SERTÃO MUSICAL E FESTIVAL DA PROFESSORA ELBA RAMALHO, REFERÊNCIA NO PENSAMENTO SOBRE A MÚSICA DE LUIZ GONZAGA

“Minha morena, venha pra cá pra dançar xote, se deita em meu cangote e pode cochilar, tu sois muié pra homem nenhum botar defeito, por isso satisfeito com você vou dançar”. (”Cintura fina”, Luiz Gonzaga).

Os versos de Mestre Lua têm um significado especial para Elba Braga Ramalho. Não apenas por terem sido matéria de estudo dela, mas porque bem antes, ainda menina, era embalada por eles que ela vivia um sertão festivo, farto de vida e encantamento. Onde a música, desde os primeiros anos, dava o tom dos sorrisos e reuniões de família.

“O sertão me remete àqueles bois mascarados que entravam na cidade e a gente corria com medo. Sair no domingo, de manhã cedo, depois de uma missa e ir pra um curral num carneiro selado tomar leite mugido. Tempos bons de fartura, das férias de julho, de tertúlia. Sertão pra mim é o do ‘tá bonito pra chover’”, narra, elegante, a mulher dos 73 anos escondidos sob uma vaidade nada exagerada. “Eu gosto de estar bem”, confessa ela com um encarnado discreto na boca, brincos de pérola e vestido de estampa azul e amarelo.

Nascida em Limoeiro do Norte, a geminiana de 20 de junho de 1940 guarda lembrança mesmo é dos tempos vividos em Russas. O pai, funcionário público, mudava-se muito e a família o acompanhava para diminuir a saudade e permitir-lhe que visse os filhos crescerem. Elba é a segunda filha a quem chamaram Elba. “A primeira morreu ainda bebê, mas meus pais teimaram em me dar mesmo o nome”, conta.

De família marcada pela música, tinha como tio o maestro Orlando Leite, a quem considera seu “pai musical”. Além dele, a avó tocava violão e bandolim; o avô, flauta , violão e órgão. Ainda bem pequena, envolta nos 5 anos de idade, foi levada pela mãe - que pintava e também tocava violão - às aulas de piano. “Tive uma vivência cercada de música”, enfatiza.

Também nesse aspecto a memória do sertão é positiva. “A vida musical no interior era muito rica. Havia piano nas casas mais abastadas, uma banda de música atuante. A igreja também tinha uma vida musical intensa”, recorda. O piano Essenfelder, onde toca até hoje, foi presente do pai, que ganhou o instrumento numa rifa há exatos 60 anos. Na sala de luz azulada, no meio dos livros e CDs devidamente catalogados, perto do computador com o qual ela divide as horas livres de hoje, ele está lá, imponente, à espera da companheira de longa data.

A vinda para Fortaleza marca o início de uma aproximação mais madura entre Elba e a música. Foi no Conservatório Alberto Nepomuceno que ela começou a aprofundar os estudos. “Aqui eu comecei uma vida nova”.

Depois de se graduar em piano, foi para o Rio de Janeiro estudar Canto Orfeônico. Voltou para dar aula na Universidade Estadual do Ceará e a curiosidade própria dos acadêmicos fez Elba buscar disciplinas que lhe dessem outro olhar para a música. Foi assim que estudou, por sua conta, filosofia e depois chegou ao mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Ceará.

Vem dessa época também o interesse pela música da infância, a cantoria nordestina, o som do sertanejo. É quando começa, nas pesquisas de Elba, o flerte entre o popular e o erudito.

“Depois que terminei o mestrado, Luiz Gonzaga não me deixava em paz”, diz Elba. Instigada pelos alunos, curiosos em descobrir as soluções harmônicas da música do Rei do Baião, ela teve de investigar a paisagem sonora do artista que, como diz, “foi o principal urbanizador da música do nordeste”. “Ele sintetizou e colocou elementos novos nessa música”, ensina.

Responsável por uma das pesquisas mais emblemáticas sobre Gonzaga e a maneira como sua música traduziu o nordeste, desenvolvida na Universidade de Liverpool, na Inglaterra, Elba está há cinco anos afastada das atividades acadêmicas. Diz que sente falta dos encontros, dos diálogos, da troca com estudantes e colegas. Só não tem saudade das burocracias.

Elba sabe que a liberdade de hoje é justa. “A gente merece um tempo pra ser dono do seu tempo”, resume ela. E por isso as viagens ao sabor da vontade; a dedicação ao piano, que ainda agora a faz tomar aulas, as horas gastas na Internet ou escutando os compositores preferidos: Bach, Mozart e, claro, Luiz Gonzaga - do qual ela não enjoa.

Tanto o mestrado quanto o doutorado de Elba Braga Ramalho resultaram em publicações. O primeiro foi Cantoria Nordestina: Música e Palavra (Terceira Margem, 2000) e o segundo, Luiz Gonzaga: a síntese poética e musical do sertão, cuja segunda edição foi lançada no ano passado por ocasião do centenário do Rei do Baião.

Além dos livros, a professora lançou dois CDs pela Universidade Estadual do Ceará. Carlos Magno em Cantoria, em 2000, e Vanda Ribeiro Costa: Louvação-Missa Breve do Sertão e outras canções, no ano de 2008. Em ambos ela fez a curadoria.

Agora, prepara-se para publicar a tese de seu pós-doutorado, concluído mesmo depois de ter se afastado da Universidade em função da aposentadoria. Uma homenagem à pianista e compositora Esther Sciliar (prima do escritor Moacir Sciliar), com quem Elba conviveu nos tempos de curso de Canto Orfeônico no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, mo Rio de Janeiro.

“Elba é uma amiga sempre presente, mesmo quando está distante. Atenciosa, generosa, discreta, é capaz de grandes gestos sem fazer alarde. Tenho orgulho de ser amigo dela. Defendeu uma das mais belas e consistentes teses sobre Luiz Gonzaga. Está aberta para o mundo. Adora música. Preciso dizer mais?”

"A professora passou a assinar também com o sobrenome Braga para tentar deixar de ser confundida com a cantora Elba Ramalho, sua xará."

Elba é casada com o médico Ary Ramalho há 50 anos. Com ele teve três filhos – César, Cristina e Leonardo – e conta 5 netos. 

*Gilmar de Carvalho, pesquisador de cultura popular e jornalista


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