CHAPADA DO ARARIPE PODE SER RECONHECIDA COMO PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE

"A gente sempre acreditou e eu digo que o Cariri é um estado de espírito onde o vento sopra com saudade do mar. Essa frase, quando diz o estado de espírito, o estado é o território, o espírito é a cultura, e o vento que sopra com saudade do mar é, trazendo toda uma antiguidade paleontológica e geológica, que o mar já esteve aqui. Exemplo o Rio São Francisco já esteve aqui. Então, essa é a nossa força". (Alemberg Quindins)

Luiz Gonzaga cantou, Patativa do Assaré poetizou e Padre Cícero doutrinou. Todos eles e muitos outros que vieram antes de Alemberg Quindins usaram expressões diferentes para alcançar, talvez, o mesmo propósito evocado hoje pelo cratense: o reconhecimento da Chapada do Araripe, que inclui Ceará, Pernambuco e Piauí, como Patrimônio da Humanidade. 

"Eu sou mais um que fala. E tive a sorte de ter pessoas à frente de uma instituição que tem condições, que é a Fecomércio, de me ouvir, de acreditar em mim", enfatiza o idealizador da Fundação Casa Grande.

A afirmação veio acompanhada da realização de um Seminário Internacional em três cidades do Cariri cearense - Juazeiro do Norte, Crato e Nova Olinda, ano passado. Participaram representantes de instituições federais e pesquisadores com trabalhos conceituados dentro e fora do País. Eles traçaram metas a serem atingidas a curto, médio e longo prazos para a concretização do objetivo.

Uma pergunta inquietante, feita pela chefe de Divisão de Reconhecimento Internacional de Bens Patrimoniais do Iphan, Candice Ballester, norteou as atividades: afinal, por que ser Patrimônio da Humanidade?

E foram os próprios atores sociais os convidados a respondê-la, formalmente, em discursos, ou nas dinâmicas de apresentações artísticas e inaugurações de três museus orgânicos nos municípios anfitriões do Seminário. A questão principal, como bem explicou Candice, é que o título, antes de ser algo que vem de fora, nasce como uma provocação interna de quem o deseja. Por isso mesmo, precisa ser devidamente compreendido pelos homens e mulheres da Chapada, protagonistas dessa construção.

"Não se trata de uma faixa de miss. É um compromisso internacional de conservação e preservação desse patrimônio, e isso exige muito mais que um dossiê", diz.

As respostas que deram sequência a esse questionamento foram dignas da diversidade natural, cultural e paleontológica, única frente às outras candidaturas, como mais tarde viria a salientar a própria Candice. "Nós já somos Patrimônio da Humanidade", bradariam todos em convergência, transformando o seminário numa reafirmação da identidade regional.

Mais do que um acordo do povo, este reconhecimento foi sugerido por Alemberg Quindins como um compromisso com a história da terra. "A Chapada, durante todo o movimento do planeta, manteve-se perene e sendo um ponto de destaque onde está. O Rio São Francisco já foi aqui, e mudou o curso quando ela foi soerguida. Nós temos registros dos animas mais longínquos. Há 3.300 anos A.C., o homem já estava em torno da Chapada, fazendo cerâmica, dançando, fazendo pintura rupestre, com toda uma formação cultural já organizada. Então, temos aqui um tesouro vivo".

E a vontade do próprio Alemberg de contar isso para o mundo surgiu ainda na infância, quando ele "ouvia" e "se via" nas lendas sobre a região contadas por uma mulher indígena do Cariri; e também anos depois, já com a companheira, a arqueóloga Rosiane Limaverde (1964-2017), ao deparar-se com o desconhecimento das pessoas sobre a importância histórica daquele platô. "Um dia, eu olhei para a Chapada e tive uma intuição: ou aqui já aconteceu uma coisa muito grande ou está para acontecer". E por que não os dois?

"A gente sempre acreditou e eu digo que o Cariri é um estado de espírito onde o vento sopra com saudade do mar. Essa frase, quando diz o estado de espírito, o estado é o território, o espírito é a cultura, e o vento que sopra com saudade do mar é, trazendo toda uma antiguidade paleontológica e geológica, que o mar já esteve aqui. Então, essa é a nossa força".

Foi essa reflexão que levou o gestor, no fim de 2017, a Portugal e Marrocos a fim de entender a dinâmica da candidatura a Patrimônio e de gestar o Seminário ao lado de parceiros como a professora Maria da Conceição Lopes, diretora nacional do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Patrimônio da Universidade de Coimbra e uma das principais vozes a favor desse reconhecimento mundial.

O processo que pode culminar no título almejado, porém, não escapa das burocracias das instituições, e esbarra numa série de fatores detalhados nas falas de Candice Ballester e do representante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), Júlio Sampaio. Com autenticidade, integridade e universalidade garantidas, a Chapada do Araripe deixa a desejar em outros aspectos dentro dos parâmetros internacionais.

O primeiro deles é a falta de reconhecimento no próprio País. O único bem imaterial da Região registrado junto ao Iphan, por exemplo, é a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha, cuja candidatura levou cinco anos para ser aprovada, entre 2010 e 2015. "Convencionou-se nacionalmente que a gente só apresenta um bem ao reconhecimento internacional quando ele já é reconhecido nacionalmente", explica Candice. Esse é um dos entraves a serem resolvidos, inclusive no âmbito estadual.

A principal vantagem se dá com o título do Geopark Araripe como o primeiro parque geológico das Américas reconhecido pela Unesco. Essa chancela internacional eleva as possibilidades da candidatura, mas há muito a caminhar. Inclusive para incluir a Chapada na lista indicativa do Iphan, que só costuma ser revista a cada dez anos. A última revisão foi em 2015.

"É preciso primeiro apresentar ao Iphan uma solicitação, reunindo informações e argumentações técnicas, para que a gente possa rever a inclusão da candidatura da Chapada e região do Cariri, que ela componha a lista indicativa brasileira porque se não estiver nessa lista e aprovada previamente para constituir uma candidatura com a Unesco, a gente não existe, não tem nem como iniciar nenhum procedimento", pontua Candice.

O Secretário Estadual da Cultura, Fabiano Piúba, também sinalizou o apoio do Governo do Estado. "Comprometemo-nos com uma parte do orçamento da LOA 2020 e do Plano Plurianual 2020-2023 para viabilizar a elaboração do dossiê, estabelecendo as articulações institucionais com os governos de Pernambuco e Piauí, instaurando as articulações com as prefeituras municipais, promovendo mesas de trabalhos com especialistas e viabilizando a aprovação do registro do Cariri como patrimônio pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural. O fato é que o governador Camilo Santana, que é um homem do Cariri, está muito animado e vai se envolver pessoalmente com esse projeto".

PADRE CÍCERO: "Qual Padre Cícero vamos colocar no dossiê? O renegado pelo Crato ou o reverenciado por Juazeiro?", perguntou um dos participantes do Seminário Internacional Patrimônio da Humanidade Chapada do Araripe após mesa dedicada ao "Padim" no imaginário simbólico do Cariri. A ele, Alemberg Quindins, idealizador do movimento, respondeu: "Só existe um Padre Cícero e o Crato está dentro dele".

O sacerdote cratense e fundador da vizinha Juazeiro do Norte, que obteve prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa da região foi reconhecido pelos presentes como personagem histórico "absolutamente inserido na candidatura da Chapada do Araripe como Patrimônio Mundial.

"Padre Cícero foi o grande cacique, o último dos caciques Cariri, e ele resgatou todas as migrações para a região da Chapada, usando a estrutura da Igreja. Até um dia em que a Igreja desconfiou e expulsou ele, porque notaram que não era um apóstolo de Roma, mas o apóstolo de um povo", diz Quindins. A força que essa imagem evoca, mesmo 87 anos depois de sua morte, sem dúvidas, será motriz.

*A repórter Roberta Souza viajou ao Cariri a convite do Sesc-CE 

Nenhum comentário

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário