EXALTAÇÃO AS RAÍZES: MARÍLIA PARENTE CANTA EXU E O SERTÃO EM SEU NOVO ÁLBUM, MEU CÉU, MEU AR, MEU CHÃO & SEUS CACOS DE VIDRO

Marília Parente canta Exu e o Sertão em novo álbum, Meu céu, meu ar, meu chão & seus cacos de vidro.

A gênese artística de Marília Parente está em Exu, município do Sertão do Cariri. A cantora e compositora passou parte considerável da infância no Museu do Gonzagão. Seu tio comanda trabalhos de preservação do Parque Asa Branca, onde fica o equipamento cultural, com mais de 15 mil metros quadrados. Seu avô foi amigo íntimo de Luiz Gonzaga, tendo participado da criação da Missa do Vaqueiro. 

Desde pequena, a artista teve esse acesso “privilegiado”, como se refere, a minúcias da obra de Gonzaga e outros nomes da música nordestina. Jovem de 25 anos e também com vivências na capital, onde se formou em jornalismo, ela codificou essas linguagens com uma perspectiva contemporânea e autoral.

No final de agosto, Marília Parente lançou seu primeiro álbum de estúdio. Meu céu, meu ar, meu chão & seus cacos de vidro foi gravado no Pé de Cachimbo Records, no Malunguim Studio e em outros estúdios caseiros de amigos. É uma coprodução da artista em parceria com Juvenil Silva e D’Mingus que resultou em dez faixas. 

A cantora carrega com orgulho suas raízes sertanejas, mas sem deixar de apostar em uma sinergia entre ritmos nordestinos, um rock and roll “setentista” e música oriental (que historicamente tem ligações com a estética sonora do Nordeste). Regis Damasceno, do Cidadão Instigado, Feiticeiro Julião, Marcelo Cavalcante e Sofia Freire são algumas das participações especiais.

Já nos primeiros segundos, Marília introduz o álbum com gritos de aboiador. Ao longo dos 38 minutos, apresenta essa voz influenciada pelo canto de vaqueiros, rezadeiras do Cariri e artistas como Marinês, ícone do forró, baião e xaxado. Elba Ramalho, Amelinha, Dominguinhos e Lô Borges (principalmente no projeto Clube da Esquina) também são referências. No âmbito da música internacional, entram Bob Dylan, The Beach Boys, The Beatles e George Harrison.

As temáticas são variadas, mas sempre convergem para uma busca constante sobre si mesmo e o mundo. Busca que não necessariamente tem uma finalidade. “A estrada é o grande gancho desse disco, que tenho gravado há dois anos. Esse conceito foi aparecendo muito espontaneamente”, explica Marília.

 “O álbum fala sobre de onde venho e questiona para onde nós, enquanto humanidade, vamos. É claro que nesses percursos existem incômodos, como cacos de vidro que entram no pé. O título sintetiza bem a ideia, e muitos discos que admiro foram batizados com nomes mais longos, sobretudo da década de 1960 e 1970, período que é uma referência também.”

Essa ideia de estrada também esteve bem presente no projeto Avoada, composto por Marília ao lado de Juvenil Silva, Feiticeiro Julião e Marcelo Cavalcante em uma miniturnê por Pernambuco. “O projeto partiu da ideia que tínhamos que agir coletivamente além do estúdio, como fizemos no álbum. Eu queria que a gente materializasse mais. Eu sentia falta de projetos coletivos, como o Grande Encontro e o próprio Clube da Esquina. Todos esses trabalhos marcaram a história da música, como também os Novos Baianos.”

Esses caminhos estéticos e temáticos sempre acabam esbarrando em Exu, município que guarda inúmeras memórias e significados para a artista, mas que também acaba se universalizando enquanto expressão de “nordestinidade”. 

“Vivemos um momento de certo isolamento socioeconômico do Nordeste e ressaltar a região é uma atitude política. Na última década, vimos uma maior integração do Nordeste em políticas públicas, mesmo que longe de completa ou ideal. Acredito que agora retrocedemos. Temos um presidente que fez várias declarações xenófobas, isso nos constrange perante o mundo e traz um profundo sentimento de movimento contrário”, afirma.

Assim, Meu céu, meu ar, meu chão & seus cacos de vidro também é sobre se expressar politicamente enquanto nordestino, enquanto resistência. “É colocando o pé na terra que conseguimos vencer os movimentos que a própria indústria cultural impõe. Existe uma tentativa de uniformizar o mundo inteiro e criar uma massa amorfa de consumidores que só aceitam o que vem de fora. Esse disco também é uma reação a todos esses processos”, avalia.

O show de estreia do álbum foi realizado na última quinta-feira no Teatro Arraial. No público, amigos, pessoas que começaram a acompanhar a artista pela internet, Flaviola (recifense de geração udi grudi). A apresentação foi gravada em vídeo e áudio, mas o formato de lançamento ainda está sendo estudado.

“Foi uma grande celebração de música. Fomos atrás da arte como era feita antigamente. Um show com um belo cartaz, feito com uma pintura suave. Tudo independente, feito na raça. Fiquei muito emocionada”, finaliza a artista, que agora aguarda reverberações do projeto.

 Fonte: Emannuel Bento - Diario de Pernambuco
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