CÁTIA DE FRANÇA: HÓSPEDE DA NATUREZA, A FORÇA E ENERGIA DA MÚSICA BRASILEIRA

Catarina Maria de França Carneiro, nasceu na capital da Paraíba, em 1947. Cantora, compositora, instrumentista, escritora. É alfabetizada pela mãe por meio de canções. Estuda piano desde os quatro anos, deixando o instrumento aos 15, quando ingressa num colégio interno em Pernambuco. Passa a tocar violão e envereda pela música popular. Aprende também flauta, sanfona e percussão. Em Recife, faz teatro, leciona música e toca em casas noturnas.

No final dos anos 1960, viaja pela Europa integrando o grupo folclórico da Fundação Artístico-Cultural Manuel Bandeira. De volta ao Brasil, muda-se para o Rio de Janeiro, onde integra as bandas de Zé Ramalho, Amelinha e Sivuca (1930-2006). Em 1970, interpreta a canção “Mariana” (parceria com o poeta e jornalista Diógenes Brayner) em compacto duplo com as quatro canções vencedoras do IV Festival Paraibano de MPB. Trabalha em trilhas sonoras para cinema e teatro, entre as quais o filme Cristais de Sangue (1975), de Luna Alkalay (1947).

Apadrinhada pelo compositor e produtor Zé Ramalho, grava seu primeiro trabalho pela CBS, 20 Palavras ao Redor do Sol (1979), que conta com a participação de Sivuca, Dominguinhos (1941-2013), Sérgio Boré, Chico Batera, Lulu Santos e Bezerra da Silva (1927-2005). O disco inclui composições de sua autoria, como “Coito das Araras” e “Kukukaya”, e poemas de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), musicados por ela. No ano seguinte, lança o álbum Estilhaços. Em 1982, participa do Projeto Pixinguinha, ao lado de Jackson do Pandeiro (1919-1982) e Anastácia (1941), e apresenta-se na série Seis e Meia, com Teca Calazans (1940), ambos promovidos pela Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Em 1985, lança o LP Feliz Demais, pela Continental e, em 1986 grava o LP Olinda, com participação da Banda Azymuth. Em 1990, fixa residência na Paraíba, onde integra a ONG e o Projeto Malagueta, que divulga o acervo cultural da Paraíba. Lança o CD Avatar (1998) pelo selo CPC Umes, do qual participam Chico César, Xangai e Quinteto de Cordas da Paraíba. Publica cordéis e livros infanto-juvenis, entre os quais A Peleja de Lampião Contra a Fibra Ótica, Saga de Zumbi e Falando da Natureza Naturalmente.

Em 2005, lança o CD Cátia de França Canta Pedro Osmar, interpretando músicas do cantor, compositor e instrumentista paraibano. Em 2012, grava o CD independente No Bagaço da Cana um Brasil Adormecido, com a Camerata Arte Mulher, formada por musicistas eruditas da Paraíba e inspirado em textos de José Lins do Rego (1901-1957).

Criada em um ambiente ilustrado, em que, segundo a compositora, “faltava manteiga, mas tinha livro”, Cátia de França cria a partir de colagens de suas referências literárias e musicais. Estas vão da música clássica ao blues, passando por Luiz Gonzaga (1912-1989), Jackson do Pandeiro, Elvis Presley (1935-1977), Beatles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben Jor e o Clube da Esquina. O contato com a gravadora recifense Rozemblit - que lança, em 1975, o disco Paêbirú de Zé Ramalho e Lula Côrtes (1949-2011) -, também influencia seu trabalho, que define como “popular mundial”.

Da leitura de João Cabral de Melo Neto resulta a canção “20 Palavras ao Redor do Sol”, nome de seu primeiro disco. Em outras canções, como “O Bonde”, condensa diferentes personagens de José Lins do Rêgo (1901-1957), que remetem à Recife do início do século XX. Na canção “Itabaiana”, alude ao clima de euforia da feira desta cidade, também recorrente nos romances de Rêgo. Outra composição marcante, “Kukukaya (Jogo da Asa da Bruxa)”, provém do folclore cigano da Bulgária. Inscrita numa estética pós-hippie, dialoga com canções de caráter esotérico de Zé Ramalho e Raul Seixas (1945-1989).

No segundo álbum, Estilhaços, encontra-se uma sonoridade mais eclética, abarcando gêneros musicais do litoral e do interior, como forró, xote, ciranda e cantos de aboio, cujas harmonizações são construídas sob o modo mixolídio1. A intertextualidade com José Lins do Rêgo se faz presente na canção “Meu Boi Surubim”, gravada com a cantora Clementina de Jesus (1902-1987). Apesar de o encarte do disco citar apenas Guimarães Rosa (1908-1967), nela faz referências ao boi javanês, o boi fujão, e aos meninos do pastoreio, personagens que se resgatam o universo literário de Lins do Rego. Já a música “Poço das Pedras” enfatiza a relação do homem com o rio, o que remete à inclusão de temas ecológicos na música popular nos anos 1980.

Ao longo de sua trajetória, o ritmo é aspecto que mais sofre mudanças. Em seus primeiros trabalhos, ele é complexo, quase indefinido, sincopado pelo canto, tanto pelo andamento como pelo acento das frases melódicas. Já o álbum Feliz Demais integra teclado e bateria eletrônica, resultando numa sonoridade menos orgânica, diluída em seus trabalhos posteriores. Em Avatar, retoma as características sonoras dos primeiros trabalhos, tanto na concepção dos arranjos como na forma de cantar.

A compositora ganha projeção no cenário musical nos anos 1970, junto com outros cantores, compositores e instrumentistas nordestinos que, naquele momento, conquistam espaço na indústria fonográfica do eixo Rio-São Paulo. A tendência em mesclar as referências regionais a elementos do rock e da cultura pop perpassa a obra desses músicos. 

Vivenciando os desdobramentos da contracultura do final dos anos 1960, estes artistas sintetizam diversas vertentes, passando pelo folk, o baião e o rock psicodélico. Ela se destaca nesse grupo como única mulher que compõe, toca e interpreta as próprias canções. Além disso, tem papel importante na instrumentação de discos de outros artistas, como a cantora Amelinha, que grava duas de suas composições: “Coito das Araras” e “Ponta do Seixas”.

Comparada a outros nomes de sua geração, como Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Alceu Valença e Fagner, sua discografia não é extensa e a penetração no mundo pop dos grandes centros urbanos é bem menor. Isso se deve ao fato de não se render a mudanças propostas pelas gravadoras para tornar sua música mais comercial, o que torna seu trabalho apreciado por um público mais restrito.
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