Pífanos marcam novena na Fazenda Araripe para festejar São João Batista

Sempre que visito Exu, Pernambuco compreendo que a história vem se tecendo com a força da própria vida. E por isto, disse o cantador Virgilio Siqueira, daí não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possível retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia...

Em tempos de forró eletrônico e quadrilhas estilizadas, a melhor tradição junina sobrevive em um lugarejo do Sertão. A Fazenda Araripe, berço do sanfoneiro Luiz Gonzaga e de Barbara de Alencar luta para manter as comemorações em homenagem ao padroeiro São João Batista.

Numa festa onde o sagrado mistura-se ao profano, a impressão reinante é de que o tempo não passou, apesar dos 149 anos decorridos desde que a imagem de "São João do Carneirinho", como é conhecida no lugar, chegou da França, cumprindo uma curiosa promessa.

Por volta de 1850, quando uma epidemia de cólera alastrava-se, assolando as cidades vizinhas, o Barão de Exu e então proprietário da Fazenda Araripe, Gualter Martiniano de Alencar, apavorado pela perspectiva de ver a moléstia dizimar seu

povo, fez um apelo a São João Batista: se no seu município ninguém fosse vitimado pelo cólera, ele ergueria um templo ao santo, onde o padroeiro seria cultuado com toda dignidade até a quinta geração da família Alencar.

Coincidência ou não, o fato é que a doença, que liquidou a população de Granito, ao sul de Exu, e boa parte da de Crato, ao norte, "não desceu a serra do Araripe", como costumam dizer os narradores da história. O barão preparou-se, então, para cumprir a promessa.

Em 1867, acompanhada dos três reis magos e de uma artística caixa de música, chega da França a imagem de São João Batista, para ocupar a capela que já estava quase concluída. Talhada em madeira , a estátua de um metro de altura.Em 2018 portanto serão 150 anos.

No ano seguinte, começariam oficialmente os festejos juninos no lugar. Mas as novenas ainda seguem o  ritual, embora não ecoem mais pelo interior da capela as vozes possantes de Santana Gonzaga, mãe do rei do baião, e de Sinharinha dos Canários, personagem de suas músicas.

Em um local no centro da fazenda, conhecido como "latada", uma sanfona, um triângulo e um pandeiro demonstram, na prática, o que significa "forró de pé-de-serra" para uma platéia que é mestre no assunto. Em cada casa da vila, que não tem mais que 100 habitantes, uma fogueira esquenta a festa.

 A professora Neide Carvalho, que desde a infância era uma freqüentadora assídua da festa e em vida escreveu suas memórias sempre dizia que a Fazenda Araripe "é o último reduto de São João tradicional na região, apesar de não ser uma festa divulgada".

Na página do Facebook "Fazenda Araripe" consta que nem poderia ser diferente. "Afinal, com os recursos e escassos nesses tempos de seca, somente uma promessa firmada em um passado longínquo, aliada à veneração dispensada ao padroeiro e ao fato de que ali nasceu e viveu o rei do baião, são capazes de manter acesa a fogueira de São João do Carneirinho para iluminar a vila durante nove dias por ano".
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