"João do Pife" mantém banda de pífanos fundada há 98 anos

João Alfredo Marques dos Santos é o nome de batismo do músico caruaruense "João do Pife", de 74 anos. Há 59 anos, porém, ele deixou o sobrenome de nascimento de lado e aderiu como identidade ao pequeno instrumento de sopro produzido com bambu.

Há 22 anos, o artista ensina um grupo de idosas a tocar pífano em Caruaru, atividade que concilia com a continuidade da "Banda de Pífanos Dois Irmãos", criada pelo pai do músico, em 1928.

Com o pífano, João viajou por vários países e mostrou a cultura do Nordeste para o mundo. Sem ele, porém, crê que a vida seria diferente: "João do Pife sem o pife não é nada. Sem o pife sou um João qualquer. Com ele sou forte, me sinto completo. É minha arma".

Nascido em 23 de junho de 1943, João aprendeu a tocar e a produzir pífanos com o pai, o mestre Alfredo Marques dos Santos. Na infância, ele dividia os trabalhos na roça com as aulas de pífano.

Na época, ele confessa que chegou a repensar o "ofício" que seguiria na vida. "Eu era agricultor, venho da roça. Minha luta era criar cabras. Quase desisti de tocar para trabalhar no campo. O 'pife' é cansativo e desvalorizado. Nós tentamos valorizar, mas ninguém valoriza. Gosto do que faço e por isso não desisto", desabafa.

A batalha pelo reconhecimento fez ecoar o "sobrenome" de João para o Rio de Janeiro e São Paulo, até países como Portugal, França, Suíça, Inglaterra, Alemanha, Itália e Estados Unidos.

"Quando comecei, pensei que só Caruaru ia me conhecer. Espalhei uma semente. Está plantada, semente boa. Sou muito feliz por isso. Não tem dinheiro que pague o quanto eu já aproveitei. Muita gente é tocador de pife através de João do Pife. Passei para muita gente aprender e ganhar o pão. Está cheio de professor no Brasil. Nos Estados Unidos, formei uma banda de pífanos em uma universidade. Essa cultura do pife não vai acabar", garante.

Segundo o pifeiro, a difusão da cultura popular nordestina ocorre "de inverno a verão", mesmo sem o pífano garantir cachês altos como os do "pessoal que vem de fora" - uma crítica à música estilizada.  "Nossa banda permanece viva desde 1928. Já essas bandas acabam e não saem daqui", diz.

"O pife é o que me deixa forte, me transforma em um líder. Eu me sinto muito rico, cheio de vida, de felicidade, tudo pelo pife. Por causa dele eu criei oito filhos. Fazendo pife, viajando e tocando. Não existe algo tão bom. Eu amo o pife de coração", declara o artista.

Há mais de 20 anos, ele passa os ensinamentos que aprendeu com o pai para um grupo de idosas no Centro Social São José do Monte, localizado no bairro São Fransciso.

Aluna desde o início, Margarida de Melo, de 69 anos, afirma que o pífano mudou a vida dela. "É uma alegria profunda que eu sinto. Eu deixo tudo para vir. Quando eu estou doente e não venho, é uma morte. Fico muito feliz, me orgulho do meu pedaço de pau. Já pedi aos meus filhos que coloquem o meu pife no caixão".

A banda formada pelas idosas surgiu em 1996 e atualmente conta com sete integrantes, mais cinco novatas que estão criando outro grupo musical. 

"Toco caixa, zabumba, triângulo, o que precisar eu toco. Essas aulas são como terapia. Nos divertimos e saímos para tocar em outra cidade. Se estamos estressados, quando chegamos aqui, esquecemos tudo. É muito divertido. Ninguém sente mais a dor da chikungunya", brinca Maria das Dores, de 63 anos.

O "João professor" revela a motivação em transmitir às alunas a tradição do pífano.

"O que dá meu viver é essa terceira idade, que é segura e gosta do que faz. Se não fossem elas, como eu ia viver? É por causa delas que sou o que sou. Temos tantos anos juntos de aulas e apresentações. O pife é vida nova. Imagina esses idosos dentro de uma casa sem ter ocupação? Ficam mais velhos. Aqui, tocando, dançando, viramos crianças", conta João do Pife.

E, por isso, João define o instrumento como "um pedacinho do mundo e o mundo todo, porque através desse pedacinho aqui, eu ando o mundo todo". 

Para o historiador Everaldo Fernandes, "Seu João é uma figura emblemática, é uma figura que serve para nós como referência. Referência enquanto resistência física, teimosia criativa, capacidade de inventar a música ao seu modo, de construir seus instrumentos musicais e de ensinar, que não é tarefa fácil".

G1 TV Asa Branca
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