Seu Luiz Gonzaga. Por Raymundo Mello-Aracaju-Se




“Luiz Gonzaga não morreu, nem a sanfona dele desapareceu...” – assim cantava Zé Gonzaga, nos idos de 50 ou 60 do século passado, após seu Luiz sofrer um grave acidente de carro que capotou sobre uma velha ponte de madeira, em uma de suas viagens Brasil a dentro, em estradas poeirentas ou verdadeiros lamaçais quando em época de chuvas, Gonzagão corria daqui pra ali divulgando sua música, levando alegria para o povo, especialmente nordestino, que o amava e respeitava como se ele fosse o cantor, o sanfoneiro, o legítimo forrozeiro de cada família, principalmente aquelas mais simples. Mas era querido também entre os abastados, principalmente fazendeiros, pecuaristas, donos de terra. Luiz era de todos, cantava para todos, proseava com todos.
 
Assim, nada mais justo ser homenageado na celebração do seu centenário com o entusiasmo que o Brasil artístico, cultural, musical está efetuando. As manifestações artísticas têm sido produzidas e apresentadas em alto nível na imprensa falada, escrita e televisada; seus discos são reproduzidos em larga escala e seminários, palestras e programas de rádio e televisão vêm acontecendo, inclusive para mostrar às novas gerações a importância dele em todas as áreas de estudos.

 É importante que isso aconteça pois os brasileiros precisam conhecer bem os seus antigos ídolos para que eles continuem sendo valorizados, amados, respeitados e, também, tornando conhecidos seus parceiros, aqueles que com ele deram ao Brasil a sua música legítima, contaram a história de uma grande massa de brasileiros que, se não fosse Luiz Gonzaga, sua sanfona, sua simpatia e, sobretudo, sua coragem e disposição para produzir e propagar, continuariam isolados, a depender sempre das esmolas dos sulistas, abatidos, cabeça baixa, dependentes, pois, como ele cantou, “seu doutor, uma esmola dada a um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”

 Pura verdade! E, se ainda existem pessoas nessas condições, já é hora do estudo e a educação livrar, por completo, principalmente os nordestinos, dessa terrível dependência. Seu Luiz pensava assim, tenham certeza.

Modestamente, resolvi participar das homenagens a Gonzagão, registrando, singelamente, duas ocorrências bem alegres e fortes que presenciei e guardei na memória. Quando jovem, ia aos shows que ele e seus companheiros por aqui realizavam e procurava captar a inteligência de Luiz Gonzaga nos repentes que ele produzia. Assim, vejamos:

1.ª) Seu Luiz, de passagem por Aracaju, com sua equipe, anos 50, quer fazer uma apresentação na Rádio Difusora de Sergipe, como se chamava, àquela época, a nossa sempre querida Rádio Aperipê, e procura sua direção, quer vender o show, ele já artista semiconsagrado, quer que a rádio lhe pague cachet. 
Qual que, como ele dizia, a direção da rádio, naquele momento, conhecendo a dificuldade de conseguir patrocínios, negou. Só se ele fosse para o comércio procurar patrocínio. Ele foi, conseguiu e levou as autorizações para a direção da rádio. 

Seu Augusto Luz, dirigente hábil da emissora, aceitou, mas queria 40% do arrecadado e foi uma luta; seu Luiz oferecia 5%, chegou a 10, 15% e seu Augusto, nada: 40% ou não tem apresentação. Como a coisa não andava, seu Augusto teve uma brilhante e comercial ideia: “Luiz, você faz o show na rádio, me paga os 15% desse patrocínio e depois sai daqui e vai cantar no meu cinema Guarany, com a renda toda para a casa. Enquanto você canta aqui na rádio eu passo um filme de “cobói, daqueles que tem murro, tiro, faca fora e beijo no fim” e depois você entra no palco com seus meninos, canta, dança, faz o que quiser. Sem dinheiro.”

E ele fez. Homem direito que era, cumpriu o prometido, mas, no final do show, ele disse para o auditório lotado: “Agora vou homenagear o dono da casa, cantando para ele a minha mais nova canção. É pro senhor, seu Augusto”. E cantou: “Sou pão duro, vivo bem, eu não dou esmola, não faço favor, não ajudo a ninguém...”. E seu Augusto aplaudiu, alegre, sorridente, e ainda pediu bis. Caiu açúcar no mel, como se dizia.

2.ª) Dessa vez, seu Luiz veio a Aracaju contratado. Veio fazer shows nas festividades de posse do Dr. Leandro Maciel no governo de Sergipe. De Leandro, ele praticamente já sabia tudo, mas, de Arnaldo Garcez, que entregava o governo, não conhecia nada. Por aqui, inteirou-se. Disseram a ele que seu Arnaldo era fazendeiro e tinha muito gado. E nada mais. Só ouviu um lado porque do outro não apareceu ninguém. Então, ele fez os shows programados e, à noite de 1.º de janeiro, dia da posse do novo governador, ele cantou na porta do palácio. Palanque armado, muita alegria da UDN e muito pesar do PSD-PR, e Gonzagão animando com suas músicas.

Para encerrar o show, duas homenagens: “Para o governador que se despediu hoje, eu digo: Vai boiadeiro que o dia já vem, leva o seu gado e vai pra junto do seu bem”.
“E para o governador que assume, doutor Leandro, homem capaz, doutor, engenheiro, minha homenagem com essa canção: Paulo Afonso, que coisa louca, uma cachoeira rouca de gritar aos engenheiros do país, mas hoje, escutaram seu grito, você ta fazendo bonito e o povo do norte ta feliz”.

Enquadrou os dois governadores em suas canções. Infelizmente, não foi bem entendido pois houve quem julgasse desprezo pra um e muito elogio para o outro. Mas ele encarou apenas como uma homenagem respeitosa às duas autoridades, e dizia: “O mundo dá muitas vortas, meu fio”.

São dois fatos singelos mas podem servir para biógrafos e pesquisadores.
E, como disse Zé Gonzaga quando ele reassumiu sua vida artística, “Luiz, escuta esse baião, quem tá falando com a sanfona é seu irmão, tá lhe saudando todo o povo brasileiro, seu grande sanfoneiro, alma viva do sertão”.

* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br
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