LIVRO DE ANTONIO RISÉRIO E GUSTAVO FALCÓN PASSEIA PELA DIVERSIDADE CULTURAL DA BAHIA

No alto do sertão, se come arroz com pequi por causa da influência mineira. No vale do Rio de São Francisco, quem reina soberano não é Xangô, nem Oxalá, mas o Senhor Bom Jesus da Lapa. Se alguém não conhecia essas informações, fica o convite para ler o livro Bahia de Todos os Cantos - Uma Introdução à Cultura Baiana (Editora Solisluna | 400 páginas | R$ 79,90) do antropólogo e poeta Antonio Risério e do sociólogo e jornalista Gustavo Falcón.

A obra foi lançada neste último final de semana com uma live no YouTube da editora Solisluna, fez um passeio profundo pela diversidade cultural baiana com literatura e certa dose de humor. São cerca de 20 ensaios que revisitam clássicos da história e recuperam a literatura regional para falar sobre a realidade de diferentes cantos do estado: não só do popular Recôncavo, mas também do sertão, do Oeste, da Chapada Diamantina e do Sul da Bahia.

Espécie de guia sobre as singularidades baianas, o livro resulta de “uma noite etílica” entre os amigos autores. “Sempre tomamos o Brasil e a Bahia como campo de estudo e objeto de reflexão. E já publicamos diversos trabalhos nessa direção. (...) Então, escrever esse livro foi uma consequência lógica de tudo isso. Convidei Falcón a fazê-lo comigo numa conversa há uns 18 anos, numa noite etílica no pequeno sítio onde eu então morava. Ele topou – e a gente veio fazendo”, conta Antônio Risério, 67 anos.

Próximos desde a adolescência, Gustavo e Risério sempre se encontravam para discutir “ou bebericar”, lembra Falcón, 68, aos risos. Enquanto um se preocupava com os clássicos da literatura, o outro gostava mais dos romancistas baianos. “Nós fizemos essa conexão e daí veio a ideia de reunirmos literatura regional para fazer uma espécie de voo razante na paisagem cultural da Bahia e interpretá-la de forma mais morderna para o público baiano”, explica Falcón.

O projeto, porém, não caminhou de primeira por falta de apoio financeiro do governo e da iniciativa privada. Mas o encontro de amigos era movido por uma obsessão: tentar entender o Brasil. E a Bahia era o pontapé para isso. A partir daí, cada um seguiu com sua vida e, em paralelo, foi tocando o projeto bem devagar. “Ficamos assustados com os conterrâneos que não entendiam a própria realidade”, confessa Falcón, sobre um dos estímulos para sua pesquisa.

Na nota do autor, o sociólogo e jornalista relembra o dia em que Ruy Espinheira Filho o confidenciou, na redação do jornal onde trabalhava, sua impressão sobre o livro Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro (1941- 2014). “Depois desse livro, nunca mais verei o Recôncavo como o mesmo olhar”, disse Ruy. “Essa é a impressão que tenho à respeito do livro que o leitor tem agora em mãos: depois dele, jamais verá a Bahia do mesmo jeito”, compara Falcón.

A partir de uma narrativa por vezes bem-humorada e até picante, Bahia de Todos os Cantos busca facilitar o acesso do público à produção científica literária. A ideia é “retirar a boçalidade do academicismo”, afirma Falcón, a visão de uma Bahia caricata e tentar “desalienar o público”. “A gente quer quebrar um pouco o gelo dessa leitura presente, uma leitura superficial e turística que empobrece muito a realidade, tornando-a simplória às vezes”, defende o autor.

Questionado sobre a importância de se debruçar sobre a cultura da Bahia com tal profundidade, em uma época em que reina uma comunicação mais superficial, Risério ressalta que superficialidade e profundidade sempre existiram e não vão deixar de existir. “As pessoas já souberam falar e escrever português muito melhor do que hoje, claro, quando a quase totalidade da nossa população universitária pode ser tranquilamente definida como semiletrada”, critica.

Em seguida, o autor destaca que o trabalho dos intelectuais “sérios” e “profundos” nos ajuda a “tentar entender o mundo à nossa volta”. O livro tenta contribuir com esse processo a partir de capítulos como “pluralidade e sincretismo”, “recôncavo afrobarroco”", “do açúcar ao cacau” e “a face hegemônica da Bahia”. Além dos textos, fotos históricas compõem a obra que tem capa de Enéas Guerra e projeto gráfico de Valéria Pergentino e Elaine Quirelli.

“O que nós fizemos no livro foi assentar as bases históricas, antropológicas e sociológicas para um futuro mapeamento. Mas tendo consciência de que a realidade cultural não tem fronteiras definidas, como a realidade político-administrativa”, explica Risério. Assim, a partir de uma perspectiva socioantropológica, o livro apresenta “uma reflexão sobre as diversas regiões culturais da Bahia, examinando sua formação, seu desenvolvimento e suas especificidades”, resume.

Falcón destaca que não há a pretensão de esgotar o assunto com este livro. “Quando a gente começou a estudar, a gente viu o quanto o Brasil era complexo, com várias experiências regionalizadas que não são fáceis de entender. A Bahia é um país, é uma realidade rica. Precisa se tornar o centro de pesquisa. Foi um pouco de ousadia nessa direção, de valorizar nossa cultura e apresentar razões consistentes para as pessoas estudarem essa realidade. Aqui o Brasil nasceu, se constitiu”, conclui.

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