Constatar possibilidades quando o que predomina é o inviável torna algumas experiências sublimes. E, por mais que literaturas insistam em revelar quase sempre um mesmo lado da história, a arte (sempre) se encarrega em desnudar outras faces, como tão bem o fez na exposição “Sertão”, mostra que integra, até o dia 15 de novembro, a 36ª edição Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM).
Sob curadoria da sergipana Júlia Rebouças, 29 artistas do País exploram outras cores, formas e contextos de um Sertão que vai muito além da aridez, da seca, da infertilidade e da margem que lhe foi imposta pela geografia, que o deixa distante dos centros urbanos.
"São olhares diferentes, percepções sutis de cada um dos artistas que trazem inúmeras possibilidades de existência para o Sertão, atrelada às palavras resistência e experimentação. É entrar na região e perceber que ali também existem coloridos de uma flor de cacto, por exemplo, e um céu azul que contrasta com a terra vermelha", explica Bárbara Jimenes, professora de História da Arte e educadora do museu.
Foi ela que acompanhou um grupo de jornalistas de todo o Brasil, incluindo esta que subscreve estas linhas e que, assim como os demais, percorreu com encantamento o espaço e as tantas linguagens distribuídas entre fotografias, vídeos, pinturas, desenhos, artesanatos, esculturas e outros formatos de obras minuciosamente pensadas para a realidade artística dos sertões. Sem camuflagens das faltas e necessidades sertanejas, que permanecem evidentes aos que vivenciam o dia a dia de agruras daquele povo, a mostra intenciona "remeter a outras existências e possibilidades, saberes e caminhos que perfazem a região".
Além do que, ressalte-se: o grupo de artistas que forma a exposição é formado, em sua maioria, por mulheres e negros, com a pretensão, portanto, da diversidade, o que inclui a participação de duas trans e travestis. "Tudo isso é relevante no sentido de que a curadora foi buscar artistas que têm, dentro de sua prática, o que ela denomina como conceito de 'Sertão'. São temas variados, mas em cada fazer artístico individual há a evidência do 'fazer Sertão', do ser resistência e do caráter de experimentação", complementa Bárbara.
As obras
Muitas das obras expostas foram pensadas para o Panorama, e outras já existiam e foram levadas porque havia identidade com a proposta da exposição. "Cada artista foi buscar em sua poética, em sua história de vida, os seus temas. Por isso, os resultados são dos mais diversos". A exemplo da obra da maranhense Gê Viana que, inspirada em algo que passava por sua vida, assim como outros artistas, buscando inspirações em práticas de um passado do "ouvir falar" sobre algo.
No caso dela, a memória de mulheres negras e indígenas que eram 'caçadas' como animais e agarradas pelas orelhas, laçadas e levadas para manter relações de casamento ou de escravidão. Essa memória serviu de provocação à sua arte, em uma fotomontagem sobre lona, com ela performando no papel da caçadora.
Já o baiano Maxim Malhado levou a um caráter mais subjetivo a escultura "Garrincheiro" (um ninho de cipó). De Brasília, Dalton Paula evocou a poética das bateias, que servem para separar o cascalho do ouro, mas para a exposição foram transformadas em instrumentos musicais, como um contraponto de leveza ao árduo trabalho nos garimpos. E pelas ondas da Rádio Yandê, constituída tão somente por indígenas, ouve-se a programação que informa sobre aqueles povos. Assim como as facas talhadas à mão da paraense Lise Lobato.
De Pernambuco, o Coletivo Fulni-ô de Cinema (Águas Belas) trouxe em produção audiovisual a sua história de luta no semiárido do Estado. Daqui, também, Ana Lira (Caruaru) expõe sua produção de fotos e outras publicações que exibem experimentações de agricultores do semiárido do Nordeste e com Cristiano Lenhardt, gaúcho que vive entre o Recife e a cidade de São Lourenço da Mata, Região Metropolitana da Capital, telas pintadas por batatas decompostas se encaixam com a proposta da mostra, que busca, em seu todo, diminuir a geografia que divide o Sertão com o que conhecemos como urbanidade.
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