Nação-criança,
crente no papai-do-céu, no poder de preces, fitinhas ou mandingas. Quando a
coisa começou a ficar preta, lá pelo terceiro gol, o speaker Galvão
Bueno começou a repetir seu novo bordão: “Calma, gente, isso é esporte, isso é
futebol.” Mas ao longo de sua vasta biografia o Narrador-Mor deste Reino
descreveu os jogos do nosso scratch ou escrete como se fossem batalhas
cruciais, pelejas pela salvação nacional.
A grande
verdade – e isso comprova-se facilmente pela web – é que os especialistas da
crônica esportiva foram excessivamente complacentes com a Comissão Técnica. Com
Luiz Felipe Scolari especialmente. Engoliram sem qualquer esperneio, reclamação
ou revolta a convocação dos 23 jogadores. Não perceberam a gritante ausência de
um eventual substituto para Neymar e, o pior, acreditaram piamente que, numa
emergência, alguns atacantes poderiam vestir sua camisa ou assumir sua função.
Nossa mídia
com as estrelas que gosta de exibir e adora envolver-se aprovou os amistosos da
seleção, entusiasmou-se com as vitórias de Pirro da primeira fase e, preocupada
em não parecer derrotista ou antigoverno, deixou de reclamar na única esfera
onde pode e deve influir: o desempenho esportivo.
No
malfadado jogo com a Colômbia, a avaliação dos especialistas sobre a armação do
time e a atuação dos jogadores foi muito favorável. Passou uma sensação
enganosa. Novamente o maldito vamo que’vamo contagiou o país. Somente um
comentarista foi rigoroso, evidentemente abafado pelo otimismo.
O
medíocre desempenho de Neymar foi eclipsado pelo drama da fratura lombar e a
pusilanimidade do árbitro. O aspecto sensacionalista que deveria ter ficado por
conta dos repórteres que cobrem os eventos esportivos absorveu toda a atenção
dos filósofos da bola nos dias seguintes. Foram deixados de lado os esquemas
táticos e as arrumações para neutralizar a ausência do craque. O leitor quer
emoções, então vamos enchê-lo de emoções. É evidente que o técnico não vai
discutir táticas e escolha de titulares em público, mas cabe à imprensa
fornecer aos leitores, ouvintes, telespectadores o material informativo com o
qual formará juízos.
Outro
passaporte
A
nação-criança tem uma imprensa-criança que adora celebrar e não pensa no dever
de casa. Os jornalões reinventaram as enquetes populares e enfeitaram suas
páginas com retratinhos e palpitezinhos sem qualquer relevância. Nas rádios,
antes dos jogos, obedecendo ao dogma da informalidade, os comentaristas
divertiam-se fazendo apostas e bolões.
Fascinados
com os gadgets e as novas tecnologias, os craques da escrita e do gogó
imaginaram que as estatísticas sobre o passado são suficientes para prevenir
surpresas futuras. A informática é incapaz de apontar zebras ou evitar
calamidades. Inclusive “maracanazos” como o do Mineirão.
Qual o
pior – o vexame de 1950 ou o de 2014? O oba-oba na véspera de 16 de julho de
1950 foi menos nocivo e deletério do que a complacência deste início de julho
de 2014?
Não é
suficiente emocionar-se com o hino nacional cantado à capela por cerca de 58
mil vozes. Mais eficaz seria lembrar-se na véspera do jogo com a Alemanha que o
seu hino foi composto por Joseph Haydn (1732-1809), mestre de Mozart e
Beethoven. Idade não é documento. Mas treinamento intensivo, tanto físico como
psicológico e moral, podem fazer a diferença. A Costa Rica é a prova.
Não basta
convocar uma psicóloga para limpar as lágrimas dos bebês-chorões que no jogo da
estreia já se mostravam desfibrados.
Incontestável,
inquestionável, indiscutível: Deus abdicou de ser brasileiro – não obstante as
provas exteriores de religiosidade exibidas nas arenas. É possível que prefira
o passaporte alemão, holandês ou (por que não?) argentino.
Fonte: Observatório da Imprensa=Alberto Dines
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