Alceu Valença: A cultura não é fechada, mas a indústria do entretenimento procura fechá­ la.

"Campina Grande se faz tão formosa/ Caruaru está com todo tesão/ a minha vida é um palco sobre rodas/ na tournée nordestina/ do São Pedro e São João", os versos de Tournée Nordestina (Lua do Lua) estão sendo postos em prática pelo autor da música, Alceu Valença,  na base do forró é bom e ele gosta, e entende.

Gravou com Luiz Gonzaga, é parceiro de Dominguinhos e aprendeu a respeitar a festa desde menino, em São Bento do Una:  "Se quiser falar de forró pra mim, quero dizer que Juventino, meu tio, tocava oito baixos, meu avô tocava viola. Nelson Valença, primo do meu pai, era parceiro de Gonzaga. Quero lhe dizer que Luiz Gonzaga quando me viu tocando, com meu grupo, me convidou pra tomar café na casa dele lá em Novo Exu. Conheci as coisas também da feira de São Bento do Una, os emboladores, os cantadores. Se você perder a raiz total, você dançou. O frevo não é samba, nem o forró é rock and roll", conta Alceu.

Com isso, ele quer dizer que no período junino se atém a um repertório ligado à época. "Neste show que estou fazendo agora, começo com Baião, Vem Morena, A Cantiga do Sapo. Depois canto Pagode Russo, Sala de Reboco, que gravei com Lucy Alves, e interpreto de uma maneira mais gonzaguiana. Aí vem Xote das Meninas, Sabiá e Girassol (com ritmo de forró), Coração Bobo, Pelas Ruas que Andei, que é a Briga do Cachorro com a Onça, é o pife elétrico, depois Cabelo no Pente. Termino com Tropicana, que é um xote. Na época que gravei, eu tinha vindo de Cuba e botei uma tumbadora na gravação, ela ficou meio tropicalizada. Pessoas da plateia pedem músicas e eu canto. Aí já não é forró, pode ser Anunciação, La Belle de Jour. Mas sempre respeito a festa. No Carnaval eu canto frevo", diz Alceu Valença.

 Ele joga no ar uma pergunta e uma provocação: "Na Marquês de Sapucaí toca outra coisa fora samba? Quando homenagearam Miguel Arraes tocaram frevo?" Ele mesmo se encarrega de responder: "Não tenho preconceito contra música nenhuma. Acho que no São João deveria ter uma noite pro forró de verdade, outra pra outro tipo de música. Reginaldo Rossi era uma maravilha como brega, mas tinha a ver com forró? Roberto Carlos que é um grande cantor, o Rei, não tem nada a ver com o Carnaval de Pernambuco. Esta história de multicuralismo, tudo bem, mas cada coisa no seu lugar. Nada de fechamento. Mas termina o Carnaval pernambucano sendo igual ao de qualquer canto".
 
 Alceu Valença canta no palco principal em Arcoverde, entre um dupla sertaneja, Ycaro & Vitório, e uma banda de fuleiragem, Solteirões do Forró. Ele confessa que não sabe da programação de nenhuma cidade onde está se apresentado. Leva para lá o seu show junino: "Eu faço meu show, mostro meu lado agrestino sertanejo, meu lado gonzaguiana, dominguiniano, são­bentense (em meio à conversa, canta um aboio com versos improvisados). A cultura não é fechada, mas a indústria do entretenimento procura fechá­ la. Eu estava outro dia numa cidade aqui em Pernambuco, tinha uma dupla cantando, perguntei se eram do Paraná. Disseram que eram daqui. Já têm até o sotaque. Acho que tem que se cultuar a tradição. Mas ela vai se modificando, mas aos poucos".
 
 Enfatiza a asserção cantando versos de Que Grilo Dá (Rock de Repente): "Meu repente é brasileiro/ e a pitada de estrangeiro/ eu boto pra te envenenar ... Macunaíma maquinando artimanha, engolindo o homem aranha. Se você botar uma pitada de qualquer coisa tá tudo bem. Mas se fizer uma coisa antagônica, que não tenha absolutamente nada com o período, com a tradição, então não chama de São João. Um forró que não é forró poderia botar o nome de potó, cotó, qualquer coisa. Se não é forró, não é forró. É apropriação indébita. Zé da Flauta falava do frevo a pulso. O cara não sabia fazer um frevo, botava um metal e chamava de frevo. Vamos trazer o forró de Lisboa, outro dia eu tava em Paris e tocava Feira de Mangaio. Me mostraram uma matéria, quase de página inteira comigo, na Ucrânia. Sobre os discos Forró Lunar e Forró de Todos os Tempos", dois discos que ganharam o Prêmio da Música Brasileira", comenta Alceu, que no dia 14 de julho se apresenta em Lisboa.
 
Evitando citar nomes, ou especificar esta ou aquela cidade, Alceu Valença não concorda com o argumento de que a montagem das grades das festas públicas obedeçam a um clamor popular, que se determinados artistas não estiverem nela o povo deixa de comparecer:

 "Não acredito nisso. Fiz agora em Araripina um show absolutamente lotado. Não que tenha nada contra sertanejo. Acho que tem lugar para todo artista. Se o sertanejo tocar forró, tudo bem. Se o brega cantar forró, tudo bem. Se tem padre tudo bem, desde que ele não venha com Ave Maria. Eu não canto forró? Não canto frevo? É cada qual no seu cada qual. Num festival de blues em News Orleans vão tocar bolero? Num festival de rumba em Cuba eles colocam forró? Acredito que podem haver junções em determinados momentos, uma coisa absorvendo a outra, mas de uma forma vagarosa, senão arte vira um jingle. O cantor de jingle faz tudo, canta qualquer ritmo, mas não é uma coisa de coração. A arte, ela tem uma coisa quase religiosa". 

Ao contrário da grita geral dos forrozeiros contra a música que não tenha afinidades com São João, Alceu diz que até se pode contratar sertanejos (citando o gênero porque é o estilo da vez), desde que não se misture as coisas: "Peguemos uma cidade onde se realiza um São João tradicional, Campina Grande, por exemplo, que se diz a Capital do Forró. Se eles querem ter o brega, por que não fazer uma semana de brega antes do São João. Faz­-se a mesma coisa com o Carnaval. Vai ter rock? Então em janeiro façam um festival de rock. No Carnaval mesmo vamos tocar frevos de bloco, instrumental, caboclinho, maracatu. Acho que é preciso respeitar a festa. Eu tenho muitos shows, mas faço de acordo com o tempo e o lugar".

 PRÊMIOS
Sem nenhum show, restrita ainda às telas de salas de cinema e ao disco, a trilha de A Luneta do Tempo, primeiro filme dirigido por Alceu Valença, foi indicada ao Prêmio da Música Brasileira, na categoria Projeto Especial. Ele foi indicado ainda nas categorias Álbum Regional, com o DVD/CD Vivo/Revivo (os dois lançados pela Deck). Concorre ainda ao prêmio de Melhor Cantor Regional, uma indicação reducionista, sobretudo para um artista que tem 45 anos de carreira e cuja música só é assumidamente regional, no período junino, quando cai na estrada com a turnê nordestina, de São Pedro e São João.

Fonte: José Teles
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