João Guimarães Rosa: Livro Grande Sertão Veredas completa 60 anos

O romance flui como o riacho, limitado por ambos os lados de terra e mato do cerrado (que é pra não perder o curso), numa longa narrativa oral entre os personagens, que são muitos. Riobaldo, um velho fazendeiro, declara sua experiência de vida a um interlocutor que jamais tem a palavra e cuja fala é apenas sugerida. Conta histórias de vingança, seus amores, perseguições, lutas pelo sertão de Minas Gerais, Goiás, e sul da Bahia. Tudo isso entremeado de reflexões um tanto quanto poéticas e filosóficas. Mas a verdade mesmo é que, ao redor de um mito universal, o autor conseguiu edificar uma obra de valor também universal e com elementos indígenas, até. É parida do meio. Autóctone que nem nativo da terra.

Ao se revisitar a obra de Guimarães Rosa, percebe-se a força e atualidade de seus livros. O que faz uma obra de arte ser considerada bela, eterna e sobreviver ao tempo é uma questão com muitas respostas. As hipóteses passam pelas grandes revoluções técnicas como o sfumato de Leonardo da Vinci, a grandeza e a beleza estética de Dante Alighieri ou a espiritualidade de Johann Sebastian Bach.

Suzi Sperber, professora de literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que a atemporalidade da obra de Guimarães Rosa se deve "à extraordinária beleza do texto e forma como ele trabalha com as palavras". Segundo ela, a obra dele nos obriga a abordá-la com a emoção e não com a razão. "Ele quer a derrota da razão. O leitor não é obrigado a ter conhecimentos literários para ser envolvido pelo texto", afirma.

O livro Grande sertão: veredas, a obra mais aclamada de João Guimarães Rosa.O livro publicado em 1956, Grande sertão: veredas foi escrito quatro anos depois de uma famosa viagem do autor pelo interior de Minas Gerais, acompanhando a condução de uma boiada. Rosa anotou exaustivamente dados concretos da realidade física e da cultura sertaneja, e esses registros – suas famosas cadernetas de viagem, que atualmente se encontram no Instituto de Estudos Brasileiros da USP – foram utilizados como matéria-prima que o escritor trabalhou esteticamente para compor os livros. As anotações incluíam dados sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja, usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias, enfim, tudo que lhe despertasse algum interesse.

A união desses dois universos, do homem que falava sete idiomas e possuía uma vasta cultura, com o apreciador da cultura popular, é, talvez, o traço mais característico de Rosa. Pesquisadores afirmam que percebem nas anotações a que teve acesso, que o autor gostava de conversar com as pessoas mais humildes. "As pessoas que não tiveram instrução, procuram palavras para exprimir aquilo que experienciam, criam novas palavras, imagens, ou transformam outras que conhecem, mas não sabem o que significa. Essas pessoas humildes abriram o caminho para que Rosa partisse nessa busca por novas palavras e imagens".
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