Fonte: Raymundo
Melo-Jornal do Dia Aracaju -Sergipe
A convite de minha nora, estudante do curso de Museologia da UFS, na
quarta-feira, 28 de maio de 2014, visitei o Museu da Gente Sergipana.
Identifiquei-me na entrada, registrando ser a minha primeira visita e espero
não seja a última porque ali tem muito mais coisas que preciso ver. Claro, não
vi tudo, o tempo de permanência naquela manhã foi curto e estou prometendo a
mim mesmo voltar para novas visitas.
Ao sair,
ofereceram-me um livro de registro e me foi facultado deixar alguma impressão
que julgasse justa. Não me furtei à oferta e após assinar deixei como impressão
uma única palavra: Chorei! E com ela quis dizer tudo que me veio à alma
imensamente admirada, repleta de respeito, carinho e saudade, evocação de
grandes lembranças, recordação afetuosa do período de ouro que vivi ali naquele
prédio bonito, suntuoso, repleto de memória e memórias.
Foram quatro anos e
três meses estudando e vivendo da 1.ª à 4.ª série do Curso Ginasial (a festa de
formatura - quanta lembrança), 1945 a 1948 e mais três meses de estudos no 1.º
ano do Curso Científico (1949) - fevereiro, março e abril -, quando tive de
interromper a vida de estudante com 16 anos de idade para assumir um emprego
com carteira de trabalho de capa vermelha, específica para trabalhador menor;
àquela época, o Colégio Atheneu Sergipense era dirigido com dedicação e
respeito pelo Professor Joaquim Vieira Sobral.
Só alguns anos depois, quando o
Colégio Tobias Barreto, sob a direção do Professor Alcebíades Mello Vilas Boas,
instalou o Curso Científico noturno é que pude fazer os estudos correspondentes
ao interrompido em 1949, três anos também vividos com muito respeito como
estudante de uma etapa curricular que hoje já não existe, foi incorporada no
sistema educacional com outra denominação - Ensino Médio, salvo engano. Mas, a
partir daí, a área de estudos enquadra-se em outra história.
E por que
chorei? Emoção e saudades. Emoção de ver o registro de pessoas e fatos da
história de Sergipe registrados com cuidado admirável, bens patrimoniais
acomodados com grande seriedade, alguns (como o fabuloso Carrossel de Tobias)
com restaurações de alto nível, além de histórico bem organizado e enriquecido
com textos importantes de escritores e poetas (Jacinto Figueiredo, Freire
Ribeiro, Murilo Mellins e tantos outros) o registro de figuras extraordinárias
que deram vida e arte a Sergipe (Zé Peixe - grande figura humana, J. Inácio,
Maria Thetis Nunes, a Professora Thetis que me levou a uma 2.ª época em
Geografia na 2.ª série ginasial e por quem mantive respeito e sempre trocávamos
algumas palavras a cada reencontro), e muito mais coisas, fatos e pessoas que
ainda quero rever, registrar e recordar.
E
saudades - dos professores Barreto Fontes, Monsenhor Alberto Bragança, Padre
Felix, Gentil Tavares, Felte Bezerra, Napoleão Dorea, Padre Gileno, José
Augusto da Rocha Lima, Paulo Bragazzi, Maria Sylvia, Maria Thetis, Zequinha
Cardoso, Zé Olino, Manoel Franco Freire, e tantos outros que com generosidade
nos transferiam saber.
Dos colegas, foram tantos, e naquele tempo, sem os
recursos da Informática, desapareceram da lembrança e reaparecem quando querem
com recordações de momentos e fatos. Cito - Hugo Costa, Odilon Mendonça, Paulo
Mendonça, Sidarta Gautama, José Vieira (Caranguejo), Chico Faro, Raymundo
Ribeiro, Pedrito Ribeiro, Gilvan Rocha, Walter Mendonça, Luiz Ariquitiba e
tantos outros que estão em minha memória de idoso mas os nomes ou apelidos me
fogem (reproduzo as imagens na mente mas os nomes não ficam).
Como eu gostaria
de rever o nosso quadro de formatura, Turma de 1948, alunos que, juntos,
capitaneados pelo Professor José Olino, fizemos uma viagem de estudo (termo
bonito) a Paulo Afonso - 25 ou 30 de nós na carroceria de um caminhão cedido
por um órgão público, sem qualquer proteção para o sol escaldante, estradas de
piçarra e uma viagem de 2 dias de ida Aracaju - Jeremoabo - Paulo Afonso e 2 de
volta porque o motorista precisava de um repouso. Éramos jovens e saudáveis
para aguentar a barra.
Revi as
salas onde estudei, hoje adaptadas para os registros do museu, lembrei o
Sargento Leite nos dando aulas na turma do Pré-militar, ensinando a armar e
desarmar um fuzil e nos falando com veemência sobre a trajectória da bala
quando disparada - era trajectória mesmo.
E então, tive que chorar, com emoção e saudade, passando dos 80, fica difícil
segurar.
O museu está completo? Não, ainda falta muito e breve virão. Como dizia Luiz
Antônio Barreto, o hoje só existe porque existiu o ontem, que deve ser lembrado
amanhã e registrado para depois, depois e depois.
Apegado às palavras de Luiz Antônio Barreto, me permito sugerir: João Mello,
Raimundo Santos (Perelué), Carnera (Ursino Fontes de Araujo Góes), Maestro
Genaro Plech, Dr. Osvaldo Leite (colecionador), Robson dos Anjos e tantos
outros, inclusive, a cantora e forrozeira Clemilda que ainda está viva e é bom
que seus testemunhos sejam colhidos enquanto ela poderá autenticá-los, e tantas
outras pessoas que enriqueceram, cada um a seu modo, a cultura sergipana.
Quanto ao
primeiro citado (João Mello), cantor, compositor, poeta, escritor, que viu-se
obrigado a sair de Sergipe por perseguição política já que era socialista
consciente, estudioso, e que ao compor a canção João Ventura foi fichado como
comunista (que ele não negava) e teve que partir para outros pontos do Brasil
(Salvador e Rio de Janeiro) onde pelo menos a sua veia artística pode ser
vivida no rádio, no disco e na televisão. Ele tem sido alvo de pesquisas de
estudantes aos quais forneço o que possuo mas seria ótimo que o Museu da Gente
Sergipana fosse também alvo dessas pesquisas para todo tempo.
Por oportuno, entrego ao acervo desse museu, 2 exemplares do livro "João
Ventura - Cidadão de Aracaju", onde João Mello (o próprio João Ventura)
narra em especial para sua terra por auto adesão detalhes de sua vida em
Sergipe, no Brasil e no mundo, já que sua obra chegou também, por diversos
caminhos, a vários outros países - da Argentina à China.
Esperando que o livro de João Mello (2 exemplares) possa ser útil ao registro e
às pesquisas que venham a ser desenvolvidas, deixo aqui consignado os meus
protestos de admiração e respeito.
* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br