SANFONA DE 8 BAIXOS: LEO RUGERO E ZÉ CALIXTO

Leonardo Rugero Peres (Léo Rugero), é mestre em etnomusicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Música da UFRJ. Confira texto em homenagem ao sanfoneiro mestre Zé Calixto, falecido na noite de domingo 13 dezembro de 2020: 

Sempre guardarei essa foto - assim como tantas outras ao lado do mestre e amigo Zé Calixto,  com muito carinho, saudade e gratidão. Se a memória não falha, essa fotografia foi realizada na Escola de Música Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, em evento idealizado por nossa amiga, a acordeonista Norma Nogueira, no ano de 2013. A foto foi tirada por Luzia de Mendonça, que estava presente no evento. 

Conheci Zé Calixto em 2007, quando escrevia um artigo sobre a sanfona de oito baixos no Brasil. Mediante o encantamento  diante seu trabalho artístico e ao descobrir que residia na cidade do Rio de Janeiro, senti o impulso de conhecê-lo. Zé do Gato, artesão e lojista da Feira de São Cristovão, intermediou nosso primeiro encontro. A descoberta de um amigo em comum, Guilherme Maravilhas, nosso querido Mará, seria um dos alicerces de nossa rede, que ainda mais nos aproximaria. 

O que seria somente uma entrevista para um artigo se fortaleceu em amizade verdadeira e sólida e se tornou um divisor de águas em minha vida: o fole de oito baixos, personificado pela figura idiossincrática do mestre e amigo. Desde então nos tornamos amigos próximos. Quantas idas à sua casa na Pavuna - depois em Santíssimo, quantas lições de vida memoráveis. Aos poucos, fui tornando-me alguém que já era "de casa". Em 2008, senti a necessidade de escrever uma dissertação de mestrado sobre o fole de 8 baixos da região Nordeste.

 Zé Calixto não apenas me apoiou, foi minha bússola, meu astrolábio, abriu as portas para que eu pudesse adentrar por esse mundo do qual faço parte hoje. Quanta gratidão...até mesmo tocar o fole era algo do qual eu fugia, tal a complexidade do instrumento, mas, um dia, ele me aconselhou: - se você quer falar sobre esse instrumento, trate de conhecê-lo profundamente. 

Quanta sabedoria estava presente em suas palavras, seus gestos, sua amizade sincera e sua maestria.

Zé Calixto mudou o curso de minha vida, redirecionando meu caminho na música.

 Sua maestria era reconhecida até mesmo por Hermeto Pascoal, que, certa vez, me disse que Zé Calixto era para ele tal como se fosse um irmão. Ou o mestre Oswaldinho do Acordeon, que admira a maneira como ele interpretava choros e complexos forrós no fole de oito baixos. Sivuca dizia que Zé Calixto era um mestre cavaleiro, que afinava suas próprias sanfonas. Hábil, perfeccionista, caprichosamente desenhando melodias que se espalhavam pelo ar...

Tenho a certeza de que Zé Calixto cumpriu seu trajeto e ascendeu envolto de luz, paz e som, fazendo sua passagem. Me emocionei com sua filha Janeide, que tanto zelou pelo pai, dizendo que ele havia saído para encontrar no céu com Dona Ritinha. Sim, este céu onde habitam nossas crenças mais profundas diante do mistério da vida e do planeta.

 Mas recordo de um verso antigo de algum poeta das Arábias que escreveu: "na vida, só levarás aquilo que tiveres deixado"...e Zé Calixto deixou conosco sua amizade, seu amor, sua arte, sua sabedoria, e seu bom humor. Sua discografia, um mar de música sem fim. Meu abraço espiritual e fraterno à toda a família Calixto, seus filhos Janeide, Janete, Carlinhos e Joselito, seus genros, noras, netos e bisnetos, seus irmãos e irmãs, primos e sobrinhos, família linda da qual me sinto tão irmanado. Meus sentimentos sinceros e profundos. E que esteja sempre presente a memória deste ser luminoso que continuará sendo nossa inspiração aqui, hoje e além adiante...

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