Maciel Melo: No tabuleiro pênsil de uma ponte um bardo violeiro mergulhava fundo nas águas turvas de sua imaginação

No tabuleiro pênsil de uma ponte velha sobre um rio seco, um bardo violeiro mergulhava fundo nas águas turvas de sua imaginação. Viajava no tempo e no espaço; pescava ilusões perenes naquele rio que nunca encheu, mas também nunca secou. 

Mirava o horizonte, e planava como se fosse uma pipa sob o céu de sua cidade, um lugarejo envultado no oco da caatinga do Sertão do Nordeste do Brasil. Lá onde os ventos uivam de madrugada e os espíritos se rebelam, amotinados na calçada da igreja, tirando o sono das almas sebosas que vivem maldizendo da vida alheia.

Ah! Mesmo assim, orgulha-se de lá ter nascido. Varou a vida, abriu cancelas, caiu na lapa do mundo, foi fazer rastro onde o chão era mais fofo, onde o amor era afluente, e a vida tinha tudo pra vingar. Viajou léguas além, nadou em águas rasas e barrentas, foi no fundo do poço das desilusões, mas emergiu intacto, ileso, sem remorsos, sem rancores e sem mágoas.

Estava ali, pescando pensamentos pra alimentar seu corpo, sua alma e sua mente. Estava exausto, um pouco descontente com a leviandade da vida, mas categórico em não entregar os pontos. Afinal, a guerra sempre foi seu plano de batalha. Recuar, sim; perder a ternura, nunca! Jamais.

Nasceu para ser o que é, e jamais mudará o conceito de ser o que sempre quis.

Compartilhou sentimentos, semeou palavras, colheu concelhos e guardou as sobras de carinhos que ajuntou durante meio século de vida. A fortuna é pouca, mas infinda; a usura foi uns caquinhos de seduções que escondeu no coração, e, de vez em quando, vai lá e dá uma beliscadinha. Coisas que para uns não valem nada, mas, para ele, valem o preço da uma eternidade. Ah! Também cavou uma botija, enterrou um trancelim, rabiscou um mapa num pergaminho e enviou para o endereço seguinte: Reino do singelo, castelo do prazer, cidade do sossego, estado do paraíso, universo de Deus.

*Cantor e compositor
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