Ana das Carrancas e Zé dos Barros, saudade na dimensão da sanfona de Luiz Gonzaga

"Ana Leopoldina Santos Lima era o nome dela. Isso muito antes de o barro moldar seu destino lhe dando por amor um homem que não tinha olhos para enxergá-la. Os monstros gerados pelas mãos de Ana eram cegos como o companheiro de sua vida. Com um golpe rápido, certeiro, ela vazava os olhos de suas criaturas com a ponta de um pedaço de pau. Com Ana era assim, a desgraça virava épico". 

O texto acima é da jornalista Eliane Brum. Esta semana visitei o Memorial Ana das Carrancas. Havia dois anos que não ia...o vazio, a amizade de Ana e Zé me deixaram uma solidão! Uma saudade das tardes e noites de café e conversas...

 Ana "partiu para o sertão da eternidade" numa quarta-feira dia primeiro de outubro de 2008, aos 85 anos, a maior
carranqueira do São Francisco voltou ao barro que a fez. E deixou Zé dos Barros, pela primeira vez, na escuridão.

Ela era uma mulher de solenidades. Não falava, entoava. “Minha vida é extensa...”, era a frase com que iniciava a narrativa. Analfabeta, fazia literatura pela boca. E mesmo limitada por uma seqüência de derrames, parte dos dedos com que tocava a lama do mundo paralisados, Ana era grande. Carregava nos gestos uma largura de alma. E o rio era seu espelho em mais de um sentido. A mulher que moldava o barro do chão só pisava o reflexo do céu.

Ana das Carrancas costumava dizer que sua arte era a síntese de seu amor por um cego que via o mundo mas não era visto por ele. Entre ela e Zé dos Barros nunca se soube quem era criador, quem era criatura. 

Ela já veio ao mundo retirante, na cidade pernambucana de Santa Filomena. Mas diferente de quase todos, nunca lamentou a terra estéril sob seus pés. A estirpe de mulheres da qual era continuidade moldava pratos, panelas, vasos. Ana aprendeu com a mãe, e antes dela a avó, que do barro se arranca tudo, até a vida.

Uns poucos anos depois dela, José Vicente de Barros nasceu em Jenipapo, outro canto sertanejo. Desembarcou na vida sem olhos, por culpa do amor incestuoso entre primo-irmãos. Desde cedo a ele ensinaram que “quando Deus faz uma criança sem vista é porque quer que ela sobreviva como pedinte”. Para se localizar na escuridão, desde menino ele balançava a cabeça. E nesse de lá pra cá, de cá pra lá, encontrava equilíbrio mesmo nas trevas.

Ana e Zé só cruzaram seus pés descalços quase trinta anos mais tarde. Ana tornara-se viúva desde que seu marido despencara de um pau-de-arara. Conheceu Zé pedindo esmolas na feira de Picos, Piauí. Ele balançava guizos, cantava cantigas. Mas era um cego desaforado por anos ouvindo os meninos mangando dele, pegando nele. Ana, não. Era resignada, como costumam ser as mulheres com fome e filhos para dar de comer. Ana dava comida a Zé sem que ele precisasse implorar.
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Um dia a vizinha abordou Ana na rua. “Desenteirei açúcar do meu filho para dar esmola a Zé”, queixou-se. O rosto de Ana queimou de vergonha. Tirou uma nota do bolso e retrucou: “Enteire de novo o açúcar do seu filho. Por Zé ele não vai passar fome”. Naquela noite não dormiu. Sua tristeza não coube na rede que dividia com Zé. Quando acordou, chamou o marido e anunciou: “Meu velho, nunca lhe fiz um pedido. Mas hoje lhe peço. De agora em diante, você não vai mais pedir esmola". Assustado, Zé rebateu: “Deus me fez sem vista para que eu pedisse esmola”. Ana fincou pé: “De hoje em diante sua vista é a minha. Você pisa o barro, eu faço a peça. Nós vamos levar para a feira, nós vamos ser felizes”.

Ana pegou a enxada e caminhou até as margens do São Francisco, em Petrolina. Diante da fartura de líquidos, invocou o espírito do rio: “Meu grande Nosso Senhor São Francisco. Pelo poder que ostenta, pelas águas que estão correndo, do próprio barro melhore a nossa vida”. 


Ao terminar, juntou um bolo de lama e fez, sem que até hoje saiba como, a primeira carranca. Começou levando na feira, suportando calada riso e maldades. “É tão feia quanto a dona”, cutucavam. No dia seguinte, em vez de uma, Ana levava duas. Até que caiu nas graças dos turistas e dos ricos da cidade e, de lá, suas obras ganharam o mundo. Ela então deixou de ser Ana do Cego e virou Ana das Carrancas. E ele virou Zé dos Barros.

As carrancas de Ana são diferentes de todas as outras que, desde o final do século XIX, apontaram a face horrenda na proa das barcas do São Francisco. A maioria dos carranqueiros célebres esculpe em madeira, Ana, em barro. Mas a maior singularidade são mesmo os olhos vazados. São eles que dão a expressão melancólica, contendo mais sofrimento do que ameaça, à obra de Ana. É do feminino que Ana tira sua carranca dilacerada diante da dor do mundo.

Os traços deformados das carrancas de Ana expressam, pelo avesso, a perfeição de seu amor. É este sentimento avassalador que tomava conta de Ana, anos atrás, quando ela começou a pressentir que o fio de sua vida atingia seu cumprimento. “O barro é como gente. Tem o barro ruim e o barro bom. E até o barro regular. Conhecendo o barro se conhece o mundo”, sussurrava ela. “O barro é o começo e o fim de tudo. Sem ele não sou ninguém. Foi ele que me deu o direito. Não me separo dele pra coisa nenhuma, porque eu amo aquilo que ama a mim. O barro é um caco de mim. Nas minhas veias corre sangue de barro.

As lágrimas abriam então sulcos em sua face. Por um momento, ela assemelhava-se à sua criação. Movia o rosto em direção a Zé, que não a via com os olhos, mas era o único a abarcá-la por completo. Ana então dizia: “Não estou pedindo a morte. Mas quando eu me for, qualquer pedacinho de orelha, nariz ou olho é lembrança dele. E de mim”. 

Zé Vicente infartou em 2014...ganhou definitivamente Luz...

Fonte: Eliane Brum-Jornalista
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João Guimarães Rosa: Livro Grande Sertão Veredas completa 60 anos

O romance flui como o riacho, limitado por ambos os lados de terra e mato do cerrado (que é pra não perder o curso), numa longa narrativa oral entre os personagens, que são muitos. Riobaldo, um velho fazendeiro, declara sua experiência de vida a um interlocutor que jamais tem a palavra e cuja fala é apenas sugerida. Conta histórias de vingança, seus amores, perseguições, lutas pelo sertão de Minas Gerais, Goiás, e sul da Bahia. Tudo isso entremeado de reflexões um tanto quanto poéticas e filosóficas. Mas a verdade mesmo é que, ao redor de um mito universal, o autor conseguiu edificar uma obra de valor também universal e com elementos indígenas, até. É parida do meio. Autóctone que nem nativo da terra.

Ao se revisitar a obra de Guimarães Rosa, percebe-se a força e atualidade de seus livros. O que faz uma obra de arte ser considerada bela, eterna e sobreviver ao tempo é uma questão com muitas respostas. As hipóteses passam pelas grandes revoluções técnicas como o sfumato de Leonardo da Vinci, a grandeza e a beleza estética de Dante Alighieri ou a espiritualidade de Johann Sebastian Bach.

Suzi Sperber, professora de literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que a atemporalidade da obra de Guimarães Rosa se deve "à extraordinária beleza do texto e forma como ele trabalha com as palavras". Segundo ela, a obra dele nos obriga a abordá-la com a emoção e não com a razão. "Ele quer a derrota da razão. O leitor não é obrigado a ter conhecimentos literários para ser envolvido pelo texto", afirma.

O livro Grande sertão: veredas, a obra mais aclamada de João Guimarães Rosa.O livro publicado em 1956, Grande sertão: veredas foi escrito quatro anos depois de uma famosa viagem do autor pelo interior de Minas Gerais, acompanhando a condução de uma boiada. Rosa anotou exaustivamente dados concretos da realidade física e da cultura sertaneja, e esses registros – suas famosas cadernetas de viagem, que atualmente se encontram no Instituto de Estudos Brasileiros da USP – foram utilizados como matéria-prima que o escritor trabalhou esteticamente para compor os livros. As anotações incluíam dados sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja, usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias, enfim, tudo que lhe despertasse algum interesse.

A união desses dois universos, do homem que falava sete idiomas e possuía uma vasta cultura, com o apreciador da cultura popular, é, talvez, o traço mais característico de Rosa. Pesquisadores afirmam que percebem nas anotações a que teve acesso, que o autor gostava de conversar com as pessoas mais humildes. "As pessoas que não tiveram instrução, procuram palavras para exprimir aquilo que experienciam, criam novas palavras, imagens, ou transformam outras que conhecem, mas não sabem o que significa. Essas pessoas humildes abriram o caminho para que Rosa partisse nessa busca por novas palavras e imagens".
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Aderaldo Luciano: O Bicho do Mazagão, Rosil Cavalcanti e o Cordel

Rosil Cavalcanti, o compositor e radialista, o Zé Lagoa, foi o criador de uma perene tradição de cocos e rojões. Não alcancei o Forró de Zé Lagoa, seja na Rádio Caturité ou na Borborema, mas ouvi ecos de sua fama no Forró de Seu Vavá pela Rádio Cariri, apresentado por Genival Lacerda, cujo título foi claramente inspirado no seu antecessor. 

Por esse tempo, eu já era fã de Zé Bezerra com seu Bom Dia, Nordeste, com a vinheta criada por João Gonçalves. Mas voltando a Rosil Cavalcanti e, ainda pegando carona nas intervenções de seu centenário no ano passado, lembro de duas novidades da época: o disco de Chico Salles Araujo, Rosil do Brasil, e o livro de Rômulo Nóbrega e José Alves Batista, Para Dançar e Xaxar na Paraíba: ­ Andanças de Rosil Cavalcanti. Homenagens elevadas ao terceiro patamar da excelência.

As canções de Rosil transformaram-se em clássicos na primeira voz de Jackson do Pandeiro e nas demais que se seguiram, entre Alceu e Lenine, Elba e Zé Ramalho, o mesmo Genival Lacerda e Luiz Gonzaga e outros camaradas do alto escalão. Ficava-me obscura a face cordelística do personagem nascido em Macaparana, no Pernambuco, em 1915. Todavia, 101 anos depois alcançou-me, finalmente, a prova física definitiva, dependurada na vitrina da Letra Viva, ali no Largo de São Francisco, ao lado do IFCS, da UFRJ. O Bicho do Mazagão é o exemplar caído dos céus, delicadíssimo devido à idade, publicado em maio de 1964, como diz a capa, mais velho do que eu. Em princípio não acreditei, pensei ser propaganda de algum espertalhão, mas ao manusear e ler, está lá a marca indelével da autoria.

O Bicho do Mazagão, de Rosil Cavalcanti, foi impresso na Gráfica Júlio Costa, em Campina Grande. Patrocinado pelo "Açúcar Puro, Fino e Granulado" Marilúz, da companhia de Artur Freire. Co-patrocinado por Familho, da São Braz, de José Carlos, e pela "Aguardente Que Resolve O Problema" Paturí, de F. Aleixo & Filho, todos de Campina Grande. A narrativa se passa na Serra da Catruzama, avizinhada do Pindurão, no Piauí, divisa com Maranhão. As terras do Major Figal eram uma espécie de paraíso, abandonadas pelo dono. No tempo remoto, sem as comunicações, seus moradores sabiam o mundo formado por vastas e misteriosas matas, cavernas profundas, pedreiras e túneis adornadas de lendas. O cordel de Rosil, em setilhas, é mais uma assinatura magistral do inesquecível artista. Agora, repousa em paz em meu baú do tesouro.

Fonte: Aderald Luciano-professor Doutor em Ciência da Literatura
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Agricultores armazenam água para conviver com seca

Família de agricultores armazenam água em cisternas
Sertão do Araripe, Sertão do Moxotó, Agreste, Sertão do São Francisco. É para estes territórios do semiárido pernambucano castigados pelas estiagens prolongadas que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) está levando a água retirada de poços artesianos que vêm dando alívio a uma população de quase 20 mil pessoas.

São 1.186 poços perfurados e instalados em 49 municípios. Os poços perfurados e instalados pela Codevasf no semiárido de Pernambuco são uma tecnologia de convivência com a seca que se divide em dois tipos: poços sedimentares ou cristalinos. Os sedimentares são perfurados nos locais que possuem manchas de sedimentos (arenito, calcário), escavados a profundidades que podem variar de 100 a 200 metros, e fornecem grandes volumes de água oriunda do lençol freático. A captação da água é feita por meio de motobombas de alta potência.

A água captada do poço, segundo explica Elijalma Augusto, engenheiro civil da Codevasf em Petrolina (PE), é direcionada através de uma boia para um reservatório – que funciona como um chafariz de onde a comunidade recolhe a água usando diversos tipos de recipientes –, e para um bebedouro, onde é consumida por animais. Há poços desse tipo instalados também nas imediações de escolas rurais.

Elijalma Augusto informa que, na região de Pernambuco atendida pela 3ª Superintendência Regional da Codevasf, existem diversas bacias sedimentares, sendo as maiores as de Jatobá, de Araripe e de São José de Belmonte; e outras menores, como as de Cedro, Tupã-Nancy, Araras e Fátima.

O outro tipo de poço, o cristalino, é perfurado e instalado em regiões de subsolo rochoso, entre 50 a 70 metros de profundidade, e a água é captada das fendas nas rochas, onde se acumula. O volume é menor, e a captação é feita por catavento ou por bomba submersa.

Em 37 municípios do sertão de Pernambuco, 38,5 mil famílias contam, em meio à estiagem, com o abastecimento de água via carros-pipa graças a uma outra tecnologia de convivência com a seca que também teve instalação feita pela Codevasf: as cisternas, reservatórios de polietileno com capacidade de armazenar 16 mil litros de água.

A agricultora Joseilza Souza Ferreira, que vive no Assentamento Cacimba dos Sonhos, atesta que a vida da família melhorou. “Os filhos e netos têm uma vida melhor. Podemos tomar banho e fazer comida com a água do reservatório”, diz Joseilza. No Assentamento Mandacaru, também localizado na área rural de Petrolina, o agricultor Benedito do Nascimento afirma que vai começar usar a água da cisterna para cultivar uma pequena horta.

O coordenador da ação na 3ª Superintendência Regional da Codevasf, Ivolnaldo Lacerda, destaca que as cisternas de consumo humano de água abastecem uma família de cinco pessoas por até seis meses no período da estiagem com água de qualidade para beber, fazer comida e para a higiene da rotina doméstica.

Monitor de Secas
O relatório mais recente do Monitor de Secas da Agência Nacional de Águas (ANA) informa que as poucas chuvas ocorridas no mês de agosto colaboraram para o agravamento da seca em Pernambuco. De acordo com o sistema, houve expansão da área com seca excepcional nas mesorregiões do Sertão e Agreste, e segue predominando no estado a seca com intensidade extrema.

Os impactos da estiagem no estado, segundo o monitor, permanecem de curto e longo prazo em todo Sertão e Agreste, mas também tiveram um pequeno avanço pela Zona da Mata. Apenas numa estreita faixa ao longo litoral pernambucano, abrangendo a mesorregião Metropolita do Recife e parte da Zona da Mata, os impactos permaneceram de curto prazo.

Ouça a Rádio Codevasf:
https://soundcloud.com/codevasf
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Músico e professor Leonardo Fuks participa da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em Petrolina

Petrolina vai sediar de 18 a 21 de outubro, a 13ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e já conta com a presença do professor e músico Leonardo Fuks.

Leonardo Fuks,  criou uma orquestra em cima de bicicletas. No Brasil foi o primeiro doutor em Acústica Musical, o pesquisador carioca possui formação acadêmica em Acústica Musical e Engenharia, o que lhe permite dialogar constantemente entre conhecimentos práticos e teóricos, visando ao desenvolvimento instrumental e musical.  "Ciclofônica é a única orquestra de bicicletas do mundo. Criada em 1999 por Leonardo Fuks e colegas músicos-ciclistas. Música, esporte, urbanismo e lazer, estabelecendo uma nova proposta de escuta e produção de som".


Em meio as palestras, oficinas, minicursos e exposições que vão movimentar a 13ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, uma atração promete educar pela acústica musical. É a mostra Sesc Prismas do Som-O som nutre o espírito que será apresentada gratuitamente de 18 a 21.

A mostra, que atende distintas faixas etárias e dialoga com várias disciplinas, entre elas, a física, matemática e biologia, se divide em 20 estações compactas de experimentação e demonstração. Em cada uma delas o visitante é apresentado a uma série de instrumentos incomuns, a exemplo de aerofones, cordofones, membranofones e eletrofones.

O resultado é uma verdadeira caixa de ressonância das experimentações, criações e improvisações sonoro-musicais do público, que desmistifica o som, o silêncio e o ruído, em meio a uma série de jogos e brincadeiras didáticas.
 

A Mostra, mexe com os sentidos, significados e singularidades musicais de cada um. “As estações expõem desde as reações do aparelho respiratório, perpassando por conceitos da física, que tratam de pressão arterial, por exemplo, até as emoções. As pessoas costumam ficar empolgadas, bem humoradas e até reflexivas, nunca indiferentes”.
 

Durante todos os dias, das 8h às 18h, o Ginásio do Sesc vai se transformar numa grande feira de exposições com livre acesso, onde os visitantes poderão conferir,  desde produtos orgânicos até uma exposição de abelhas, além de orientação nutricional, saúde holística e um museu de ciências. Outra atração que também deverá chamar a atenção do público é a Sala de Ciências, com mostra e inúmeros experimentos na área alimentar, orientações e degustações.

A 13ª Semana Nacional de Ciência e Tecnologia é uma realização do Sesc Petrolina em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Durante o evento serão arrecadados alimentos para doação às instituições cadastradas no Banco de Alimentos do Sesc Petrolina, que atende 39 instituições sociais beneficiando cerca de 9 mil pessoas.


Programação completa: www.sescpe.com.br
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Brasil celebra 20 anos morte de Renato Russo

Ele estava em casa quando morreu. Era o começo da madrugada do dia 11 de outubro de 1996, quando Renato Russo não resistiu a complicações provocadas pelo vírus da Aids. O corpo pediu trégua e o país se despediu de um dos seus maiores ídolos. Acabava ali a jornada da maior banda da música nacional, a Legião Urbana. Vinte milhões de discos vendidos e, de fato, uma legião de fãs órfã.

Em vez de, mais uma vez, rememorarmos a trajetória do cantor e compositor, que saiu de Brasília e se transformou em um fenômeno nacional, talvez seja melhor abrir espaço para que os próprios legionários nos contem um pouco mais sobre a intrigante figura que foi Renato Russo. Duas décadas depois, ele ainda vende como poucos, ocupa as salas de cinema, rende peças de teatro e ganha ares messiânicos por parte dos fiéis seguidores da banda, que enxergam o grupo e, principalmente Renato, quase como uma religião.

Entre eles, talvez esteja o paulista Rogério Santos. “Eu conheci a banda em 1988, em um show no Ibirapuera”, conta. Foi o bastante para que Rogério inaugurasse um fã-clube dedicado ao grupo. Dedicação, inclusive, não faltou. Eles logos entraram em contato com a gravadora e estreitaram os laços. “A EMI começou a intermediar nossos contatos com a banda, até que o Renato nos conhece. Nosso primeiro encontro pessoal foi no show seguinte. Falamos sobre o fã-clube, que ele passou a reconhecer.”

A partir daí, Rogério manteve uma relação próxima com o cantor. Eles se falavam por telefone mensalmente e Hoje, Rogério ainda nutre o mesmo carinho por Renato. Falar da Legião sempre o motiva. E não à toa: Rogério é dono de um dos maiores acervos relacionados ao grupo, com mais de 450 fotos próprias, infinitos discos, apresentações gravadas e singles. Aos 47 anos, Rogério alterna o cotidiano entre duas funções. Como representante comercial, paga contas. Mas, nas horas vagas, ele ainda cuida da paixão maior, a Legião Urbana. O fã-clube ainda existe: Legião Urbana Infinito. Pode procurar.

Quem também teve a chance de manter uma relação ainda mais próxima com Renato Russo foi a carioca Cristina Valente, que trabalhou por anos como supervisora de imprensa na gravadora do grupo, a EMI. Ela participou, inclusive, do momento em que os meninos assinam o primeiro contrato. Dali em diante, Renato seria uma companhia constante.

Cristina pôde conhecer Renato na íntegra, e não somente o homem em cima do palco. “Conviver com Renato era meio difícil naquela época, porque ele bebia muito. Era punk, literalmente. Mas sempre tivemos muitas afinidades. Tanto que me elegeram para acompanhá-lo em programas de tevê e nas viagens promocionais”, recorda.

Ela teve a oportunidade de testemunhar um dos mais trágicos episódios da banda, principalmente na memória do brasiliense, o fatídico show de 1988 no Mané Garrincha, que gerou uma rebelião pela cidade. “Deu toda aquela confusão. Depois, no hotel, ele foi se encontrar com os jornalistas, entre eles Arthur Dapieve e Beatriz Coelho. Ainda espantado, ele disse que nunca mais faria show em Brasília”. Como se sabe, Renato cumpriu a palavra.

Ao falar do compositor e poeta, principalmente às vésperas do aniversário de morte, Cristina acaba por fazer um depoimento, que define bem quem era Renato Manfredini Júnior: “Doce, maluco e inteligente, acima de tudo. Todos enxergavam nele uma luz, um caminho. Quando penso em Renato, lembro de um menino gentil, amável, mas com uma personalidade forte. Um gigante do bem, que só se destruía. Ele era destrutivo sim.
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Aderaldo Luciano: Tempos do bom Forró e Suíte Nordestina

O IPHAN recebeu o pedido para transformar o Forró em Patrimônio Imaterial do Brasil. Mesmo que o órgão não consiga prosseguir, depois falarei sobre isso, independente de qualquer querer das elites, o forró é a música patrimonial do Brasil. E todos sabemos que o Brasil não é só samba, sertanejo, axé e funk. 

O Brasil é verdadeiramente uma grande sala de chão batido, uma sala de reboco, com folhas de eucalipto espalhadas e lá no canto da parede um trio tocando sanfona, triângulo e melê. Quem não souber o que é um melê, procure saber, forrozeiro não é.

A juventude forrozeira tem como base para seu gosto, geralmente, os acordes de Luiz Gonzaga, as sincopadas de Jackson, a genialidade de Dominguinhos e a leveza de Sivuca. De vez em quando adentram no universo dos trios e têm no Trio Nordestino a voz das vozes de Lindú; entram pelo swing de Os Três do Nordeste, com Parafuso rodopiando assustadoramente; entranham-se pelo Trio Mossoró, com a identidade mais sertaneja de João Mossoró; alguns distanciam-se um pouco mais no tempo e chegam ao Trio Nagô ou ao Trio Marayá.

Mas quero trazer para os amantes da arte forrozal quatro pilares para nossa sala. Não sei mais qual foi o ano no qual estreamos na Rádio Serrana de Araruna, ZYI 692, AM 590, aos domingos, entre 6 e 9 das manhãs paraibanas. Éramos três a escrever o Suíte Nordestina: Ney Vital Guedes, Pedro Freire e eu. Depois veio Ednaldo da Silva, o Dina. Procurávamos não ficar na mesmice e vivíamos a vasculhar as feiras do brejo em busca de discos de artistas anônimos e outros que não chegavam em nosso cidade. Os sebos de Campina Grande e João Pessoa eram vasculhados, visita a amigos da zona rural, era uma caçada épica. No repertório dos discos de vinil tocávamos não os carros chefes, mas músicas de boa qualidade escondidas nas 12 faixas tradicionais.

Nessas buscas encontramos o magnífico Azulão. A primeira canção do mestre de Caruaru que toquei no rádio foi Apanhadeira de Café, de Brito Lucena e Azulão. Uma marchinha que eu ouvia de Xuxu, um vizinho que, quando bebia, a cantava com uma emoção de doer o peito da gente. De Azulão a Jair Alves, cognominado O Barão do Baião, foi um pulo. 

Comprei o disco em Remígio e corri pra casa para ouvir. Chamou-me atenção o baião Aproveita a Maré, de Valdrido Silva e Humberto de Carvalho. Quando ouvi fiquei meio aéreo com um baião que não falava de seca, nem de amor perdido, mas do mar, das sereias e seus cantos. A eles, certa vez, juntou-se Assisão, que tempos depois viraria febre nas rádios com Eu Fiz Uma Fogueirinha. Mas Sebastião do Rojão foi quem surpreendeu-me com canções que iam entre o baião e o bolero, entre o rojão e a dor de cotovelo. Foram os quatro cavaleiros durante um bom tempo em minha radiola Aiko e nas ondas da Rádio Serrana, no Suíte Nordestina.
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