"O SERTÃO É A MINHA FONTE DE INSPIRAÇÃO. FLORA, FAUNA, COSTUMES E O DIA A DIA DAS FESTAS DOS SERTANEJOS", DIZ O CORDELISTA J.BORGES

É no ateliê em Bezerros, no Agreste de Pernambuco, que o xilogravurista e cordelista J. Borges passa todas as tardes, traduzindo em palavras e ilustrações em preto e branco toda a imensidão da paisagem e do cotidiano do sertanejo.

 “O Sertão é a minha maior fonte de inspiração. Todo o meu trabalho é baseado na flora, na fauna, nos costumes, no dia a dia e nas festas do povo sertanejo. Eu exploro com gosto mesmo”, conta, em entrevista ao Viver. As obras lançam mão dos recursos mais tradicionais da xilogravura e cordel e simbolizam a cultura nordestina, com a singular e inconfundível assinatura do mestre.

Patrimônio Vivo de Pernambuco, o artesão de 84 anos é o homenageado do São João na Rede da Fundação Joaquim Nabuco, que será realizado nesta quarta-feira (24) no site www.saojoaodafundaj.com.br e nas redes sociais da instituição (@fundajoficial). A programação terá com apresentação do ator Adriano Cabral. 

Diante da pandemia do novo coronavírus, o festejo será totalmente on-line e contará com oficina gastronômica, atividades recreativas, espetáculos, debates, exibições de filmes e show da cantora Cristina Amaral, além da presença de folcloristas e historiadores.

“É muito bom receber essa homenagem, eu engrosso meu currículo com essas coisas”, agradece J. Borges. “Estou satisfeito, veio na hora certa. Espero que todos continuem acreditando no meu trabalho”, completa o artista, desculpando-se ao telefone pelo jeito informal de falar, com gentileza e humildade tão grandes quanto sua obra. Dentro da programação, um depoimento do homenageado será exibido para o público. Borges já recebeu da Fundaj a medalha de honra ao mérito, em 2000, e foi agraciado no ano passado com a Medalha Gilberto Freyre, na celebração dos 40 anos do Museu do Homem do Nordeste. Também em 2019, o artista assinou a decoração do São João de Caruaru e criou quatro peças exclusivas para a ocasião.

José Francisco Borges nasceu em 1935 no município de Bezerros, onde iniciou a vida artística e reside até hoje, escrevendo, ilustrando e publicando os seus folhetos. J. Borges começou a trabalhar aos 10 anos, dedicando-se à agricultura e à venda da colheita nas feiras da região. Como um dos primeiros impulsos artísticos, o jovem aproveitava a oportunidade para comercializar colheres de pau que ele mesmo fabricava. Em 1964, começou a escrever cordel e a fazer xilogravuras, entalhando madeira de pinho e imburana.

Na década de 1970, o artesão teve suas obras e técnicas reconhecidas nacionalmente como uma atividade cultural. O ateliê, que no início fabricava figuras apenas para ilustrar suas histórias, atingiu uma marca de 200 cordéis e dezenas de xilogravuras de capa. Atualmente, os produtos que narram o cotidiano do sertanejo pobre, do cangaço, do amor, dos folguedos juninos e até de crimes e corrupção são impressos em larga escala e vendidos para colecionadores e público vindo de diversas partes do mundo.

Apaixonado pelo São João, Borges lamenta que não terá a tradicional festa neste ano. “O São João é a festa melhor do mundo, anima todo lugar e todas as pessoas. Até nos lugares distantes que têm só um ranchinho de palha na beira da mata, todo mundo fica vibrando com a fogueirinha. É uma festa muito social, eu adoro. Vamos apelar para que no próximo ano tenha, porque nunca faltou”, deseja, ao lembrar de um São João que perdeu por estar nos Estados Unidos a trabalho. “Eu passei o feriado todo trabalhando, parecia como um dia comum, nunca vi uma coisa dessa”, relembra.

“Quando eu era jovem mesmo e tinha as pernas boas, eu dançava os três dias. Santo Antônio, São João e São Pedro, fazia forró lá em casa, ficava todo mundo dançando, bebendo e batendo papo.” Oscilando com o isolamento social entre o ateliê e a sua casa, J. Borges não demonstra cansaço.

“Eu faço quarentena a vida toda. Eu passo o dia no meu ateliê e depois volto pra casa, uma vez por semana vou na rua resolver as coisas e nem do carro eu saio”, confessa. “Espero que o coronavírus não me pegue, porque eu não tenho condições de escapar dessa doença. Ela desperta muito cuidado. Desde que nasci e me criei, nunca vi um problema como esse no mundo.”

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