JURANI CLEMENTINO: PELA JANELA DO ÔNIBUS

Um colega publicou esses dias, nas redes sociais, um poema intitulado: “Janela de ônibus”, do pernambucano Miró de Muribeca. Ao ler aqueles versos simples de observação atenta do cotidiano como: “Uma casinha branca lá no alto da montanha, Um homem na BR olhando pro nada, Uma mulher com um saco de capim na cabeça, E o sol estralando nas suas costas, igrejinhas pequenas…” pensei em escrever uma crônica com essa temática que, para mim, é bastante familiar.

“Janela de ônibus é danado pra botar a gente pra pensar”, dizia o poeta. “Ainda mais quando a viagem é longa”. Eu, particularmente, concordo com esses versos e acho que, com exceção daqueles que entram no ônibus e dormem a viagem toda, acredito que, praticamente todo mundo, exerce, de alguma forma, a arte de pensar quando se está sentado na poltrona que fica na janela do ônibus. A gente viaja duplamente: em pensamentos e deslocamentos geográficos. Enquanto percorremos as estradas. Além dessas imagens já citadas pelo poeta Miró, a janela do ônibus nos faz ver, pensar e sentir coisas. Ela é toda imaginação. Eu sempre usei bastante a minha imaginação a partir do que eu via através do vidro, olhando atentamente pela janela do ônibus.

A casa de taipa sertaneja, as cercas de pedra, as plantações de algodão, uma senhora com uma lata d’água na cabeça, um surrado chapéu de couro protegendo um senhor do sol, o céu, os gaviões e urubus, as nuvens em formato de animais, de plantas… as arvores que as vezes estão secas e outras vezes ficam verdes. 

O carro de passageiro que ultrapassa o ônibus, o sol que parece queimar tudo lá fora, os pingos de chuva que se chocam com o vidro, aquelas imensas serras que de tão longe parecem minúsculas e se acinzentam aos olhos. Serras que pouco a pouco vão se aproximando como uma visagem, que mudam de cor, que nos fazem pensar o que tem ali. “janela de ônibus é danado pra botar a gente pra pensar”. 

Os animais que por ali habitam: macacos, onças, serpentes, veados, e até lobisomem. Atravessamos uma ponte. Quem a construiu? Quando? Como ela facilita a vida de muita gente. Encurta distâncias. Une pessoas. Conecta estados, cidades, regiões. O rio corre caudaloso lá embaixo. Um jovem toma banho saltando num voo cheio de charme e perigo. Por um instante desaparece nas águas. E ressurge metros de distância de onde mergulhou.

Se a viagem é longa, quando a noite cai, é pela janela do ônibus que avistamos a escuridão lá fora. Que de repente percebemos uma luz indicando vida. Seria uma casinha longe de tudo, perdida na solidão? E logo pensamos: quem estaria ali, o que faz a essa hora, com quem conversas, quem faz companhia, não teria medo… Existiria uma casa ali ou era apenas uma fogueira acessa por um corajoso caçador? 

Alguns quilômetros depois e surge uma coleção de luzes. Logo imaginamos: é uma cidade! Pessoas caminhando pelas ruas de moto/bicicletas, sozinhas ou acompanhadas. Sentadas nas praças/calçadas, jogando conversa fora. Os vira-latas vasculham baldes de lixo, crianças brincando na praça em frente a igreja. No fiteiro da esquina, um vendedor expõe suas mercadorias: pipocas, caramelos, bolos, algodão doce…

Minutos depois e novamente a escuridão. A cidade ficou para trás. No céu, uma constelação de estrelas ganha vida com o breu. A lua segue o ônibus pelo lado de fora, parece andar na mesma velocidade. Um meteoro cruza o céu. A gente chama de estrela cadente. Teria aquela estrela despencado do céu em direção a terra? Rápido clarão. As serras que margeiam a BR, que já não eram tão nítidas durante o dia, agora ganham a dimensão de um negativo de fotografia. Tiramos um cochilo e acordamos em outra cidade. Ou seria outro estado? Pouco importa. Pela janela surgem novas cenas: o entregador de leite, a diarista, o vaqueiro tangendo os animais até o pasto, o mototaxista com o seu passageiro, o estudante em frente ao colégio, alguém que sai a janela e cumprimenta o dia esticando os braços acima da cabeça e abrindo a boca preguiçosamente. A cruz a beira da estrada, o sol que está na posição oposta, mas que logo nos ultrapassará e novamente será noite, que será dia, que somados nos dirão: foi uma longa viagem. “Janela de ônibus é danado pra botar a gente pra pensar, Ainda mais quando a viagem é longa”.

*Jornalista, escritor e professor Jurani Oliveira Clementino,Campina grande, Paraíba13 de novembro de 2020

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