AS ÁRVORES, PLANTAS TÊM SENTIMENTOS, MEMÓRIA E AJUDAM A COMUNIDADE

Você já ouviu a voz da floresta? As plantas "falam", têm "sentimentos", memória e ajudam a sua comunidade. Algumas delas, como as árvores-mães, até alimentam outras plantas.

Uma reportagem especial de 41 anos do Globo Rural mostra toda essa sabedoria que vem da floresta. Confira:

Antes que o homem surgisse na Terra, os vegetais já usavam a eletricidade para se comunicar e se defender. A árvore não é imóvel, passiva, como sugere a expressão "estado vegetativo".

E um dos diversos exemplos disso é a planta Maria dormideira, que se fecha ao ser tocada em uma de suas folhas.

A repórter Mariana Fontes conta que, em sua infância em Minas Gerais, ficava encantada com essa planta e adorava brincar com ela. Alguém contou na época que a espécie gostava de receber um carinho e, então, dormia.

Mas a ciência já estuda essa reação faz tempo. E não tem nada a ver com preguiça não.

Ao sentir uma ameaça, é como se uma corrente elétrica viajasse pelo corpo dela, levando um ‘aviso de perigo’. A planta então reage. Só que, em vez de músculos para fugir, ela usa um sistema hidráulico e se move deslocando água. No momento em que o sinal elétrico chega à base da folha da Maria dormideira, ela perde água e murcha, conta o biólogo Gabriel Daneluzzi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, em Piracicaba, São Paulo.

Celebridade na botânica, a Maria dormideira também é chamada de "sensitiva" ou "Maria fecha a porta".

A sabedoria da natureza também permite que ela se regenere mesmo após o desmatamento.

Foi o que aconteceu em uma área da Mata Atlântica, localizada perto do Parque Nacional de Itatiaia (divisa de SP, MG e RJ), na Serra da Mantiqueira. Por lá, o vizinho de cerca do repórter Nelson Araújo, Eduardo Campos, contribuiu para a recuperação das plantas.

No meio da década de 1980, ele e mais seis amigos compraram a área, que havia sido desmatada e transformada em uma grande fazenda de gado e lavoura.

A recuperação se deu por estágios. Assim que tiraram o gado e pararam com as roças, uma espécie tomou conta das encostas: a vengala. Também chamada de calafá. Um tipo de um bambuzinho da Mata Atlântica.

Planta pioneira, ela se espalha formando uma estufa a céu aberto, onde a vida estocada no solo desabrocha.

Assim como nas sociedades humanas, entre as árvores há muita competição para se conquistar um lugar ao sol. Mas, debaixo do solo, o que acontece é muita colaboração.

E a pesquisadora canadense Suzanne Simard comprovou cientificamente a troca de substâncias que as plantas fazem.

Ela conta que, ainda nos 1990, moléculas de carbono foram marcadas e injetadas em uma árvore. “Em pouco tempo, detectamos que a substância tinha passado para os indivíduos do entorno”, diz ela.

“Conforme avançamos nas pesquisas, descobrimos como a transmissão se dá pelas raízes”, acrescenta.

“Nós fizemos sensoriamento em uma floresta do Pacífico Norte e o que constatamos foi surpreendente. Tudo ali está conectado formando uma extraordinária rede de comunicação. Tão ou mais fantástica que a internet”, acrescenta.

As plantas também escolhem e até atraem os seres que garantem a sobrevivência delas. Elas recrutam, por exemplo, quem oferece nutrientes.

A biotecnologista Carol Nishasaka tentou reproduzir essa dinâmica no laboratório, onde ela preparou duas placas: uma onde colocou somente um fungo que causa doença, e outra que, além do fungo, tinha uma bactéria ‘do bem’.

Dias depois, o fungo que ficou sozinho avançou livremente, diferentemente da outra placa. Nesta, a bactéria ficou do lado direito e o fungo do lado esquerdo. A bactéria liberou substâncias que não deixaram o seu rival crescer.

A natureza também conta com a presença das árvores-mães, que alimentam os seus "filhos” e a população vizinha.

“Podia ser árvore-pai ou árvore-mãe. Optamos por árvore-mãe pelo aspecto da nutrição e a importância da mãe com a família”, afirma a pesquisadora canadense Suzanne.

“Vimos que a árvore-mãe não só atende aos seus, mas alimenta também os filhos de suas vizinhas. Em quantidade menor do que para a própria família, mas não deixa de cuidar dos estranhos também”, reforça.

SAGRADO NAS FORMAS: Para alguns pode parecer estranho falar em "conversa de plantas", mas muitas culturas antigas consideraram a floresta como parte da família.

É o caso da filosofia indiana Hare Krishna. Os devotos, assim como em muitas culturas milenares, pregam o respeito a todos os seres. Eles acreditam que o sagrado está em todas as formas de vida. Quem segue essa religião, não come carne, por exemplo, para não causar sofrimento aos animais.

E, quando eles retiram os vegetais da natureza, eles entendem que estão lidando com um ser vivo que tem consciência e até alma.

Na Serra da Mantiqueira, uma comunidade rural de 30 famílias Hare Krishnas, fundada na década de 1970, compartilha mais de 100 hectares e as mesmas crenças.

Gaura Lila, uma das moradoras da fazenda Nova Gokula, cuida das hortas orgânicas, que são fontes de renda e de alimento para as pessoas da comunidade.

Ela conta que a filosofia Hare Krishna mudou a sua relação com as plantas.

“É com essa consciência de que é uma entidade viva que está no seu processo de evolução. E que não é porque eu sou um ser humano que eu posso abusar desse poder e ir pra um caminho de destruição."

A sincronia observada na floresta pode servir de exemplo para a produção de alimentos. Exemplo disso é o modelo de agrofloresta.

Quando o agrônomo Antônio Devide, da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio (APTA) ergueu uma, ele colocou primeiro a gliricídia, especialista em se aliar a bactérias que captam o nitrogênio.

Os restos de poda de uma leguminosa viram adubo para a bananeira. Ela, por sua vez, ampara quem precisa de potássio.

Sabendo a aptidão de cada planta, o desejo dela por luz, água, nutrientes, é possível trazer espécies que se complementam. É assim que funciona a agrofloresta.

E o Antônio envolve a comunidade nas pesquisas para mostrar que esse sistema também traz renda para o agricultor.

“A gente precisa viver em redes, estabelecer conexões assim como os fungos, as bactérias e as árvores se comunicam, por que não a sociedade trabalhar nesse sentido?”, diz.

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