Revista Globo Rural destaca criação de cabras e produção de queijo em Taperoá, Cariri da Paraíba

O Sertão permite muitos olhares: o mais comum une a terra rachada e seca a carcaças de animais mortos. Nem tão aparente, há um Sertão produtor, que busca a fertilidade insistentemente. E consegue encontrá-la. É nele que está encravada a Fazenda Carnaúba, em Taperoá, no Cariri paraibano, a 260 quilômetros da capital.

Numa mistura de sonho e persistência o engenheiro Manoel Dantas Vilar Filho e o escritor Ariano Suassuna (1927 – 2014), seu primo, conseguiram fazer brotar na Carnaúba uma fábrica artesanal de queijos premiados no Brasil – e que já despertam o interesse do mercado exterior.

O Laticínio Grupiara tem capacidade para produzir 1.500 litros de leite de cabra por dia, o que resulta em 180 quilos de queijo, o equivalente a 800 peças. Mas a conta aqui precisa ser revista pela seca, ou pela “desarrumação das águas”, como diz Manelito Dantas, referência e profundo conhecedor da região e de suas possibilidades, que completou 80 anos neste 2017. Depois de longo período de estiagem, a Carnaúba produz hoje 20% de sua capacidade.

É trabalho e a crença – e não lamento – que regem os dias da fazenda sertaneja. “O Brasil com o Nordeste seco bem incluído, tem a vocação e o destino de ser, também, a grande nação agropecuária, sobretudo pecuária, do mundo” defende Manelito.

O que hoje sedimenta e distingue os resultados da fazenda começou nos anos 1970, quando Ariano Suassuna e Manelito Dantas decidiram iniciar a criação de cabras, priorizando a escolha dos animais.

Queriam um rebanho nativo e precisaram formá-lo viajando Sertão adentro, visitando feiras, garimpando entre os criadores. Grupiara, o nome do laticínio, escolhido pelo autor de Auto da Compadecida, significa “veio de diamantes”, numa alusão à preciosidade que guarda a Carnaúba e seus queijos.

Em mais de 40 anos, erraram e acertaram; fizeram, desfizeram, refizeram. Mas havia fôlego e argumentos movendo a dupla: “A França, que tem um rebanho caprino estimado em apenas 960 mil cabeças, ganha uma fortuna com o leite e o queijo de suas cabras. O rebanho brasileiro de cabras é de 14 milhões, dos quais  11 milhões estão no Nordeste”, escreveu Ariano, em artigo publicado em maio de 2000, no jornal Folha de São Paulo, no qual justamente elogiava uma reportagem de GLOBO RURAL sobre a criação de cabras.

Em 1972, quando começaram a criação, tinham menos de 150 animais. Hoje são 2.300 cabras. O plantel de caprinos é composto por dez raças: parda sertaneja, moxotó, graúna, serrana azul, repartida, Canindé, marota, murciana preta, caoba e biritinga. Os animais se espalham pela caatinga, enfrentam o Sertão e provam que ali podem viver e resistir. “Sou dos que acreditam que só o sonho e a utopia são capazes de carregar a realidade do chão raso para o alto e para o sol”. Era assim, com poesia que Ariano falava de suas cabras.

Há mais do que poesia em Taperoá. “Produzir queijos no Sertão possibilita vivermos aqui, não precisar migrar para cidade e poder trabalhar no que gostamos e sabemos fazer, morar onde nos criamos, diz Joaquim Dantas Vilar, um dos cinco filhos de Manelito. Todos eles, de alguma forma, se envolvem com a produção dos queijos. “Fomos criados num ambiente riquíssimo de bons valores: produzir com qualidade, identidade. Valorizar nosso mundo é uma obrigação que nos deixa felizes e realizados”, reforça, demonstrando o que aprendeu com seu pai.

Os queijos do Sertão são vendidos em delicatessens, lojas especializadas e mercados espalhados pelo Brasil. Os produtores receberam convites para mostrá-los na França, país que venera, produz e consome como nenhum outro o queijo de cabra. Mas, há mais de dois anos, os queijeiros paraibanos travam uma batalha com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento da Agropecuária, que tem se recusado a renovar o registro dos produtos, alegando que eles precisam se adequar aos nomes do mercado – a maioria de origem estrangeira, como boursin ou chèvre.

Na Carnaúba, os queijos, temperados com ervas sertanejas, são chamados de cariri, arupiara e Borborema. As autoridades não aceitam as denominações; os queijeiros não admitem o uso de estrangeirismos em seus queijos. “Eles dizem que nossos nomes não existem. Que a gente tem de usar “tipo bursin”, “tipo camembert”. Mas isso vai de encontro a tudo o que estamos construindo, com suor e coragem, em nosso dia a dia”, avalia Joaquim.

A luta é parte da lida, sabem bem os sertanejos. Olhando para trás, Manelito Dantas descreve o que hoje vê em suas terras da Fazenda Carnaúba: “Enxergava que iríamos chegar onde estamos hoje. Uma mistura de sonho com consciência”.

Fonte: Revista Globo Rural – n. 378, Abril 2017
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