SEU JOÃO PENTEADO VIVIA ALI NA FEIRA E TRAZIA NOS MOVIMENTOS A CERTEZA PACIENTE DE VONTADES ANCESTRAIS

Seu João parecia estar ali a mais tempo do que a feira. Sua presença e o seu ponto de ervas e raízes eram marcas de um mundo arcaico incrustado ali naquela esquina...Trazia, para o meio da rua, resquícios de um Sertão antigo, que se apertava nas latinhas e pequenas caixas expostas num restrito espaço de chão forrado. 
                      
Vinham as ervas, raízes, bulbos, folhas, sementes, vargens, cascas, frutos secos; curtidos e envelhecidos como as práticas medicinais, as crenças e o semblante caboclo do velho João Penteado. Vinham por um corredor da vida onde o tempo vai passando devagarzinho e deixando uma crosta pegajosa e essencial sobre os entes, as horas, os costumes, as coisas... 

A localização do Ponto de Seu João era dos mais emblemáticos: Na frente ou no oitão da casa – geralmente fechada – de esquina com a Bodega de Babá; na entrada da rua da ladeira do Colégio São Sebastião; já dentro do fuzuê das barracas de comida e próximo à sombra da esquina de Teófilo Lins – Praça da Casa Paroquial e do Cine Santa Terezinha. 
                       
Naquele triângulo de confluência sentimos, na infância, e testemunhamos mais tarde, a feira e toda a alma de um universo e de um tempo como que se concentrando e se despedindo de nós, do mundo “lá de baixo” e de um arraigado modo de vida do qual era o centro.

Seu João tinha o vigor manso dos vegetais; trazia nos movimentos a certeza paciente de vontades ancestrais. Nas horas áridas, respingos de eternidade umedeciam suas lacunas de solidão e afastavam o fantasma da incerteza. A natureza de ventos silvestres marcava o compasso dos seus dias. 

Nos caminhos da Tranqueira, da Serrinha, do Teiú, da Solta, do Pradicó... Era um espírito xerófilo tateando cascas, vargens, frutos, raízes e o quase perdido elo telúrico... Era um coletor e disseminador da essência primitiva da existência. Tinha as mãos e os passos impregnados pelo aroma vigoroso das caatingas e pelos princípios elementares da vida.

João Penteado trazia, em todo o corpo, pigmentos de sedimentada velhice e inalterável solidez, tal qual as encostas da Serra do Araripe. Na fisionomia os traços eram como que esculpidos por deuses de tempos há muito esquecidos, num tronco encascado de velha e engelhada Baraúna.

Era senhor de uma paciência e uma languidez recrudescidas – nunca embrutecidas – na sua faina sob o sol, e quando no amparo das sombras – que lhe favoreciam uma profunda imersão-integração no universo existencial daquele meio aparentemente adverso, mas profundo e vasto como as horas de mormaço e as noites de céu estrelado.

Seu João, por vezes, parecia inerte e estagnado. Mas, uma atenção mais sensível nos deixava sentir o fluxo de uma corrente interior que fluía continuamente e incandescia o seu ser, fazendo ferver a seiva que nutria a sua vida e movia a energia assentada em sua têmpera.

Arrumava e manuseava, calmamente, todo aquele rebotalho de produtos nas latinhas e nas caixas; e espalhava outros soltos nas brechas vazias sobre a lona; como quem planta uma roça: Com a certeza de trazer, nas mãos, férteis gérmens de vida e o sentido da aventura da luta pela sobrevivência.

Seu João Penteado tinha a fibra e a despretensão dos seres silentes. Era daqueles que traziam no corpo, na voz e na vastidão sossegada da sua existência, a recendência dos eflúvios  (Texto: Mauricio Cordeiro Ferreira (Sebo Reboliço)

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