DOMINGUINHOS MUITO ALÉM DO BAIÃO. UM MÚSICO GENIAL

 

“Acaba tudo em baião”, sintetizou o coautor do hit forrozeiro Isso aqui tá bom demais (parceria com Nando Cordel, de 1985) em fala reproduzida no documentário Dominguinhos (2014), dirigido por Eduardo Nazarian, Joaquim Castro e Mariana Aydar para dar a devida dimensão ao legado de Seu Domingos, o imortal sanfoneiro, compositor e cantor conhecido popularmente como Dominguinhos – artista que faria 80 anos nesta sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021.

Nem tudo acabou no molde do baião apresentado ao Brasil por Luiz Gonzaga em 1946. Basta inventariar a obra do artista para concluir que é redutor caracterizar Dominguinhos somente como o herdeiro de Gonzaga.

Por ter sido de lá, de Garanhuns (PE), cidade do interior de Pernambuco, o sanfoneiro sempre ouviu o chamado sertanejo dos baiões, xotes e toadas que compõem a parcela mais conhecida da obra autoral do compositor.

Contudo, Dominguinhos expandiu o legado do proclamado Rei do baião, tanto no toque inventivo da sanfona como na composição de boleros, choros, fados e valsas. Em Baião violado (1976), tema instrumental de autoria do artista, o músico mostrou como se tocava o baião com a influência do jazz, em mais uma prova de que o universo musical de Dominguinhos sempre extrapolou as fronteiras da nação nordestina.

Por tudo isso, e também pelos 80 anos, Dominguinhos está sendo celebrado de 12 a 15 de fevereiro com a sétima edição do festival Dominguinhos através, organizado pelo músico sergipano Lucas Campelo.

O tributo pelos 80 anos se estende a outro evento programado para a semana vindoura. Na próxima sexta-feira, 19 de fevereiro, Dominguinhos também será homenageado na abertura da terceira (virtual) edição do festival Toca.

Orquestrados sob a direção musical de Marcelo Caldi, três shows inéditos em torno da obra de Dominguinhos – Instrumental sanfônico (com a Orquestra Sanfônica, de Caldi), As canções de Domingos (com Durval Pereira, Beto Lemos e Marfa Kourakina e participação de Marcelo Mimoso e Juliana Linhares) e Pé de serra (com adesões de Lucy Alves e do mesmo Marcelo Mimoso) – serão transmitidos ao vivo, diretamente do palco do Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, estado para onde o sertanejo Domingos migrou em 1954.

Dez anos depois, em 1964, ele lançou o primeiro álbum, Fim de festa. A festa ficaria cada vez mais animada – sobretudo a partir da década de 1970 – e iria durar até 2013, quando Dominguinhos saiu de cena, aos 72 anos, vítima de problemas cardíacos e respiratórios agravados por câncer de pulmão.

Dos seis anos (idade em que aprendeu a tocar sanfona com o pai para se apresentar em feiras e praças como integrante do trio familiar Os três pinguins) até os 72 anos, Dominguinhos construiu obra eternizada em grandes vozes do Brasil.

Seguidores de estrelas da MPB sabem que é impossível ouvir a canção Contrato de separação (Dominguinhos e Anastácia, 1979) sem dissociá-la do canto de Nana Caymmi. Ou escutar o xote Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973) sem pensar no canto de Gilberto Gil, de quem Dominguinhos virou parceiro quando Gil pôs letra na melodia de Lamento sertanejo (1973), tema originalmente instrumental.

Se Elba Ramalho imortalizou De volta pro aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel, 1985), Maria Bethânia caiu nos braços da paz e do povo ao gravar Gostoso demais (Dominguinhos e Nando Cordel, 1986).

Parceiro de Chico Buarque (em Tantas palavras e Xote de navegação, músicas lançadas em 1984 e 1998, respectivamente) e de Djavan (em Retrato da vida, composição de 1998), Dominguinhos construiu obra fonográfica que merece mais atenção de quem acredita que o legado do artista está concentrado nos sucessos e discos mais populares.

O forró de Dominguinhos (1975), Domingo menino Dominguinhos (1976), Oi, lá vou eu (1977), Ó Xente! Dominguinhos (1978) e Após tá certo (1979) – álbuns gravados pelo artista na Philips, no rastro da popularidade nacional obtida a partir de 1973 – são exemplos de como Dominguinhos soube ir além de Luiz Gonzaga sem jamais ter renegado as lições do mestre que lhe estendera a mão no início difícil da trajetória artística no Rio de Janeiro.

Nem sempre acabou tudo em baião à moda de Luiz Gonzaga e, na certa por isso mesmo, Seu Domingos está eternizado no panteão da música brasileira como compositor e instrumentista de identidade própria.

*Mauro Ferreira-Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos

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