JOSÉ FRANCISCO, O ZEZINHO LOCUTOR. *TEXTO ADERALDO LUCIANO

Relutei em escrever aqui sobre a morte do meu padrinho Zezinho Locutor, na última sexta-feira, dia 19. Porque, ao chamá-lo de padrinho, eu seria obrigado a mexer em uma caixa de dores escondidas muito profundamente em terras sob meus pés e que se movem para qualquer lugar por onde vou. Eu seria obrigado a quebrar uma regra de irmandade. Ao mesmo tempo não poderei ficar calado e omitir minha emoção intensa diante desse fato. SÓ POR HOJE e várias pessoas entenderão.

Zezinho foi a primeira pessoa que, diante do meu quadro terrível de mendicância existencial, lá bem longe no passado, me disse que tudo podia ser diferente. Que eu poderia dominar as forças que me sustentavam na escuridão e que a Vida podia ser melhor do que aquela viagem dormente a qual eu me entregava diariamente. Ele me fez apenas um convite. Desesperado, eu aceitei. E, por ele, eu voltei até aqui. Encostei nele, todos os dias, nas minhas crises de abstinência. Recaí várias vezes, mas a mão de Zezinho estava sempre estendida.

Chegara do Recife, pintor de paredes, para embelezar os casarões coloniais de Areia. Trabalhava cantando. Voz gravíssima profunda, quem passava ouvia as velhas canções de Nelson Gonçalves, Trio Irakitan, Altemar Dutra, Orlando Silva, Lupicínio Rodrigues, Cartola e outros da geração de ouro de nossa música popular. Desceu da escada e entrou para o mundo da locução nos serviços de som da cidade. Fundou a difusora areense. Amava o microfone. O rádio era nossa matéria.

Em algum ano desses, fui visitar Areia e participar do Festival de Artes junto com Babilak Bah, artista do som, da performance, amigo das Almas Vivas e dos Orixás. Durante um café da manhã em Zé Nunes, no Beco da Facada, apresentei os dois. Conversamos longamente e diante da história de Zezinho ficamos convencidos e nos empenhamos em construir alguma coisa sobre aquela experiência. Mas Zezinho partiu na sexta-feira. 

Liguei pra Babilak. E choramos juntos. Aquela manhã nunca será esquecida. Zezinho, com seus ensinamentos, libertou-me do desespero. São quase 30 anos de nossa primeira conversa. Tenho que dizer para meus amigos que você, meu querido padrinho, ensinou-me que tudo se resume a viver apenas 24 horas por dia, tomando cuidado a cada segundo e minuto para não desviar o olhar e alimentar o monstro que carrego dentro de mim. Vivo, Zezinho, SÓ POR HOJE. Muito obrigado. Descanse em paz. (Texto: Aderaldo Luciano-professor mestre e doutor em Ciência da Literatura)

Nenhum comentário

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário