Selo "Discobertas" coloca nas lojas uma reedição dos discos de Jackson do Pandeiro

Neste mês de junho, o selo Discobertas coloca nas lojas uma reedição de inestimável apreço histórico. Três álbuns de carreira do paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982) estão de volta, em CD, com nova masterização e a reprodução dos encartes originais. São eles: O Cabra da Peste (1966), A Braza do Norte (1967) e É Sucesso (1968). Os três saem empacotados na caixa Jack do Pandeiro Anos 60 – 1966-1969 (R$ 100,00, em média), que ainda traz um quarto CD, exclusivo, contendo raridades desse período.
Marcelo Fróes, diretor do Discobertas e produtor executivo das reedições do selo, contou ao JORNAL DA PARAÍBA que pretende reeditar mais discos de Jackson do Pandeiro.

Para a tarefa, conta com o apoio imprescindível de Zé Gomes. “Ele é um grande amigo, o trabalho dele é excelente e a gente sempre bate bola”, confirma José Gomes, que além de ter herdado o talento musical do tio, também cuida do espólio do artista paraibano.

O selo já reeditou dois discos duplos do rei do ritmo que abrangem a produção fonográfica do paraibano nos anos 50, e ainda um CD ao vivo com um show raro (o Ao Vivo, de 2011, extraído de uma fita que o músico Jarbas Mariz, também paraibano, guardava em casa) e já negocia os títulos que o rei do ritmo lançou a partir dos anos 1970.

“O grande problema são as gravadoras. Elas não fazem (as reedições), nem deixam a gente fazer”, lamenta José Gomes, comentando o desafio que é conseguir relançar, sobretudo, os álbuns que Jackson gravou para a Phillips (hoje, no catálogo da Universal Music).

Fonte: Jornal da Paraíba-André Cananea/Selo Discoberta
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Caruaru: Um Brasil que precisa conhecer o Alto do Moura e a arte do Mestre Vitalino

O Alto do Moura é um bairro de Caruaru, município do agreste pernambucano, onde se concentra uma comunidade de artistas do artesanato do barro. O Alto do Moura está localizado a cerca de 7 km do centro da cidade, é considerado, pela Unesco,  o maior centro de arte figurativa das Américas.

Pesquisas apontam que antes do século XVI, a região fazia parte de um território compreendido entre a Bahia e o Maranhão, habitado pelos índios Kariris, que possuiam uma produção de cerâmica de barro rústica.  Fazendo-se uma comparação da cerâmica utilitária produzida pelos loucerios de barro da região, até a metade do século XX, nota-se que há uma grande influência da cultura indígena, assim como a existência também de algumas práticas  introduzidas pelos negros e pelos portugueses.

Antigamente, a confecção de potes, jarras, moringas (chamadas no Nordeste de quartinhas) e outros utensílios domésticos era uma tarefa restrita às mulheres e às crianças. As técnicas utilizadas por elas eram muito semelhantes  a dos indígenas e a tradição era transmitida de mãe para filha nas atividades domésticas.

Com o progresso e o desenvolvimento urbano, durante a primeira metade do século XX, a produção se transformou, cada vez mais, numa fonte de renda auxiliar para a subsistência da familias da zona rural.

Um dos principais fatores para o aumento da produção de cerâmica de barro na região foi a existência da Feira de Caruaru, onde se poderia comercializar os objetos confeccionados com mais facilidade.

Mesmo assim,  até o final da década de 1940, a economia do  Alto do Moura dependia basicamente da agricultura de subsistência familiar, com pequenas culturas de milho e mandioca.

A partir da ida de Vitalino para o local, em 1948, houve uma nova perspectiva para a comunidade. A fama nacional do Mestre contribuiu para facilitar a comercialização das peças, tornando-se uma atividade lucrativa. O trabalho deixou então de ser unicamente feminino, passando os homens a aderir à prática da cerâmica figurativa de barro.

No Alto do Moura, os artistas trabalham nas suas casas,  modelando o barro e criando diversos objetos e figuras de todos os tipos. Suas casas são verdadeiros ateliês onde, além de criar, eles vendem o produto do seu trabalho. Os temas básicos dos artesãos são motivos folclóricos e que retratam o cotidiano do homem sertanejo: o bumba-meu-boi, o maracatu, as bandas de pífano, os retirantes da seca, o cangaço e os cangaceiros, principalmente os famosos Lampião e Maria Bonita, o vaqueiro, a vaquejada, o casamento e o enterro na zona rural.

Em 1971, a casa onde viveu  Vitalino Pereira dos Santos (1909-1963) foi transformada na Casa Museu Mestre Vitalino. No local, são expostos suas principais peças, objetos pessoais, fotografias, mostrando um pouco da história do famoso artesão caruaruense. Construída em 1959, a casa sofreu alguns reparos para se transformar em museu, mas conservou a estrutura original em tijolo cru. Estima-se a produção original de Vitalino em cerca de 130 peças, que continuam sendo reproduzidas por seus filhos, netos e bisnetos. As peças mais valorizadas são as da primeira fase de sua obra, cujos bonecos têm os olhos vazados e não pintados. Na Casa Museu a entrada é gratuita. Um dos filhos de Vitalino é o guia e também o administrador do museu.

Fica também localizada no Alto do Moura a Casa Museu Mestre Galdino, que abriga diversas peças de barro, fotografias e poesias, que mostram a história do artesão, cantador de viola e poeta popular Manuel Galdino de Freitas (1929-1996).

Um dos seguidores de Vitalino, Manuel Eudócio – agraciado em 2009 com o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco – é um dos famosos bonequeiros do Alto do Moura, assim como seu cunhado, Zé Caboclo (José Antonio da Silva, 1921-1973) também o foi.

Em 1990, a comunidade já contava com mais de quinhentos artesãos trabalhando diretamente com a cerâmica figurativa.

Mestre Vitalino se notabiliza por suas figuras inspiradas nas crenças populares, em cenas do universo rural e urbano, no cotidiano, nos rituais e no imaginário da população do sertão nordestino brasileiro. Ainda criança, começa a modelar pequenos animais de seu repertório rural: boi, bode, burro e cavalo. Na década de 1930, possivelmente influenciado pelos conflitos armados do período, modela seus primeiros grupos, formados por figuras de cangaceiros, soldados, bacharéis e políticos. No início, a cor é obtida por meio de argilas de diferentes tons, avermelhado e branco. Depois, Vitalino pinta os bonecos com tintas industriais, o que lhes confere um aspecto alegre e lúdico. A partir de 1953, deixa de pintar as figuras, mantendo-as na cor da argila queimada.

Sem se preocupar com a concorrência, não se incomoda que outros artesãos observem seu trabalho, imitem sua técnica e suas inovações de motivos. Vitalino deixa vários discípulos, como Zé Rodrigues e Zé Caboclo, além de filhos e netos, que seguem produzindo trabalhos de cerâmica com o mesmo repertório temático e o vocabulário formal criado por ele.

 Boa parte de seus trabalhos se refere aos três principais ritos de passagem: nascimento, casamento e morte. As cenas de batizados são como crônicas do cenário rural.

Além do artesanato do barro, o Alto do Moura possui bares e restaurantes especializados na culinária pernambucana, principalmente em pratos feitos com a carne de bode e carne de sol.

Fonte: Fotos Arquivo Ney Vital-
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Documentário que revela vida e obra do sanfoneiro Dominguinhos entra em cartaz nesta quinta-feira em Garanhuns

Entra em cartaz nesta quinta-feira (05), em Garanhuns (PE), o documentário “Dominguinhos”. Dirigido pelo diretor de
vídeos de peças teatrais Joaquim Castro, junto com o pianista e compositor Eduardo Nazarian e a cantora Mariana Aydar, a obra revela a vida do músico José Domingos de Moraes de maneira aprofundada, apresentando imagens de arquivo, narrações do próprio sanfoneiro e declarações de inúmeros artistas do Brasil. A estreia acontece às 20h30min, no Cine Eldorado, localizado na Avenida Rui Barbosa, nº 1071, bairro Heliópolis.

O documentário também estará sendo exibido, no mesmo dia, em cinemas de Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB). Na “Cidade das Flores”, o valor do ingresso varia de acordo com o dia da semana. Nas segundas e quartas a entrada custará 8,00 reais; terças e quintas, a inteira é 16,00 reais e a meia fica por 8,00; já na sexta, sábado e domingo, o ingresso de entrada inteira é no valor de 18,00 reais, sendo, a meia entrada por 9,00 reais.

Trechos de shows célebres estão inclusos nos mais de 80 minutos de duração do longa. Entre eles, a direção evidencia uma apresentação bem humorada de Dominguinhos com Luiz Gonzaga. Além disso, o público poderá conferir cenas de seu primeiro casamento e de sua parceria de vida e de música com Anastácia. Para a produção do vídeo, foi realizada uma extensa pesquisa de acervos nacionais e internacionais.

Conversa especial – No sábado (07), ao término da sessão, o público poderá participar de um bate-papo com Joaquim Castro, um dos diretores do documentário e com o professor Antônio Vilela, autor de um livro sobre o homenageado.


Fonte: Ascom Garanhuns-Cloves Teodorico
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Campanha alerta e mobiliza população para necessidade de revitalizar Rio São Francisco

Dia Nacional em Defesa do Velho Chico, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco promove hoje (3) campanha para mobilizar a população de várias cidades às margens do rio. O objetivo da campanha “Eu viro carranca pra defender o Velho Chico” é alertar o Poder Público sobre a importância de revitalizar o rio e focar em um planejamento a médio e longo prara o São Francisco. 

Para o presidente da entidade, Anivaldo Miranda, “a campanha é urgente em uma época de mudanças climáticas, quando temos que aprofundar, intensificar e organizar melhor a gestão de recursos hídricos”.

Segundo ele, uma das grandes batalhas enfrentadas pelo Rio São Francisco é demostrar para o Estado que sua revitalização deve ser vista como parte de um projeto estratégico para o presente e o futuro. “A população não deixa de crescer, as atividades econômicas se multiplicam, o clima torna essa região mais problemática. Ou nós mudamos nossa cultura, ou nós vamos evidentemente observar a intensificação dos conflitos.”

Miranda aponta os vários projetos de uso de recursos hídricos da Bacia do São Francisco, como o corredor multimodal, o projeto da transposição, a expansão dos perímetros irrigados e os canais estaduais. “São projetos que o Poder Público municipal, estadual e federal realiza sem se perguntar até onde vai a capacidade da bacia para atender a todos. Para que os projetos se realizem, precisa ter vazão garantida.”

O presidente do comitê alerta também para a situação crítica que vive o rio pela estiagem prolongada – a pior em 50 anos, agravada pela redução da vazão nos reservatórios. Para Miranda, a situação é desafiadora. “Desde 2001, está sendo praticada a redução de vazão para atender às hidrelétricas. Eles usam esse recurso que tem um custo ambiental, social e econômico para os demais usuários da água e as hidrelétricas não se manifestam sobre a devida compensação financeira que devem fazer.”

Ele cita também as outorgas dadas pelos estados em rios afluentes da bacia. “Muitos estados ainda não fizeram um trabalho consistente de elaborar seus planos diretores de bacia, mas estão dando outorgas. Fazer isso sem saber a condição do aquífero é como dar um cheque em branco, e o sistema de outorgas é uma farra de cheques em branco, então é preciso fazer essa revisão.”

O presidente do comitê propõe a articulação do chamado Pacto das Águas, por meio do qual se estabeleceria a gestão articulada dos recursos da bacia hidrográfica.             


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Obra de Luiz Gonzaga, Rei do Baião ganha codificação em livro

Em meados dos anos 2000, os músicos Climério de Oliveira Santos e Tarcísio Soares Resende conceberam um songbook diferente, que sintetizava a essência dos maracatus de baque solto e virado, lançado em 2005. Idealizado já para uma série, batizada de Batuque Book, o trabalho teve continuidade com a um volume sobre caboclinho, em 2009, e um DVD, também sobre maracatu, em 2011. Agora Climério traz o terceiro volume da série, Forró: a codificação de Luiz Gonzaga, no qual destrincha a obra do Rei do Baião.

O lançamento oficial ocorreu no museu Cais do Sertão (Bairro do Recife). Na ocasião, o autor e sua banda realizaram  um pocket-show tendo como convidados os cantores Herbert Lucena e Maciel Melo e o sanfoneiro Gennaro.

Segundo o autor, a codificação “é tudo o que Gonzaga fez, com 40 parceiros de composição, tudo o que é atribuído a ele”. “É essa persona, todo o som atribuído a Gonzaga”, conta.

Diferentemente do primeiro songbook, que teve 80% de partituras e 20% de textos, Forró possui no livro 10% de partituras, que agora estão num DVD multimídia - que substitui o tradicional CD.

Fonte: Memorial Cais do Sertão
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Azulão e Alceu Valença abrem o São João de Caruaru no Parque de Eventos Luiz Lua Gonzaga

O dia de começar o arrasta-pé chegou. A partir deste sábado (31), o Parque de Evento Luiz “Lua” Gonzaga, em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, será tomando por turistas de todas as partes do país dispostos a dançar forró e se divertir no Maior São João do Mundo. Na noite de abertura da festa, sobem ao palco principal o caruaruense Azulão, o pernambucano Alceu Valença, além do cantor Dorgival Dantas e a banda Brucelose.
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Eliane Brum: O Adeus de Ana das Carrancas a Zé Vicente (2008)

Fonte: Jornal Zero Hora- Eliane Brum, com fotos de Denise Adams-2008)

Denise Adams
Denise Adams
Denise Adams
Ana Leopoldina Santos Lima era o nome dela. Isso muito antes de o barro moldar seu destino lhe dando por amor um homem que não tinha olhos para enxergá-la. Os monstros gerados pelas mãos de Ana eram cegos como o companheiro de sua vida. Com um golpe rápido, certeiro, ela vazava os olhos de suas criaturas com a ponta de um pedaço de pau. Com Ana era assim, a desgraça virava épico. Ao morrer, na quarta-feira passada (1º/10), aos 85 anos, a maior carranqueira do São Francisco voltou ao barro que a fez. E deixou Zé dos Barros, pela primeira vez, na escuridão.
Ela era uma mulher de solenidades. Não falava, entoava. “Minha vida é extensa...”, era a frase com que iniciava a narrativa. Analfabeta, fazia literatura pela boca. E mesmo limitada por uma seqüência de derrames, parte dos dedos com que tocava a lama do mundo paralisados, Ana era grande. Carregava nos gestos uma largura de alma. E o rio era seu espelho em mais de um sentido. A mulher que moldava o barro do chão só pisava o reflexo do céu. 

Ana das Carrancas costumava dizer que sua arte era a síntese de seu amor por um cego que via o mundo mas não era visto por ele. Entre ela e Zé dos Barros nunca se soube quem era criador, quem era criatura. Ela já veio ao mundo retirante, na cidade pernambucana de Ouricuri. Mas diferente de quase todos, nunca lamentou a terra estéril sob seus pés. A estirpe de mulheres da qual era continuidade moldava pratos, panelas, vasos. Ana aprendeu com a mãe, e antes dela a avó, que do barro se arranca tudo, até a vida.
Uns poucos anos depois dela, José Vicente de Barros nasceu em Jenipapo, outro canto sertanejo. Desembarcou na vida sem olhos, por culpa do amor incestuoso entre primo-irmãos. Desde cedo a ele ensinaram que “quando Deus faz uma criança sem vista é porque quer que ela sobreviva como pedinte”. Para se localizar na escuridão, desde menino ele balançava a cabeça. E nesse de lá pra cá, de cá pra lá, encontrava equilíbrio mesmo nas trevas.
Ana e Zé só cruzaram seus pés descalços quase trinta anos mais tarde. Ana tornara-se viúva desde que seu marido despencara de um pau-de-arara. Conheceu Zé pedindo esmolas na feira de Picos. Ele balançava guizos, cantava cantigas. Mas era um cego desaforado por anos ouvindo os meninos mangando dele, pegando nele. Ana, não. Era resignada, como costumam ser as mulheres com fome e filhos para dar de comer. Ana dava comida a Zé sem que ele precisasse implorar.
Como Zé acreditava que homem sem olhos não tinha direito à mulher, Ana precisou criar ela mesma o enredo de seu romance. Era uma Sexta-Feira da Paixão, tempo prenhe de possibilidades, já que até Cristo ressuscitaria em seguida. Ana aproveitou-se da data e aconselhou a Zé: “Peça uma esposa no modelo de Nossa Senhora. Uma que seja mãe e mulher”. Zé não entendeu bem, mas não quis discutir com amiga tão prestativa. Por três vezes clamou, como manda a tradição: “Minha virgem Nossa Senhora, vosso bento filho ressuscitou agora. Eu quero que me dê uma esposa no vosso modelo. Mãe e mulher”. 

Nem assim Zé compreendeu. Oito dias depois pediu a irmã de Ana em casamento. Mesmo sendo “moça-velha”, a escolhida renegou. “Se eu quisesse casar, teria casado com um de vista. Não quero saber de homem que balança a cabeça”, recusou a eleita. Ferida de morte, Ana sentenciou: “Não se orgulhe, minha irmã, que cego não é demônio. Cego é humano como qualquer cristão”. Desta vez, Zé despertou. Pediu a moça certa em matrimônio. E passaram a dividir teto e misérias: Ana na feira, Zé nos guizos.
Um dia a vizinha abordou Ana na rua. “Desenteirei açúcar do meu filho para dar esmola a Zé”, queixou-se. O rosto de Ana queimou de vergonha. Tirou uma nota do bolso e retrucou: “Enteire de novo o açúcar do seu filho. Por Zé ele não vai passar fome”. Naquela noite não dormiu. Sua tristeza não coube na rede que dividia com Zé. Quando acordou, chamou o marido e anunciou: “Meu velho, nunca lhe fiz um pedido. Mas hoje lhe peço. De agora em diante, você não vai mais pedir esmola". Assustado, Zé rebateu: “Deus me fez sem vista para que eu pedisse esmola”. Ana fincou pé: “De hoje em diante sua vista é a minha. Você pisa o barro, eu faço a peça. Nós vamos levar para a feira, nós vamos ser felizes”.
Ana pegou a enxada e caminhou até as margens do São Francisco, em Petrolina. Diante da fartura de líquidos, invocou o espírito do rio: “Meu grande Nosso Senhor São Francisco. Pelo poder que ostenta, pelas águas que estão correndo, do próprio barro melhore a nossa vida”. Ao terminar, juntou um bolo de lama e fez, sem que até hoje saiba como, a primeira carranca. Começou levando na feira, suportando calada riso e maldades. “É tão feia quanto a dona”, cutucavam. No dia seguinte, em vez de uma, Ana levava duas. Até que caiu nas graças dos turistas e dos ricos da cidade e, de lá, suas obras ganharam o mundo. Ela então deixou de ser Ana do Cego e virou Ana das Carrancas. E ele virou Zé dos Barros.
Denise Adams
Denise Adams
As carrancas de Ana são diferentes de todas as outras que, desde o final do século XIX, apontaram a face horrenda na proa das barcas do São Francisco. A maioria dos carranqueiros célebres esculpe em madeira, Ana, em barro. Mas a maior singularidade são mesmo os olhos vazados do seu monstro. São eles que dão a expressão melancólica, contendo mais sofrimento do que ameaça, à obra de Ana. É do feminino que Ana tira sua carranca dilacerada diante da dor do mundo.
“Os olhos vazados da carranca são uma homenagem a ele. O Zé pisa o barro, prepara o bolo, faz a forma no pensamento. Eu moldo. Furo o nariz, as orelhas. Então, toco um pedaço de pau bem feitinho no olho”, me contou ela, anos atrás. “Não me sinto bem furando os olhos. Furo com pena, com dor. É como estar judiando dele. Porque todas são ele. Então, digo: '‘Olha, meu velho, homenagem a Zé Vicente de Barros'. Fico aliviada, porque lembro que faço por amor a ele." Sacudindo a cabeça para lá e para cá, Zé dos Barros concluía: “Eu era um bicho. Virei gente. Esta mulher me fez”.
Os traços deformados das carrancas de Ana expressam, pelo avesso, a perfeição de seu amor. É este sentimento avassalador que tomava conta de Ana, anos atrás, quando ela começou a pressentir que o fio de sua vida atingia seu cumprimento. “O barro é como gente. Tem o barro ruim e o barro bom. E até o barro regular. Conhecendo o barro se conhece o mundo”, sussurrava ela. “O barro é o começo e o fim de tudo. Sem ele não sou ninguém. Foi ele que me deu o direito. Não me separo dele pra coisa nenhuma, porque eu amo aquilo que ama a mim. O barro é um caco de mim.”
As lágrimas abriam então sulcos em sua face. Por um momento, ela assemelhava-se à sua criação. Movia o rosto em direção a Zé, que não a via com os olhos, mas era o único a abarcá-la por completo. Ana então dizia: “Não estou pedindo a morte. Mas quando eu me for, qualquer pedacinho de orelha, nariz ou olho é lembrança dele. E de mim”. 
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