RIO SÃO FRANCISCO, SUAS FORMAS DE FÉ E AS MANIFESTAÇÕES SAGRADAS


Ao longo do seu curso, o rio São Francisco é alicerce de vida para famílias rurais e urbanas, que habitam 507 municípios de sete estados brasileiros. Do total, 59 são ribeirinhos e estão localizados em cinco estados que possuem regiões semiáridas: Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Desta fonte, além da água, as famílias dependem dos peixes para se alimentar. O velho Chico também é laico, por onde passa, professa diversas formas de fé e serve às mais diversas manifestações sagradas. Em um dia simbólico como o 22 de Março, Dia Mundial da Água, a ASA apresenta a série Novos Retratos do Velho Chico - um rio que sangra até morrer?.

Ao longo de três reportagens, é traçado um retrato das condições socioambientais e das necessidades de políticas públicas de gestão hídrica do Velho Chico. O contexto atual é marcado por três principais questões: os dados das três últimas Expedições Científicas no Baixo Rio São Francisco, que trazem uma radiografia atual da saúde do rio; o início da transposição das suas águas para o Açude Castanhão, no Ceará, e a proposta de construção de uma Usina Nuclear em Itacuruba, no Semiárido pernambucano, em debate na Assembleia Legislativa do Estado.

Nesta primeira reportagem, pautamos os impactos socioambientais e econômicos de problemas como assoreamento, intrusão salina e a contaminação das águas, constatados pelas Expedições Científicas realizadas entre os anos de 2018 e 2020 no Baixo Rio São Francisco, localizado entre os estados de Sergipe e Alagoas e responsável por 5% de toda a bacia hidrográfica do São Francisco. Entrevistamos uma integrante da comunidade quilombola Pixaim, distante 15 km do centro do município de Piaçabuçu, local onde a população contava com as águas e os peixes do Velho Chico, e, hoje, sobrevive de carros pipa.

A comparação entre os resultados das três últimas Expedições Científicas no Baixo Rio São Francisco constatou três grandes problemas persistentes, que traçam um retrato da fonte hídrica nos dias atuais: assoreamento, intrusão salina, que significa o avanço do mar rumo ao continente, e a poluição. A intrusão salina, por exemplo, é sentida, desde 2010, pelas comunidades ribeirinhas de Piaçabuçu, no estado de Alagoas. De acordo com a líder comunitária da Associação Agroextrativista Aroeiras, Rita Ferreira, na comunidade quilombola Pixaim, a água, agora, só chega de carro pipa. “Imagina, ter água perto e não poder usar. É triste ver o Velho Chico desta maneira”, desabafa.

O coordenador das expedições e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Emerson Soares, comparou os resultados das três últimas expedições científicas. De acordo com ele, o relatório mais recente, elaborado a partir das análises de 2020, apontou uma vazão de 2.800 m³ por segundo e problemas de assoreamento, intrusão salina e poluição.

Também foram identificados altos níveis de contaminação por agrotóxico, parasitoses e descarga de esgoto doméstico, além da proliferação de plantas devido a essa contaminação. As pesquisas de 2019 apontaram uma redução na vazão, que atingiu 1.500 m³, e mensuraram uma intrusão salina de 14km. Já em 2018, a vazão identificada foi ainda menor, 550m³, porém a instrução salina estava em 16km. Neste estudo, foram registradas 27 novas ilhas, o que indica um agravamento no problema do assoreamento.

Ainda segundo o coordenador da pesquisa, é comum haver oscilações na vazão do rio. Por exemplo, uma coleta feita no mês de fevereiro após as Expedições 2020 que identificaram uma vazão de 2.800 m³, havia identificado uma vazão de 800 m³ por segundo, apontando uma queda brusca se comparada à vazão identificada na última Expedição. Essas oscilações de vazão, “agravam os problemas ambientais identificados”, pondera o coordenador.

“Em 2020, mesmo tendo uma vazão alta, o que é bom, 2.800 m³, os problemas ambientais como poluição e intrusão salina persistem. Mas veja que um mês após, fizemos uma análise individual e já vimos que a vazão caiu para 800 m³, o que agrava os problemas ambientais. Comparando com os demais anos, tivemos uma vazão alta em 2019, mas, identificamos os mesmos problemas de poluição por esgoto doméstico e outros agentes e a intrusão salina de 14 km foz adentro. Já em 2018, constatamos um agravamento no assoreamento e uma intrusão salina com penetração de 16 km”, analisa Emerson.

Comunidades Ribeirinhas sentem o problema - Este cenário já reflete nas vidas das famílias que dependem do rio para sobreviver. A comunidade quilombola Pixaim fica a 15km do centro de Piaçabuçu, no estado de Alagoas. Lá, as famílias vivem a metros da foz do São Francisco e usavam as suas águas para cozinhar, tomar banho, lavar roupas, cultivar alimentos. A intrusão salina tornou a água salobra, imprópria para o uso. Hoje, o abastecimento é feito por carros pipa e segundo a presidenta da Associação Aroeira, Rita Ferreira, parceira da comunidade em atividades de economia solidária, quando o carro pipa não chega, bate o desespero.

“A comunidade reclama da falta de água quando o carro pipa não chega. Eles ficam isolados, não têm energia elétrica, água encanada e nem acesso à internet e à linha telefônica. A dependência do rio era total. Agora, já estão enfrentando a escassez dos peixes que serviam à alimentação e estão morrendo por não se adaptarem à água salgada porque não se adaptam à água salgada. Eles sofrem bastante, porque a água é o bem maior da comunidade”, explana Rita.

Caminhos para reverter a degradação no Velho Chico - Ainda segundo Rita, nos grupos de whatsapp de Piaçabuçu, circula uma promessa de solução para a salinidade da água. Fala-se que a prefeitura deve instalar um dessalinizador na comunidade mas, até agora, “não está nada certo”.

Quando o assunto é solucionar os problemas ou, pelo menos, minimizá-los, as Expedições Científicas apontaram vários caminhos que devem ser adotados para reverter a degradação no rio São Francisco.

“O rio São Francisco precisa de políticas contínuas de monitoramento e de recuperação, que beneficiem as comunidades. É preciso revisar os licenciamentos [da Chesf] , para garantir a modernização dos planos de uso. Esses planos são da década de 90, antigos. Precisam ser atualizados para trazerem dados mais precisos, capazes de gerar políticas de recuperação mais eficientes. As hidrelétricas devem investir em projetos de reversão da degradação nesta fonte hídrica”, avalia Emerson.

Fiscalização e educação ambiental são essenciais - Paralelo a esse processo, o coordenador reforça a importância de que os órgãos competentes e os poderes públicos exerçam o seu papel na gestão hídrica do Velho Chico. “O Ibama tem um papel importante na fiscalização, por exemplo, da retirada de matas das áreas marginais do rio. À Agência Nacional das Águas (ANA), cabe a fiscalização das práticas incorretas adotadas no curso do rio. Os municípios são importantes para executar o saneamento básico, evitando jogar esgoto no rio, e para promoverem ações de educação ambiental”, finaliza

A Expedição Científica no Baixo Rio São Francisco é realizada pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em parceria com outras 21 organizações, universidades e instituições de pesquisa que atuam no Brasil e em outros países. As análises são realizadas ao longo de 250km, envolvendo municípios dos estados de Sergipe e Alagoas. O Baixo Rio São Francisco corresponde a 5% de toda a bacia hidrográfica desta fonte hídrica. (Por Adriana Amâncio - Asacom)

Nenhum comentário

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário