SILENCIADOS PELA PANDEMIA, MÚSICOS VENDEM OS PRÓPRIOS INSTRUMENTOS PARA SOBREVIVER

“ (...) Quando pego um instrumento sinto que estou flutuando. Tem horas que nem sinto meus pés no chão". A frase, de Hermeto Pascoal, integra a legenda de uma imagem no Instagram do guitarrista freenlancer, o pernambucano Mosien Mariano. Em destaque na foto, a guitarra que fez parte da história do nascimento de sua filha e que por anos foi o que lhe deu sustento. 

Mas ela precisou ser vendida. Era preciso pagar as contas e botar comida à mesa – realidade enfrentada por ele mesmo antes da pandemia. “Ver as coisas faltando em casa é muito dolorido, sabe?”, justificou. E a partir de 2020, com as imposições trazidas pela Covid-19, ele que trabalhava em pubs do Recife, festas e casamentos, ficou sem trabalho. O que lhe restava - outra guitarra, pedais e pedaleira – foram passados adiante. Mosien ficou, então, sem o que lhe fazia flutuar, até que...

“Amigos sensibilizados foram atrás e conseguiram trazer de volta a minha guitarra, a que eu tinha tanta estima”. Novamente de posse do instrumento ele voltou a fazer o que mais gosta, tocar, mesmo sem ser o ofício que atualmente lhe garanta o ganha-pão. Sem perspectiva de retorno à profissão, hoje ele ajuda em uma empresa de mudanças. “É preciso viver cada dia em seu próprio dia”, resume.

Um dos representantes da categoria no Agreste, o músico Sérgio Brayner, disse em entrevista à Rádio Jornal Caruaru que a classe artística "grita e clama por socorro" e que o momento é muito difícil para quem trabalha com arte e cultura de modo geral. 

"São bateristas vendendo suas baterias, cantores vendendo violão e microfones, e a gente fica se perguntando 'até quando vai essa situação?'. A gente espera medidas dos órgãos governamentais, espera medidas que salvem a categoria porque depois que passas a pandemia nem o próprio instrumento o artista vai ter para garantir seu pão de cada dia", disse Brayner.

 Mosien é um entre outros tantos artistas da música que não sobreviveram à pandemia e aos espaços fechados, eventos e shows cancelados e, portanto, palcos vazios. Dos setores mais castigados, o efeito devastador na classe segue sendo um dos mais sentidos. José Amaro Junior, por exemplo, conhecido como Zé Trola, é defensor da profissão e da música. “A palavra é essa: defendo”, brada ele.

À frente do projeto Sambossa e parcerias com nomes como Adriana B e Karynna Spinely, ele se desfez da cuíca, do tantã, do repinique e do pandeiro. “Todos foram vendidos. Só de pandeiro, minha paixão, eu tinha sete e hoje só resta um”. Zé não quis falar sobre o assunto por telefone, preferiu escrever. “Porque realmente não tenho condições. Só de escrever meus olhos estão nadando em lágrimas”. Aos 45 anos e 27 de profissão, ele conta que o valor arrecadado não foi suficiente para suprir a pensão que deve aos três filhos. “Não amenizou a situação”. 

Já Bino Silva, 72 anos, conhecido por “Seu Silva”, não larga o bandolim. Veterano dos carnavais de Recife e de Olinda, faz questão de exaltar suas andanças pela folia pelo ‘blocos saudosos’. Contentamento demonstrado também quando se remete ao tempo do Conservatório Pernambucano de Música (CPM), o início de tudo.

“Eu nem sei quantos anos de carreira posso dizer que tenho, acho que mais de trinta. Vi muitas gerações de músicos passando por mim e ainda estou na ativa, pelo menos estava até a pandemia. Tinha vendido dois dos meus bandolins porque a aposentadoria vai direto para os remédios, e agora tem outro à venda. Com essa doença tá mais difícil de sobreviver”, contou ele, morador do bairro da Boa Vista. Seu Silva hoje ajuda em produção de cartazes de publicidade para ajudar na renda. 

Quem buscou também outra atividade além da venda dos instrumentos foi o percussionista olindense Emerson Santana – traquejado no ofício de acompanhar mestres e mestras do maracatu. Ele diz que acorda com música e dorme com música, batucando dentro de casa. Pai de dois filhos e morando no Rio de Janeiro, pelas bandas de cá colecionou participação em discos com nomes da cultura pernambucana, entre eles os mestres Zeca do Rolete e Ferrugem do Coco, além de Maciel Salú.

Com a pandemia empreendeu em aulas online de música mas foi inevitável se desfazer dos seus sons. “Pandeiro, pratos de bateria, djembe (tambor originário da África ocidental), já vendi. Agora vou passar meu timbau e um gan gan nigeriano”, contou ele, que passou a fabricar instrumentos para vender, para amenizar os danos da ausência do palco, espaço que em uníssono segue como o maior desejo dos que vivem do querer artístico inabalável, a música. 

A reportagem é Germana Macambira. Jornal Folha de Pernambuco e de Eduarda Cabral Rádio Jornal 

Nenhum comentário

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário