Sebastião Biano, Gilberto Gil e os tocadores de pífanos

Sebastião Biano completa 100 anos no dia 23 de junho, véspera do dia de São João, e é o único integrante vivo da original Banda de Pífanos de Caruaru. Sebastião Biano é um dos maiores nomes da cultura brasileira

Ele atravessou o século 20 tocando em sua celebrada Banda de Pífanos de Caruaru, a “original”. Em criança, tocou pra Lampião em cena memorável que jamais esqueceu. Filho de uma família retirante da seca, trocou Alagoas por Pernambuco. Nos anos 1970, já com a “bandinha” famosa no país, estabeleceu-se em São Paulo.

Sebastião Biano é o último remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, um dos grupos intrumentais familiares mais antigos do país, formado em 1924. 


A primeira vez que ouviu falar sobre um pífano, lhe disseram que se tratava de um "pedacinho de madeira" com sete furos, sendo um para sopro e seis para os dedos.


Pareceu divertido. Ele tinha cinco anos e já acompanhava o pai nos afazeres da roça, quando aproveitava para enrolar folhas de jerimum e usá-las como apito. O irmão, Benedito, fazia o mesmo, enquanto o pai, Manoel Clarindo, observava a brincadeira sem repreender. 

Não demorou muito para que Manoel encomendasse os pifes a um amigo que os fabricava nos arredores de Mata Grande (AL), onde a família morava. A iniciativa, mal sabia ele, renderia o sustento dos filhos e netos durante décadas. 

A história é embrada por Sebastião Biano neste dia 6 de abru quando ele completa 100 anos de idade. "Quando se tem a minha idade, é preciso começar qualquer história pelo verdadeiro começo."


Na travessia de um século de vida, Sebastião Biano gravou sete álbuns com a Banda de Pífanos de Caruaru, produzidos entre 1972 e 2003. O grupo - ainda em atuação - ostenta no currículo a gravação de Pipoca moderna por Gilberto Gil, em Expresso 2222 (1972), além de um Grammy Latino (Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras, em 2004).


A Banda de Pífanos de Caruaru (PE) tinha quase 50 anos de atividade, quando foi descoberta pelo grande público. O responsável por apresentá-la ao Brasil foi Gilberto Gil, ao incluir no LP Expresso 2222 (1972) o tema instrumental Pipoca moderna. Depois Caetano Veloso colocou letra e a gravou no álbum Jóia (1975).


Biano tinha pouco mais de cinco anos quando foi convocado pelo pai a integrar o conjunto. "Ninguém me ensinou. Foi o bom Deus que me enviou pronto", brinca. "E Ele sabe que nunca houve técnica melhor do que a da nossa banda. Não há quem supere." Aos 100 anos, ele se permite ter mais memórias do que modéstia.


A confiança no próprio talento escapou de Sebastião somente uma vez na vida: aos oito anos, ao ser desafiado por Lampião. Acompanhado do pai e do irmão, estava há nove dias hospedado na casa de um rico fazendeiro, animando as festas de graças pela boa colheita da temporada. No último dia, enquanto o vigário rezava missa na capela da fazenda, o bando de cangaceiros invadiu a propriedade. Biano segurou a mão do irmão, a fim de fugirem juntos. “Ninguém corre”, advertiu o pai dos meninos. 


Lampião se aproximou e, após anunciar que a visita se devia a um acerto de contas com o padre (queria quitar dívida com Nossa Senhora da Saúde, da cidade de Tacaratu), ordenou que os meninos tocassem o pífano. “Se sabem, toquem.”


Os dois molharam (literalmente) as calças. "Minha língua estava grudada na boca, eu mal conseguia soprar", recorda Biano. Quando o pife finalmente soou, Lampião mandou buscar dois cangaceiros do bando - os responsáveis pela música durante as viagens - e bradou: "Esses dois pivetes tocam melhor que vocês, seus dois cavalões velhos!". 


Biano considera o episódio prova da aptidão da Banda de Pífanos. Cita o testemunho com família de todo tipo de miséria, entre 1926 e 1939, enquanto migrava a pé, de Mata Grande (AL) a Caruaru (PE). 


Na estrada, não havia comida, higiene ou abrigo. Mas só o som do pífano. "A cena de que nunca me esqueço é a da nossa chegada a Pernambuco. O verde, a fartura, as terras caruaruenses. Ali acabou-se a nossa fome de tudo!". “Daquele dia em diante, conheceram nossa música. E ela, que é meu legado, nunca mais se calou.”

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