POESIA GARGALHADA DA CAVEIRA, AUTORIA DE PEDRO BANDEIRA CONDUZ A UMA REFLEXÃO DOS VALORES HUMANOS

O Mestre da Cultura, o poeta Pedro Bandeira, o “Príncipe dos Poetas Populares do Nordeste”, nos deixou na segunda-feira, dia 24 de agosto. Com muita tristeza o Brasil, em especial o Nordeste se despede desse grande artista. No coração, suas canções e também um mundo de gratidão por seu imenso legado e obra, por sua grandeza, por sua imensidão. Pedro Bandeira fez de sua existência a passagem em busca de um mundo mais justo.

A poesia intitulada de “Gargalhada de Caveira”, do mestre poeta repentista cantador Pedro Bandeira, nos conduz a uma reflexão profunda dos nossos valores terrenos. Confira:

Certa noite de insônia e de mistério 

Desengano, fantasma, amor e pranto,

Destinei-me a entrar num campo- santo

Pra sentir do destino grande império.

Palmilhando no vasto cemitério

Eu tremia no ar como um balão,

Apalpava pedaços de caixão,

Cova fresca, torrões, cabelos e ossos,

Cruz quebrada, rosário e outros troços

Que o destino atirava pelo chão.

Em estado de decomposição,

Eu sabia que havia em alguns túmulos,

Corpos frágeis perdendo seus acúmulos

Na rotina da vil putrefação,

Flores murchas, farrapos de cordão,

Indicavam sinais que morreu gente.

Pedacinhos de velas, cera quente

Diziam-me que a morte é muito séria

Inimiga carrasca da matéria

De quem pensa que é forte eternamente.

Como eu, ainda tinha algum vivente,

Lagartixa, morcegos e corujas,

Entre as fendas das catacumbas sujas,

Num fantástico assombroso e diferente,

Epitáfios mostravam claramente

Os valores de mil anos atrás.

Velhas fitas, coroas, de metais

Pareciam pedaços de objetos

Entre vermes, bagaços e insetos

Que só prestam, pra o lixo e nada mais.

Vi na triste cidade dos mortais,

Um sapato sem dono e um tamanco

Um retrato manchado, um lenço branco,

Como símbolo fiel de amor e paz.

E provocando que ali somos iguais

Uma velha caveira abria as mãos,

Entre os restos mortais de outros cristãos,

Com a boca de osso escancarada

Como quem em eterna gargalhada

Reclamava a fraqueza dos irmãos.

Crânio, tórax, coluna, pés e mãos.

Inda estavam ligados pelos nervos,

Tendo a terra estragado outros acervos

Que sustentam crianças e anciãos.

Entre crentes, católicos e pagãos,

Eu não sei de quem era essa caveira,

Oleada coberta de poeira

Nos balanços do vento se tremia,

E nos acenos parece que dizia:

Ame ao próximo que a vida é passageira.

Numa longa risada zombeteira,

O sinistro esqueleto como um louco,

Gargalhava a sorrir fazendo pouco

Dos problemas da vida rotineira.

O orgulho, a inveja, a voz grosseira,

A perfídia, o ódio e a maldade,

Prepotência, rancor, perversidade,

Valentia, calúnia e arrogância,

São lagartas ceifando a substancia

Da floresta feliz da humanidade.

Roubo, vício, vingança e vaidade,

Quem pratica não pode estar liberto,

Sua alma pesada não da certo

No fiel da balança da verdade.

O carinho, a meiguice, a lealdade,

Confundem-se vibrando a mesma luz.

Uns vestidos em trapos e outros nus,

Todo homem morrendo é transformado,

Como um líquido que sai purificado

Das palavras da boca de Jesus.

Tresloucado abracei os ossos nus,

No mais alto e profundo nervosismo

Delirando no amor do cristianismo

Atirei-me nos braços duma cruz,

Assombrado gritando por Jesus,

Angustiado com pena dessa gente,

Que não ri, que não ama, que não sente,

Que não sofre da vida seus ressábios

Quando a terra comer seus negros lábios

Vivera gargalhando eternamente.


 



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