DEUS ERA TOCADOR DE PIFE E FOI SOPRANDO NUM PIFE FEITO DE TABOCA, QUE DEU VIDA AO HOMEM COM SOPRO FIEL

Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel". (Aderaldo Luciano).

Uma das manifestações culturais mais emblemáticas da cultura são as bandas de pífano. Entra São João, e sai São João, e sempre se escuta falar nelas, mas tem muita gente que acha que uma banda de pífano são só aquelas bandinhas que tocam nos palcos menores [e esquecidos] do São João de Caruaru, sem saber do real valor e importância dessas bandas para a cultura e história do Nordeste e do país.

Antes de mais nada, é importante saber brevemente o que é uma banda de pífano. Segundo Onildo Almeida, antigamente, até a década de 60 não se chamava pela palavra “banda”, isso veio surgir depois, muito provavelmente por causa de influências do rock da Jovem Guarda [1]. Onildo ainda diz que o que existia era “a Zabumba de José, a zabumba de Mario…” e assim por diante. Mas existia outros nomes pra designar o grupo instrumental, como: Zabumba, Terno de Zabumba, Terno de Pife, Esquenta-mulher, Quebra-resguardo, Cabaçal, e outros [2].

O pífano (ou pife) é um tipo de flauta transversal feita em material cilíndrico (geralmente de Taboca, metal ou PVC) com 7 furos, um pra assoprar e 6 pra dedilhar, geralmente tem 3 tamanhos: “Régua Inteira”, “Três Quartos”, e “Régua Pequena”, onde quanto maior a grossura ou o tamanho do cano mais grave o som, e vice-versa [4].

No inicio de 1967, Gil viajou pa Recife pra fazer um show no Teatro Popular do Nordeste (TPN), que era uma espécie de ponto de encontro de intelectuais e artistas da época. Gil chegou em Recife exatamente no momento em que “nas ruas da capital pernambucana existia uma necessidade de renovação, uma vontade de criar novos sons e firmar uma identidade”. Nesses encontros com os artistas, Gil recebe um convite de Carlos Fernando para ir a Caruaru em um dos intervalos de seus shows conhecer “uma bandinha de pífanos muito boa” [3]. Jomard Muniz de Britto e Geraldo Azevedo estavam lá ministrando uma oficina, e foram todos juntos, incluindo ainda Mário Florêncio e Souza Pepeu, pro Clube Intermunicipal assistir a banda de pífanos. Essa apresentação emocionou muito Gil, que desde de então quis gravar a banda e colocar uma de suas músicas em um disco seu.

Foi nesse momento que Gil remeteu o som da banda de pifano ao album “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” dos Beatles, que tinha acabado de ser lançado [5] - em junho do mesmo ano - (em especial a música “Strawberry Fields Forever”, que segundo ele, lembrava muito “Pipoca Moderna”). Gil voltou pro RJ, e foi conversar com Caetano, com idéias de repensar a criação musical, propondo combinações na linguagem musical com uma perspectiva política (lembrando que eles estavam em plena ditadura militar). Gil basicamente propôs fundir essas influências do que vem de fora com o que o Brasil já tem, como Beatles e Banda de Pífano.

Foi basicamente por causa disso que no ano seguinte em 1968 que nasceu o “Panis et Circense”, e a partir daí se deu início a fase que nós chamamos de Tropicalismo.

Panis et Circense (1968)
Em referência a essa história que Geraldo Azevedo e Carlos Fernando escreveram a música “Forrozear”, gravada depois por Gil, e a partir daí, a banda de seu Sebastião, ficou conhecida como os “Os Beatles de Caruaru”.

Desde essa visita de Gil a Caruaru em 1967, ele teve a intenção de gravar a banda de pífanos e colocar uma das músicas em um disco seu. Em 1972 Gil volta do exílio com o intuito de fazer uma pesquisa sobre o folclore brasileiro e visita Caruaru com o intuito de manter contato e gravar alguma coisa da banda. Gil passou 3 dias na cidade, e em um sábado, quando a banda de pífanos estava tocando na frente de uma loja, o filho do prefeito chama o grupo e diz que: “tem um tal de Gilberto Gil aí querendo conhecer vocês”, e a banda não tinha nem ideia de quem era. 

Quando o grupo chegou a casa do prefeito, começaram a tocar várias músicas e depois Gil disse: “Muito bom, vocês tocam muito bem. Uma dessas músicas que eu gravei vai entrar no meu disco”. Logo depois disso, Gil tocou algumas músicas dele, e os integrantes do grupo acharam a música de Gil estranha, “não entenderam nada” [1]. Logo depois disso, o prefeito chamou o grupo pra almoçar e pagou um cachê pela gravação. O contato foi pouco, só uns 15 minutos mais ou menos, e a bandinha não “botou fé” nessa gravação de GIil, porque muitos já tinham prometido gravar e divulgar a banda, e até então nada.

Primeiro Disco:
A partir de umas influências de Gil, noticias da banda de pífano chegam aos ouvidos das gravadoras do RJ, e a CBS foi a primeira a procurá-los pra gravar um disco. Nessa época a gravadora tinha um departamento de música regional comandada por Abdias dos 8 baixos, que era por sua vez, amigo íntimo de Onildo Almeida. O combinado foi que a gravadora era responsável pela gravação e distribuição do disco, além de arcar com as despesas de hospedagem da banda no RJ se a prefeitura de Caruaru comprasse 500 cópias, e custeasse o transporte e a alimentação da banda. Tudo certo, o prefeito Anastácio topou e Onildo Almeida fez essa negociação entre a CBS e a prefeitura.

Onildo supervisionou a escolha das músicas, e consequentemente teve algumas influências, como algumas músicas suas no disco. O prefeito também deu uns pitacos e exigiu que entrasse no disco umas músicas que falasse de Caruaru, como “Caruaru Caruara” do radialista Lídio Cavalcante e “É tudo Caruaru” do médico Janduhy Finizola.

As fotos da capa, foram realizadas em um estúdio fotográfico do RJ e inspirada nas coreografias que a banda fazia nos shows além de umas orientações de Abdias [1].

Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru (1972)
A partir da década de 70, a banda consolida a carreira, e grava o segundo disco chamado “Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru - Volume dois”, em 1973.

Bandinha de Pífano Zabumba Caruaru (1973)
Pipoca Moderna:
Ainda em 1972, Gil pega uma das músicas gravadas naquele dia na casa do prefeito, em Caruaru e cumpre sua promessa, colocando ela como 1º faixa do seu mais novo disco “Expresso 2222”, lançado em 1972, a música “Pipoca Moderna”, de composição de Sebastião Biano da década de 60 - Além de conter no mesmo disco, logo na sequência, a música “Sai do Sereno” de composição de Onildo Almeida.

Gilberto Gil - Expresso 2222 (1972)
Gil colocou no disco, a música da gravação original, ou seja, a música toda instrumental. Apenas em 1975 que Caetano Veloso, coloca letra na música lançando no seu disco “Jóia” terminando de fundir a “Pipoca Moderna” na linguagem da música popular brasileira [3]. A partir daí, Caetano ganha co-autoria da música, e a banda de pífanos regrava ela, agora com letra, e em um andamento mais lento que a versão original instrumental, no seu 3º disco, em 1976, pela gravadora Continental em SP, chamado “Banda de pífano de Caruaru” [1] [3].

Caetano Veloso — Jóia (1975)
Banda de Pífano de Caruaru (1976)
Sobre a história da música “Pipoca Moderna”, o próprio Sebastião Biano fala que foi inspirado nas máquinas de fazer pipoca, em Caruaru, quando ele viu essas máquinas pela primeira vez. Ele só conhecia a pipoca feita na panela, na qual ele já tinha feito uma música chamada de “Pipoquinha”, inspirada no barulho do milho estourando. Quando ele viu pela primeira vez a pipoca da máquina ele espantado disse:

“Então, aquela pipoca bonita assim, eu botei um nome nela: pipoca moderna. Porque a outra pipoca é pequena, a que a gente faz em casa, mais miudinha. Eu inspirei outra música nela, “Pipoquinha”. E essa é uma pipoca muito bonita, bem alva, da cor de um pedaço de côco. Como é que pode ficar desse tamanho, uma pipoca desse tamanho? Aí inspirei a música. “Pipoca Moderna”. E ficou uma música bonita, viu. Ficou bonita.”

Discografia:
No total, a banda de pífano de Caruaru conta com 6 LPs e 1 CD, que além dos 3 primeiros já citados, tem mais esses:
Banda de Pífano de Caruaru (1979)
Disco produzido por Macus Vinicius, que era um grande incentivador de música folclórica. Nesse disco foram incluídas versões de clássicos já gravados anteriormente como “Briga do Cachorro com a onça”, “Pipoquinha” e “Pipoca Moderna - essa por sua vez, aparece em versão instrumental, parecida com que Gil gravou em 1972.

A Bandinha vai tocar (1980)
Segundo disco gravado por Marcus Vinicius, e nesse disco já tem uma mudança de repertório com a escolha de alguns clássicos do forró de autorias de outras pessoas, como Feira de Mangaio (Sivuca/Glória Gadelha), Forró em Limoeiro (de Edgar Ferreira, mas ficou conhecida com Jackson do Pandeiro) e São João do Carneirinho (Guio de Morais/Luiz Gonzaga)

Raízes do Pífano (1982)
Disco gravado em SP, quando a banda já estava morando lá. Detalhe que nesse disco, tem uma instrumentação nova que é a presença de um contrabaixo, cavaquinho e sanfona.

Tudo isso é São João (1999)
Depois de 17 anos sem gravar nada, a banda lança seu primeiro disco em CD, pela gravadora Trama, e a maioria das músicas são de autoria de outras pessoas [1].

Como se não bastasse, em pleno movimento Manguebeat a música “Pipoca Moderna” da banda de pífano também teve uma versão no 1º disco da banda Mestre Ambrósio em 1996.

Mestre Ambrósio — Mestre Ambrósio (1996)
Conclusão:
A partir dessa história, percebemos o valor simbólico e cultural da banda de Pífano de Caruaru, e com isso podemos enxergar as bandas de pífanos em geral com um olhar maior de importância, não só no São João, mas em todas as épocas do ano. Além da banda de seu Sebastião Biano, existe uma infinidade de outras bandas como a Banda de Pífano Zé do Estado e a Banda de Pífano Dois Irmão (banda de João do Pife), além das bandas mais atuais como a Banda de Pífano Vitoriano Jovem (banda de Andinho do Pife) e por aí vai.

Enfim, a história é grande, aqui foi apenas uma delas, e pra saber e conhecer mais sobre a história e a importância das bandas de pífano em Caruaru, sugiro visitar a Casa do Pife, localizada na Estação Ferroviária que tem mais um monte de material, além de perceber a importância de lugares de resistência e preservação da memória cultural de uma cidade como a Casa do Pife.

Franlim Junior *Texto originalmente escrito em 26/02/2015
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