SÃO DOMINGUINHOS DE GARANHUNS UMA BÚSSOLA AUTORIZADA PELO REI DO BAIÃO

POR OCASIÃO DOS 80 ANOS DE DOMINGUINHOS. As mãos de Dominguinhos foram abençoadas para além da música. Sempre prontas para o abraço, na sanfona, no povo, nos amigos, nos que o procuraram. Os sonhos e a busca de cada um sanfoneirinho descem à Terra e nele se encontraram. Foi a confluência para o modelo.

Dominguinhos é o arquétipo, nosso melhor desenhado acabamento. Assim como um livro na estante, a sanfona assentada em um canto não passa de um instrumento. No colo de Nenén foi outra coisa. Era como testemunhar Baco fartando-se de vinho, Comadre Fulozinha em desabalada carreira meio à flora baloiçante, Jesus açoitando os vendilhões, é Buda iluminado e sóbrio, um touro solto na imensidão da caatinga, uma sereia arrebatando marinheiros, foliões soltos na buraqueira do frevo, Sorriso sambando na Sapucaí, o Santíssimo Sacramento no Domingo da Ressurreição, um magote de cigano ao redor da mais antiga fogueira. Dominguinhos, nossa bússola, autorizada pelo Rei. 

Ai, meus amigos, a sanfona é a companheira dos meus "ais". A sanfona é mesmo meu pulmão, meu coração, meu estômago, minhas vísceras. Quando ela se abre, é minha respiração que vai junto. Quando se fecha, é meu suspiro. A sanfona sabe de todas as minhas saudades, revira todas as minhas lembranças, desce ao poço profundo do meu passado e traz-me milhões de presentes.

É, a sanfona é a rainha do meu salão de miudezas. É a lâmpada a clarear meu terreiro, é o sol a festejar os meus dias. Quando chove, a sanfona é meu abrigo. À noite escura, é ela a lua escondida por trás da escuridão. Meus ouvidos são a passarela por onde ela desfila soberana. Minha pele sofre quando a escuta bem baixinho nos agudos suaves. Meus olhos se fecham, enquanto meu peito vibra nas prolongadas notas graves. Me desculpe, Deus, mas meus santos todos tocam sanfona, sem piedade. Tem dois santos no altar-mor de minha catedral: São Luiz Gonzaga do Nascimento e São Dominguinhos de Garanhuns. Essa da foto pertenceu ao segundo, já que o primeiro é Primeiro mesmo. Toca, sanfona sofrida, sanfona querida. (Texto: professor Aderaldo Luciano-mestre e doutor em Ciência da Literatura-UFRJ)

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