Agricultores familiares não conseguem mais comercializar produtos orgânicos depois do crime ambiental de Brumadinho

Os impactos do rompimento da barragem da Vale na Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, ainda levarão tempo para ser determinados. 

Mas o abalo nos bairros rurais de Aranha, Melo Franco e Córrego do Ferreira já são visíveis. Eles não foram atingidas diretamente pela lama, mas se tornaram vilarejos fantasmas. Além dos moradores estarem “ilhados” em decorrência dos rejeitos que tomaram conta da principal estrada de acesso, agricultores agroecológicos são obrigados a parar suas produções. 

O motivo: as pessoas não querem consumir produtos de lá devido à imagem generalizada de contaminação da água e do solo do local. Alguns pequenos produtores estão abrindo o galinheiro para as aves darem um fim às hortas saudáveis que não são mais consumidas.

Criadores de tilápia foram descartados por uma produtora porque os consumidores temem que o peixe esteja contaminado. As pousadas e comércios da região vêm sofrendo o impacto devido ao medo da contaminação dos alimentos. Moradores se organizam para pedir providências.

“Não consigo vender minha tilápia porque está circulando a informação de que ninguém deve comer nada. Mas isso não é verdade e eu estou jogando peixe fora”, contou a piscicultora, moradora do Bairro Melo Franco, Maria Betânia da Silva, 47 anos. 

A última venda foi deita em 25 de janeiro. Ela tinha entregas para serem feitas no fim de fevereiro, porém, todas canceladas. A grande maioria de seus consumidores é do Centro de Brumadinho ou dos bares tradicionais de Belo Horizonte. Ela explica que a situação é crítica.

Os peixes são mantidos em três grandes tanques, porém, devido à superlotação, falta oxigênio e os eles precisam ser retirados e congelados.

“Só costumo vender peixes frescos. Agora, estou com o congelador lotado. Nem tenho mais onde colocar”, acrescentou. A piscicultora, que ainda tem 1.500 animais no aquário, sendo que desses 900 precisam ser vendidos em até 30 dias para não que não se percam, está desesperada. Angustiada, ela conta que já teve prejuízo de R$ 8 mil e afirma que não conseguirá fechar a conta que é, mensalmente, de R$ 14 mil para manter a criação. Além do mais, ela trabalha no sistema de aquaponia – produção de alimentos que combina a aquicultura com a produção de hortaliças – e o ciclo fica totalmente prejudicado.

É triste de se ver a pequena horta orgânica de alface, rúcula, couve, cebolinha, salsinha, espinafre sendo totalmente jogada para as galinhas comerem. O mesmo que ocorre com Maria Betânia, se repete com a produtora Cleuza Maia, de 59.

“Nasci e fui criada aqui. Sempre vendi minha horta na feirinha da cidade. E caiu muito o movimento. As pessoas não chegam, pela dificuldade de acesso à estrada, ou temeram comprar hortaliças que acreditam estarem contaminadas pela lama”, contou. Ela mora em Córrego do Ferreira, a cerca de 28 quilômetros do centro da cidade. 

O local era praticamente sustentando pelos turistas que iam até o Instituto Inhotim e recebia, em média, 35 mil visitantes por mês. “Você fala que é de Brumadinho, o pessoal fica horrorizado”, contou. Vale lembrar que a região do município é um importante centro de fornecimento de hortifrutigranjeiros para a Ceasa. Em 2018, a cidade forneceu 13,4 mil toneladas, equivalentes a 0,9% da oferta total do entreposto.

Fernanda Perdigão de Oliveira, de 35, representante do Comitê Popular da Zona Rural, e coordenadora da Comunidade que Sustenta Agricultura (CSA), explica que a região tem seu fornecimento de água pela nascente Mãe D’água, que vem da Serra da Moeda, sem ligação com os córregos afetados.

“Depois do crime da Vale, a comercialização ficou parada. Muitos foram atingidos diretamente pela lama e a outra parte ficou prejudicada pela ideia de que Brumadinho tem apenas somente uma fonte de água e está em um único espaço”, contou. 

Muitos fornecedores pedem um atestado de qualidade da água, porém, ela explica que é um processo que pode ser caro ou demora muito tempo. Com isso, dos 34 que fazem parte da CSA, apenas 15 ainda produzem, só para consumo próprio. 

Segundo ela, além da não haver previsão para a liberação do acesso direto à região – o desvio pode levar até 3 horas e meia –, as outras vias estão sem manutenção, pois as máquinas não chegam ao local para aparar o mato alto do caminho. Por isso, foi criado o Comitê Popular da Região Rural, que representa os distritos de Palhano, Córrego Ferreira, Quintiliano, Aranha, Suzana, Melo Franco e adjacências: “Precisamos ter voz”, acrescentou.
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