PRECEITOS ECOLÓGICOS DO PADRE CÍCERO: UMA VISÃO AGROECOLÓGICA

 Não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau

 Não toque fogo no roçado nem na caatinga

Não cace mais e deixe os bichos viverem

Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer

 Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza

Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água de chuva

 Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta

Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só

Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca

Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gato melhorando e o povo terá sempre o que comer

Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai vivar um deserto só. (Padre Cícero)


A Agroecologia é uma ciência contemporânea que utiliza conhecimentos atuais e antigos para compreender a dinâmica de organização dos ecossistemas com a interferência dos grupos humanos: os agroecossistemas (GLIESSMAM, 2000).Os conhecimentos acumulados através de anos de convivência com estes agroecossistemas (com todas as suas interligações de fluxos energéticos) são referenciados como as bases epistemológicas desta ciência, através do acúmulo de saberes de diversas épocas da história humana, que, como já foi dito, são advindos de diferentes áreas do conhecimento humano (saberes agrários, sociais e ambientais), originários das universidades e centros de pesquisas (conhecimento científico), mas também da experiência vivenciada por personagens do povo (conhecimento empírico), considerando que os saberes empíricos e científicos podem levar a informações essenciais para a construção do saber agroecológico experimentado pelo atores envolvidos e cientificamente provado pela pesquisa clássica (ALTIERI, 2002; PRIMAVESI, 2002; CHABOUSOU, 2006). Sendo assim, esta ciência é uma fonte de contato entre o mundo acadêmico e o popular, disseminando informação produzida com a contribuição das mais variadas camadas da população, desde simples camponeses até catedráticos das mais importantes instituições de ensino e pesquisa (GLIESSMAM, 2000; ALTIERI, 2002).

Dentre os inúmeros personagens relatados pela retórica desta ciência, podemos destacar um ícone da interligação entre as camadas populacionais, personagem que viveu entre o fim do século XIX e início do século XX, no nordeste brasileiro, tendo como papel principal de sua história de vida a premissa de religioso. Porém, destacava-se por ações que transpunham o arcabouço da religião e chegavam a níveis de organização social e política. Este personagem histórico e social é chamado de Cícero Romão Batista (DELLA CAVA, 1985).

Cícero Romão Batista nasceu na cidade do Crato, em 24 de março de 1844, e faleceu em Juazeiro do Norte, em 20 de julho de 1934. Ele era conhecido como Padre Cícero, ou, mais coloquialmente, “Padim Ciço”. O início da carreira eclesiástica foi em 1865, na cidade de Fortaleza; foi ordenado padre em 1870 e, em 1872, nomeado vigário de Juazeiro do Norte. Após diversos acontecimentos religiosos na paróquia que dirigia foi acusado de mistificação (manipulação da crença popular) e heresia (desrespeito às normas canônicas). Mesmo assim, com diversas punições, continuou a exercer o papel de sacerdote (ARAUJO, 2005).

Já em meados de 1911, foi eleito prefeito do Juazeiro do Norte, engajando-se em disputas políticas entre os oligarcas cearenses e as tropas federais, enviadas para uma intervenção – que culminou na Revolta do Juazeiro. Cícero usou sua popularidade para convencer os fiéis a pegarem em armas, e obrigou o governo federal a recuar. Posteriormente, foi nomeado vice-governador do Ceará e eleito Deputado Federal, mas, como não queria deixar Juazeiro, jamais exerceu nenhum desses cargos. Até sua morte, aos 90 anos, foi uma das mais expressivas figuras políticas do Estado do Ceará (DELLA CAVA, 1985; SILVA, 2013).

Pesava sobre si o título de sacerdote do catolicismo romano e mantinha influência sob a vida de inúmeras camadas populacionais encontradas em sua localidade e época. Figura que é mais conhecida pelos nordestinos como Padre Cícero, que pregava mensagens da sua fé (foco principal) mas não deixava de lado questões políticas e sociais no Cariri do Ceará, ainda quando quase ninguém falava em Ecologia no mundo (das relações entre o homem e a natureza e suas interligações no agroecossistema), ele já apresentava um discurso simples e entendido por muitos, que delimitava então premissas de utilização dos recursos naturais do Sertão do Nordeste Brasileiro (ARAUJO, 2005; SILVA, 2013).

Sendo desta maneira uma espécie de pioneiro das ideias ecológicas pregadas no sertão nordestino, pode-se dizer que ele prestou uma importante contribuição servindo para alicerçar as bases epistemológicas da Agroecologia nesta região (ALTIERI, 2002).

Porém, a literatura ainda é carente da interligação entre as ideias do religioso e sua verdadeira aplicabilidade aos conceitos ecológicos de manejo e convívio com o agroecossistema, e, diante deste exposto, este trabalho tem como foco o embasamento teórico dos ensinamentos de base ecológica proferidos por Padre Cícero de acordo com os princípios da Agroecologia, através da comparação de informações atribuídas ao religioso e a aos escritores atuais sobre o tema.

MÉTODO: O procedimento utilizado na organização deste trabalho tem como base a reunião de textos divulgados no meio científico, todos disponíveis na internet, sobre os ensinamentos ecológicos do Padre Cícero e sobre os preceitos da Agroecologia. Logo, estes dados foram reunidos, compilados e descritos de maneira clara.

Resultados e discussões: Segundo Araujo (2005), o sertão nordestino na época do Padre Cícero não era diferente do cenário atual: vastos e frequentes períodos de estiagem, pouca informação disponível acerca das possibilidades que o bioma pode oferecer aos seus moradores, e partindo para a questão social existia uma fé inabalável que os processos ambientais naturais poderiam ser amenizados pela utilização de mecanismos simples pelo próprio agricultor e que o jugo dos governantes locais que não se preocupavam com a sustentabilidade local poderiam ser dissolvidos, levando assim a um quadro real, não utópico, de convivência com o semiárido.

Ainda segundo este mesmo autor, a figura de Padre Cícero, além de todo seu conhecimento filosófico acerca das doutrinas católicas, apresentava conhecimento sobre determinados conceitos ecológicos, bastante semelhante aos conceitos básicos pregados pela Agroecologia atual, e como esta prevê a junção de saberes empíricos e científicos (acadêmicos) na produção dos “saberes agroecológicos”, segundo o que relata Altieri (2002), é válida a interpretação baseada nos paradigmas da Agroecologia.

Silva (2013) cita os preceitos ecológicos do Padre Cícero, e as informações contidas nestes ensinamentos são citadas de outra maneira, como conceitos de sustentabilidade por Gliessmam (2000), por Altieri (2002), por Primavesi (2002) e por Chabousou (2006), entre outros autores, sendo correlacionadas da seguinte maneira:

 “Não derrube o mato nem mesmo um pé de pau”: esta expressão refere-se ao desmatamento das áreas de mata nativa e faz ligação com o jargão popular para árvore, “pé de pau”.

A preservação de áreas de mata, seja ela nativa ou recuperada, plantada para fim, sendo ele comercial ou não, dentro dos limites de um determinado agroecossistema é de suma importância para a manutenção do ciclo energético local, tendo como um dos pontos primordiais a interligação entre os seres vivos que compõem o agroecossistema, tendo assim um papel de regulador para diversos processos ecológicos existentes na localidade.

Pode-se, então, citar como exemplo clássico desse sinergismo a disseminação dentro do agroecossistema de determinados indivíduos que cumpram um papel, no ciclo natural, de agentes de controle biológico de insetos-praga pelo agroecossistema.

Esta ideia corrobora com o discurso de Miranda (2009) que afirma que as grandes áreas com remanescentes florestais podem garantir a continuidade da sobrevivência dos vegetais, dos animais e a estabilização do meio ambiente, mas com a ação depredadora do homem, que desmatava para apoiar seu desenvolvimento social e econômico, essa vegetação natural apresentou um alto grau de diminuição e, atualmente, somente fragmentos de florestas podem ser encontrados em lugar das florestas nativas. Muitos destes trechos de vegetação natural apresentam pouca ou nenhuma ligação entre si, impedindo o trânsito animal, a disseminação de vegetais e outros seres, afetando assim a preservação dos seres do ecossistema.

Além de que é fato que os locais com matas, ou formações vegetais abundantes, são menos susceptíveis a ação de intempéries da natureza como, por exemplo, enxurradas; como descreve Brown (2003), a redução do efeito de enchentes e da erosão do solo, reciclagem da água pluvial e reparo da recarga dos mananciais de águas subterrâneas dependerão em segundo plano da desaceleração ou contenção do desmatamento, mas prioritariamente do nível de reflorestamento do agroecossistema, e da diminuição das perdas das camadas superficiais do solo.

Gliessmam (2000)atesta que um manejo consciente dos recursos florísticos de uma determinada área pode promover assim um aumento na capacidade produtiva local, gerando renda, e mesmo que a vegetação original esteja dizimada, operações de reflorestamento podem ser incluídas no manejo de um agroecossistema.

Primavesi (2002) determina como favorecer as potencialidades locais através da reorganização de um agroecossistema, imitando assim a maneira que se organizava a localidade antes que a ação antrópica a modificasse, levando em consideração vários pontos básicos. Pode-se destacar que se for restabelecida a “saúde” do agroecossistema por meio de fertilizações naturais do solo e plantas, melhorando as condições de vida dos seres habitantes do local, haverá, assim, um manejo consciente dos recursos, e não será necessária a depredação da vegetação, mas sim o convívio harmonioso entre os seres vivos do sistema.

“Não toque fogo no roçado nem na Caatinga”: o roçado é a área onde o camponês pratica a agricultura de subsistência e esta é sempre ligada à área de Caatinga (vegetação comum no nordeste brasileiro), da propriedade, em que esta prática é comum no país entre os agricultores, sendo útil na limpeza do terreno no início do manejo cultural, podendo em primeira instância favorecer a fertilidade do solo pela deposição de nutrientes que outrora estavam sob o solo na forma de matéria viva e que, após este processo, servem de fertilizante. Porém, esta prática causa um desequilíbrio biológico no solo, poluição ambiental, não sendo recomendado também pelos riscos de que um pequeno indício de fogo se torne um incêndio de grandes proporções.

Além disso, segundo Ferreira et al (2013), o efeito da queimada, em terrenos cultivados ou não, é altamente prejudicial ao meio ambiente pelo fato que as propriedades físicas, químicas e biológicas são alteradas, interferindo assim no estabelecimento de novas relações entre os seres que colonizarão o local e a matéria não-viva (matéria orgânica e mineral).  

Atrelado a isso, o manejo do solo com o fogo é bastante comum no Brasil, não só no nordeste brasileiro, porém, segundo Lepsch (2002), estes se apresentam como um vilão para o composto orgânico do solo, pois degrada a matéria orgânica acumulada e extermina uma boa parte dos microrganismos viventes neste ambiente.

Primavesi (2010) atesta que um manejo consciente das ervas espontâneas de um agroecossistema, que pode ser realizado com o uso do fogo de certa maneira pode ser atuante na composição do equilíbrio deste, porém seu uso deve ser bastante controlado, para que sempre haja a promoção de um sinergismo entre estas, e caso outras modalidades de manejo das ervas espontâneas possam ser empregados, a utilização da queimada pode ser extinta do manejo do agroecossistema.

“Não cace mais e deixe os bichos viverem”: com esta premissa a fauna selvagem é preservada, sendo fácil a continuação do fluxo energético normal dentro do agroecossistema, uma vez que o homem atual cultiva vegetais e cria animais domésticos para sua manutenção. A caça de subsistência é uma prática permitida por lei federal, que regulamenta que em caso de necessidade (manutenção da vida em comunidades tradicionais ou carentes) pode-se realizá-la; ela representa, em muitos casos, a principal fonte de proteína animal para as comunidades tradicionais de diferentes áreas tropicais.

Porém, existe outro fim para esta proteína animal: o comércio ilegal que gera divisas para os envolvidos nesta prática, sendo em algumas situações a única renda monetária de diversas famílias mais humildes.

Falta, então, a elaboração de planos sociais que possam servir de alternativas contra esta atividade, os quais devem compensar os ganhos obtidos com a caça e comercialização de animais silvestres, como por exemplo, a criação de animais silvestres em cativeiro, uma atividade que, se bem estruturada, pode contribuir para o melhor aproveitamento das áreas degradadas, minimizar a pressão de caça a médio e longo prazo, facilitar a obtenção de proteína animal, bem como atuar como uma fonte alternativa de renda às famílias (ROSAS, 2007)

Esta prática tem relação direta com o desenvolvimento demográfico, abreviando o ritmo da extinção de determinadas espécies, principalmente animais. Mas a pressão do aumento populacional não é o único fator por ela responsável; estão listados entre estes fatores, os desmatamentos, queimadas e caça comercial (FUCCIO et al, 2003)

“Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer”: um dos maiores problemas das áreas em que a produção pecuária tem relevância na cadeia produtiva local é o esgotamento das reservas naturais de pastagens, a perda de exemplares vegetais de inúmeras espécies, algumas podendo até estar em risco de extinção.

A criação intensiva favorece um manejo adequado das necessidades básicas dos rebanhos, e o descanso da área de pastejo perfaz a recuperação energética da forrageira utilizada pelos herbívoros.

Martha Jr. et al (2010) comenta que o uso intensivo do cerrado brasileiro principalmente para a pecuária extensiva, proporcionou significativos lucros de escala, sem duvida despontando como uma das principais divisas econômicas brasileiras, porém a viabilidade deste sistema agropecuário a longo prazo tem sido bastante questionada pelo seu alto custo ecológico.

Rodrigues et al (2013) enfatiza que as ações de pecuária extensiva no nordeste brasileiro têm sido uma mola propulsora para a ação de desertificação local e que mesmo com o aumento da qualidade da tecnologia utilizada é bastante fácil de serem encontrados locais em que não se pode mais trabalhar o solo com outra atividade agrícola e que mesmo a pecuária continua a ser implementada de maneira rudimentar, sem obter resultados produtivos condizentes com os fatores envolvidos.

Ainda estes autores incitam a adoção de sistemas de produção silvipastoris e agrossilvipastoris, que, por sua vez, podem ser boas alternativas geradoras de renda, principalmente, para a agricultura familiar, em virtude das áreas das propriedades serem diminutas e, com isto, a intensidade de uso ser maior.

“Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza”: a expressão descreve o plantio de cultivos agrícolas sem haver um manejo correto de curvas de nível ou até mesmo o plantio realizado na direção paralela ao curso natural das águas e também pelo manejo do solo com ervas espontâneas que possibilitem uma maior infiltração da água sem, no entanto, carreá-lo lugares de menor topografia. Sendo assim, esta medida é interessante para que se possa entender vários aspectos relevantes ao manejo do solo nos agroecossistemas: em primeiro lugar, a proteção dos lugares mais altos da propriedade como forma de conter/prevenir erosões, em segundo lugar, a lavoura em curva de nível é outro aspecto fundamental na sustentabilidade local, e a cobertura vegetal é importantíssima na retenção das partículas e da fertilidade do solo.

A manipulação do solo dentro de um agroecossistema deve agendar práticas que ofereçam um fundamento sustentável, como, por exemplo, o plantio em curvas de nível que acompanhem a topografia do local a ser trabalhado, pois um solo bem manejado, no qual pode-se encontrar uma diversidade de seres vivos de diferentes reinos, é fundamental para uma satisfatória produção agrícola, gerando assim um equilíbrio entre a produção agrícola e a biota do solo(FERREIRA et al, 2013).

Além disto, o manejo conjunto do solo com a vegetação de cobertura deste sistema pode prover indicativos de sustentabilidade como descrevem Rosa et al(2007), que estudaram em quintais agroflorestais no estado do Pará, na região do município de Bragança, a diversidade florística apresentada pela mistura entre áreas de mata amazônica e por policultivos; nesta localidade é a principal fonte de renda e trabalho familiar, pois propicia uma direta relação entre o homem e os recursos naturais através da utilização da natureza como parte integrante na geração de renda, onde segundo os autores, as espécies descritas são utilizadas para a alimentação (68,4%), para fins medicinais (14,5%), também como madeiras (13,2%) e o restante, cerca de 3,9%, é utilizado para outros fins.

“Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva”: as cisternas são grandes reservatórios de água potável que são construídas próximas a grandes áreas de captação, sendo elas naturais ou artificiais (exemplo marcante é um telhado de uma casa). É interessante a convivência com a escassez periódica de água, enfrentando isto através do armazenamento das águas pluviais próximo à residência dos agricultores.

  Em ambientes em que o déficit hídrico em algumas épocas do ano é sempre ocorrente, e que a severidade do mesmo é bastante pronunciada, toda e qualquer forma de captação de águas é válida para amenizar os efeitos da estiagem, porém devem ser implementadas atividades que possam trazer comodidade aos agricultores envolvidos.

Esta prática de acúmulo de água é bastante difundida no nordeste como relatam Cavalcante et al (2005), onde a construção de cisternas tem contribuído de forma significativa para amenizar a falta de água para as populações mais carentes do semiárido brasileiro, mas, infelizmente, a falta de conservação e manejo adequado das cisternas, tais como, falta de tampas, rachaduras, cordas e baldes utilizados para retirar a água e os diversos meios de transporte de água, têm proporcionado a contaminação da mesma.

“Reprise os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta”: as represas forçam que os materiais diversos trazidos pela força da água comecem a ser depositados no fundo dos mananciais, perfazendo assim um reduto de fertilidade, sem falar na maior infiltração de água no perfil do solo e até em alguns casos o represamento superficial da água que permite sua maior disponibilidade para infinitos usos no agroecossistema.

Neves et al (2012) descreve que o barramento superficial das águas pluviais pode ser utilizado para que seja construído um obstáculo à passagem da água e de diversos materiais por ela transportados, nos cursos de água são feitas referências a pequenos barramentos construídos para evitar ou reduzir o efeito nocivo do assoreamento dos rios, açudes e outras fontes d’água.

Os materiais transportados pelas águas vão se acumulando nos barramentos e formam aterros (patamares) horizontais, que, indiretamente, poderão ser utilizados para plantio de algumas culturas – arroz, batata doce, alguns capins, entre outros. Esta tecnologia, se bem adotada, além de controlar o assoreamento, poderá servir para acumular água (na superfície e no subsolo), durante períodos variáveis, para uso de culturas, animais e população, além de manter mais elevado o lençol freático, alimentando, por mais tempo, poços, cacimbões, cacimbas, bebedouros na área.

“Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou de outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só”: o plantio de árvores, ou florestamento, é uma premissa importante, pois assim a diversidade e a sustentabilidade do agroecossistema podem ser maximizadas. O plantio de espécies vegetais diferentes, e estas por sua vez tendo diversas utilidades no manejo local, pode indicar um fluxo de energia capaz de se manter com o mínimo de energia exógena ao sistema.

Nesta máxima são citadas espécies vegetais nativas, como o caju (Anarcadium occidentale), o sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia) e a algarobeira (Prosopis juliflora), que se trata de uma espécie exótica, e é demonstrada a necessidade do homem do campo povoar as suas terras com espécies que sejam multiuso, mesclando as espécies nativas e exóticas, para que o agroecossistema consiga suprir as suas próprias necessidades, sendo também enfatizada a utilização de espécies que apresentam rusticidade e um determinado grau de adaptabilidade às condições severas da localidade.

“Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca”: além do que a utilização de espécies nativas para fins diversos, como, por exemplo, a produção de forragem para o gado, promove uma resiliência às intempéries locais.

Primavese (2000), Gliessmam (2000) e Ferreira et al (2013) corroboram com esta sentença, ao passo que descrevem que um manejo correto da vegetação espontânea de um agroecossistema pode ser um fator muito importante para o equilíbrio do mesmo, apresentando os mesmos fatores acima citados no quesito acima –  porém com o agravante que as espécies citadas se enquadram segundo Nascimento e Alves (2008) nas plantas pioneiras, que aparecem no campo na hora em que começa a se recompor após a retirada da mata nativa, sendo espécies que vivem em lugares mais rústicos, propiciando condições para que as espécies secundárias e terciárias se desenvolvam.

A maniçoba (Manihot pseudoglaziovii) é um arbusto utilizado na alimentação dos animais pela sua grande quantidade de proteína, e a favela (Cnidoscolus phyllacanthus) apresenta função alimentícia para os animais e medicinal; ambas espécies fazem parte da família vegetativa das Euforbiáceas; e a jurema (Mimosa hostilis), também citada, é uma árvore com alto valor protéico utilizado na alimentação animal e madeira mole (MALVEZI, 2007; NASCIMENTO E ALVES, 2008).

“Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer”: este é um resumo da teoria da sustentabilidade, pois seguindo os preceitos acima explanados o agricultor terá oportunidades de manter-se no campo, vivendo em fartura, em todas as épocas do ano, sendo suficientes seus mantimentos para que na época da seca o camponês nem sinta seus efeitos, e ao findar este evento climático o mesmo não sinta falta de nenhum insumo em sua propriedade.

 Gliessmam (2000) declara que o homem que sabe conviver com a dinâmica natural do agroecossistema em que vive, entendendo os momentos de fartura como promotores de reservas para os momentos de escassez, poderá viver melhor do que aquele que não está ligado aos processos naturais do lugar onde vive.

“Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um deserto só”: esta “profecia” descreve a desertificação ocorrente não só no semiárido nordestino, mas em qualquer área em que os recursos naturais sejam explorados de maneira desordenada, perdendo assim a utilidade natural e provendo dois quadros: o primeiro, com um deserto nos padrões normais, com pouca atividade de seres vivos, ou um deserto verde, com a entrada das ideias da Revolução Verde, que só subjugam as populações, levando assim até o extremo caso da miséria.

CONCLUSÕES:  Os ensinamentos do Padre Cícero contêm uma riqueza singular em suas palavras, que ensinam preceitos básicos do convívio sustentável dentro de qualquer agroecossistema instalado em qualquer lugar, não só no semiárido brasileiro, com uma simplicidade e sabedoria que podem ser entendidos por diversos atores da sociedade, sendo muito interessante para a construção do pensamento Agroecológico da sociedade atual.

Em suma, foi explanado acima o entendimento de informações passadas por um líder religioso ao seu povo em que o papel da Agroecologia tem se mostrado novamente como ciência formadora de opinião do que se diz respeito ao desenvolvimento sustentável no agroecossistema, pela grande junção de saberes filosóficas, científicas e empíricas, que se completam completam e acrescentam possibilidades de interações mais harmoniosas, por meio de suas práticas tecnológicas um manejo adequado dos recursos naturais, ecológicos e sociais, onde estão inseridas as máximas pregadas pelo Padre Cícero, levando em consideração que as áreas produtivas devem ser entendidas em sua totalidade de relações naturais, ou seja, não levando em consideração somente aspectos produtivos, mas sendo enfática a necessidade do entendimento mais profundo acerca de todo o dinamismo local do semiárido brasileiro.

THIAGO COSTA FERREIRA-Técnico em Agropecuária pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB. Bacharel em Agroecologia pela UEPB. Mestrando em Agronomia/Fitopatologia (Patologia de Sementes) pela Universidade Federal de Lavras/UFLA.

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