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A Voz do
Brasil,
certamente poderia entrar no Guiness Book por ser o programa radiofônico de
maior penetração no território nacional, sendo transmitido em cadeia por 7.691
estações, já computadas as 3.154 emissoras comunitárias legalmente em operação
(e, é claro, não considerando os boicotes e desrespeitos legais que muitas
delas cometem).
Tramitação
obscura
Na
trajetória deste programa, que em 1938, foi rebatizado com o nome A Hora do
Brasil, a temática nem sempre se limitou aos feitos governamentais.
Houve época em que se incluía até notas internacionais, em especial sobre a
Segunda Guerra Mundial. A linha editorial dos primeiros anos se baseava em três
regras básicas: ser informativo, objetivo – não comentando as notícias – e não
usar off, sempre citando as fontes noticiosas. Segundo a Fundação
Getúlio Vargas, o programa nasceu para cumprir três finalidades: informativa,
cultural e cívica.
Engana-se
quem pensa que A Voz do Brasil é fruto do DIP, o Departamento de
Imprensa e Propaganda criado por Getúlio Vargas. Embora tenha sido uma idéia do
então presidente, a Voz é mais antiga do que o DIP, que nasceu em 1939,
ou seja, quatro anos após Luiz Jatobá entrar com seu vozeirão nas residências
de todo o país.
Em 1971, A
Hora do Brasil se transformou em A Voz do Brasil e o formato
existente atualmente conta com uma única edição diária, com uma hora de
duração, das 19h às 20h. Os primeiros 25 minutos são dedicados aos fatos
gerados pelo Poder Executivo. Os tribunais integrantes do Poder Judiciário
Federal dividem cinco minutos. As duas Casas do Legislativo e o Tribunal de
Contas da União partilham 30 minutos (20 minutos para a Câmara dos Deputados,
10 minutos para o Senado Federal, e o TCU tem direito a um minuto às
quartas-feiras). Cada instituição é responsável pela elaboração do respectivo
conteúdo.
Programa
mais antigo do país é também o menos querido pela Abert – Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão. Embora pesquisa do instituto Datafolha,
feita em dezembro de 1995, informe que 88% dos brasileiros com idade acima de
16 anos conhecem o informativo, e que mais da metade dos ouvidos aprovava que a
sua transmissão seja obrigatória pelas emissoras de rádio do Brasil, a Abert
luta para pôr fim a essa obrigatoriedade.
Durante
muito tempo, a estratégia da entidade representativa dos donos da mídia foi se
valer de medidas judiciais para liberar a obrigatoriedade da transmissão.
Depois que o assunto foi enterrado de vez pelo Supremo Tribunal Federal,
acatando como justa e legal a obrigatoriedade da veiculação, os donos de rádio
e TV atacaram via Legislativo.
Valendo-se
do período eleitoral, quando o parlamentar não quer brigar com a mídia e o
cidadão está com a atenção mais voltadas para a eleição, foi aprovado no Senado
Federal um projeto de lei da deputada Perpétua Socorro (PCdoB-AC) que, em sua
última versão, flexibiliza o horário de transmissão da Voz do Brasil,
facultando a cada emissora escolher o horário fazê-lo, desde que não ultrapasse
as 22h do mesmo dia.
O
projeto, no seu nascedouro, não foi votado no plenário da Câmara dos Deputados.
Talvez temerosos com o chamado "baixo clero", aquele que a mídia só
cobre quando vira tema grotesco, os defensores do projeto conseguiram que ele
fosse enviado diretamente para as comissões do Senado Federal. Em uma delas,
foi relatado pelo senador Antonio Carlos Magalhães Filho, empresário ligado à
radiodifusão na Bahia. Nem na tramitação da Câmara dos Deputados nem na do
Senado o projeto foi submetido ao crivo do Conselho de Comunicação Social
(CCS), órgão do Congresso Nacional que, regimentalmente, deve analisar todas as
propostas legislativas vinculada à temática.
Áreas
rurais
Alguns
poderão não gostar daquele refrão de O Guarani, de autoria de Carlos
Gomes, mas são obrigados a reconhecer que A Voz do Brasil tem
desempenhado historicamente importante papel na construção da unidade nacional.
A partir de 1962, no processo de mudança da capital federal para Brasília, e
com o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações, o programa passou a
veicular informações sobre o Legislativo, levando a todos os rincões do país as
notícias dos feitos parlamentares já instalados no Planalto Central,
independentemente de cor partidária, nem sempre alvo das atenções da imprensa
tradicional. Nos anos de chumbo do regime militar, A Voz do Brasil foi o
único veículo em que as oposições tinham espaço para verbalizar suas críticas.
A partir
da Nova República, com as mudanças editoriais que recebeu, em especial a adoção
de um foco mais jornalístico, o programa contribuiu para a transparência dos
feitos públicos e converteu-se em verdadeiro instrumento de fiscalização
popular. A Voz do Brasil é o único veículo de comunicação do país que
informa aos brasileiros dos pequenos municípios a chegada de recursos para a
merenda escolar, do Fundeb, dos repasses oficiais, dos programas da Agricultura
Familiar, da Previdência Social etc.
Ouvindo o
rádio, os cidadãos das áreas mais remotas do país podem melhor exercitar a sua
cidadania, cobrando das prefeituras e câmaras municipais as medidas
necessárias, já que os aportes federais de recursos públicos foram efetivados.
Podem também tomar conhecimento das decisões judiciais e das fiscalizações do
Tribunal de Contas, sem falar na crítica parlamentar, que nem sempre ecoa na
imprensa comercial.
É notório
que o setor radiofônico brasileiro não cumpre a lei que obriga que pelo menos
5% da programação sejam de produtos jornalísticos. É ridícula a quantidade de
profissionais de imprensa contratados por esse setor, que recentemente foi alvo
de anistia do Ministério das Comunicações por abuso do limite permitido de
veiculação de publicidade. Para as 7.691estações, segundo dados oficiais do
Ministério do Trabalho, não chegam a 2.300 radiojornalistas – ou seja, a cada
cinco emissoras em operação, existe um profissional produzindo informação.
A
investida dos radioempresários contra A Voz do Brasil se dá num momento
em que eles acabam de conseguir a renovação de um acordo entre o Ministério da
Educação e a Abert. Assinado originalmente pelo então ministro da Educação do
governo Collor, Carlos Alberto Chiarelli – e renovado desde então –, o convênio
define que as emissoras de rádio que operam em ondas médias não serão mais
obrigadas a veicular a programação de ensino à distância do Projeto Minerva.
Este projeto federal de ensino à distância, utilizado para reduzir o
analfabetismo no Brasil, previa a veiculação de meia hora, todos os dias, entre
20h e 20h30, apenas nas emissoras de ondas médias. Pelo acordo, esta meia hora
de educação gratuita foi transformada em 5 minutos no rádio e, na TV, em
comerciais institucionais do Ministério da Educação. No MEC, o marketing fala
mais alto do que a erradicação do analfabetismo.
Outra
questão importante é que pesquisas apontam que A Voz do Brasil é hoje a
única fonte de informação de 80 milhões de brasileiros, localizados
principalmente nas periferias dos grandes centros, nas áreas rurais e nos
municípios de pequeno e médio porte do Brasil e, em especial, nas áreas rurais
das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para o camponês, veicular A Voz
do Brasil mais tarde é o mesmo de tirá-la do ar, pois ele dorme e acorda
com as galinhas.
Patrimônio
cultural imaterial
Por sua
trajetória histórica, importância para a integração nacional e contribuição
para a construção da cidadania brasileira, teve início em Brasília um movimento
de preservação da Voz do Brasil. Nascido entre jornalistas e radialistas
da cidade, o movimento conta com apoio da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Federação Interestadual dos
Radialistas (Fitert), sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e do
Estado do Rio, sindicato dos radialistas do DF, Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag), Central Geral de Trabalhadores do Brasil
(CGT-B), CNBB, MST e outras entidades civis.
O
movimento "Em Brasília 19 Horas" defende a preservação desse
importante instrumento de comunicação e o seu tombamento como Patrimônio
Cultural Imaterial do Brasil. O país não pode perder seu informativo
radiofônico mais antigo do mundo. A proposta foi abraçada pela senadora Marinor
Brito (PSOL-PA), que já a apresentou na forma de projeto de lei. Este conta com
apoio pluripartidário, dentre outros, do senador Roberto Requião (PMDB-PR) e da
senadora Vanessa Graziotin (PCdoB-AM).
Além de
classificar como patrimônio imaterial cultural do Brasil, o projeto de lei
determina que seu horário seja obrigatoriamente das 19h às 20h, segundo o
horário oficial de Brasília. Em última instância, trata-se da defesa de uma bem
sucedida experiência de regulamentação informativa paradoxalmente ameaçada
quando cresce na sociedade e no governo federal a consciência sobre a
importância da regulamentação democrática das comunicações.
Fonte: Chico Santana,
jornalista e PhD em Ciência da Informação e Comunicação pela Universidade de
Rennes 1 (França); jornalista e diretor no Brasil da Telesur
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