Numa realidade distópica, de guerras, apocalipse climático, teocracias, ditaduras, genocídios, um pequeno grupo nos propõe a utopia ecossocialista, para sonharmos além das lutas cotidianas dentro do sistema.
Lendo o texto de Michael Löwy, "O que é o ecossocialismo?", me surpreendeu que ele coloque na figura de Chico Mendes o exemplo desse delírio ecossocialista:
"Descobrimos que para garantir o futuro da Amazônia era necessário criar a figura da reserva extrativista como forma de preservar a Amazônia. [...] Nós entendemos, os seringueiros entendem, que a Amazônia não pode se transformar num santuário intocável. Por outro lado, entendemos, também, que há uma necessidade muito urgente de se evitar o desmatamento que está ameaçando a Amazônia e com isto está ameaçando até a vida de todos os povos do planeta. [...] O que nós queremos com a reserva extrativista? Que as terras sejam da União e que elas sejam de usufruto dos seringueiros ou dos trabalhadores que nela habitam, pois não são extrativistas só os seringueiros." (Apud LÖWY, pg. 15)
Um dia estava sentado no aeroporto de Brasília esperando um voo para Salvador. Então, um rapaz baiano que estava no Ministério do Meio Ambiente me reconheceu e veio conversar comigo. Esqueci o nome dele. Aí ele me disse:
— Estou chegando do Acre. Você sabia que Chico Mendes teve a ideia de criar as reservas extrativistas em uma conversa com Dom José Rodrigues?
Dom Rodrigues foi nosso bispo na Diocese de Juazeiro da Bahia por 27 anos.
Eu respondi:
— Não, não sabia.
Ele completou:
— Um dia Chico Mendes ligou para Dom Rodrigues e perguntou a ele o que era mesmo essa história das "Comunidades de Fundo de Pasto" no sertão baiano. Dom Rodrigues contou como eram essas comunidades a Chico Mendes. Daí veio a ideia de criar as reservas extrativistas.
Comunidades de Fundo de Pasto são áreas ocupadas há séculos pelas comunidades, onde a pastagem é livre e comum para todos. Hoje, reconhecidas pela Constituição Baiana de 1989, possuem proteção legal, ainda que tantas vezes frágil. Por exemplo, só a comunidade de Areia Grande, em Casa Nova, Bahia, tem uma área comum de 70 mil hectares e ali residem e vivem cerca de 400 famílias, aproximadamente 2 mil pessoas. Cada uma tem sua roça, sua casa, mas a área de pastagem e exploração da Caatinga é comum, serve para criação de animais, apicultura, madeira, aguadas etc.
Pois bem, quando sonhamos um futuro diferente para humanidade, particularmente o povo brasileiro, talvez nessas tradições culturais dos territórios – Fundo de Pasto, Indígenas, Quilombolas, Reservas Extrativistas, áreas do MST e outros Movimentos – possa estar o embrião do Ecossocialismo.
O que tem força ancestral enraizada na cultura, tem força descomunal.
Roberto Malvezzi
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