldade,
Prepotência, rancor, perversidade,
Valentia, calúnia e arrogância,
São lagartas ceifando a substancia
Da floresta feliz da humanidade.
Roubo, vício, vingança e vaidade,
Quem pratica não pode estar liberto,
Sua alma pesada não da certo
No fiel da balança da verdade.
O carinho, a meiguice, a lealdade,
Confundem-se vibrando a mesma luz.
Uns vestidos em trapos e outros nus,
Todo homem morrendo é transformado,
Como um líquido que sai purificado
Das palavras da boca de Jesus.
Tresloucado abracei os ossos nus,
No mais alto e profundo nervosismo
Delirando no amor do cristianismo
Atirei-me nos braços duma cruz,
Assombrado gritando por Jesus,
Angustiado com pena dessa gente,
Que não ri, que não ama, que não sente,
Que não sofre da vida seus ressábios
Quando a terra comer seus negros lábios
Vivera gargalhando eternamente.