O CORAÇÃO SELVAGEM DE BELCHIOR EM DOCUMENTÁRIO SERÁ EXIBIDO NESTA SEXTA

Ainda em Sobral (Ceará), ouvindo Ray Charles, Paul Anka, Luiz Gonzaga e João do Vale, um dos 23 filhos de Otávio e Dolores não desgrudava os ouvidos dos auto-falantes, que, no mix do teor pop dos Beatles e a admiração pela Tropicália, lhe fizeram a cabeça. 

Esses ramos de origem estão impressos no documentário Belchior — Apenas um coração selvagem, que traz a assinatura da dupla estreante no cinema, Natália Dias e Camilo Cavalcanti, integrando a programação do 27º Festival É tudo Verdade. 

Além de motivar debate às 15h (via YouTube), o filme terá exibição às 13h na plataforma É tudo Verdade Play (com limitação de espectadores).

O tópico polêmico de que "não estavam querendo debater", como avalia Belchior (o anfitrião para a própria cinebiografia no filme), ou assimilar as novidades da MPB, quando os "novos artistas estavam muito abertos à discussão", serve de propulsão para a história de vida comentada pelo cearense. Atemporal e retirante, como ressaltado na obra, o compositor reitera que veio da poesia para migrar até o mundo da música. Como lírico de referências, cita Baudelaire, Rimbaud e João Cabral de Melo Neto. Vinicius de Moraes facilitou a amizade, por Belchior conhecer justo a poesia dele.

"Belchior é, sem dúvida, um dos grandes nomes da nossa música. É um grande letrista, poeta e compositor. Possui uma obra que atravessa gerações e precisa ser reconhecido como tal. É um artista inquieto, provocador, contraditório, que vai das leituras de poesia e filosofia às conversas na mesa de bar. É um cidadão comum, de coração selvagem", decifra a diretora Natália Dias. 

A partida até São Paulo do jovem Belchior é descrita por ele, que confirma ter usado voo do Correio Aéreo Nacional, tendo por bilhete a obrigação de cortar os cabelos em Salvador, como determinado pelo comandante de voo. Presente em letras de músicas, a exemplo dos trechos "os pés cansados e feridos de andar légua tirana" e "sentado à beira do caminho", a percepção de contínuo movimento é reforçada na trajetória descrita pelo poeta.

"A utopia é, sem dúvida, um caminho de exploração dele. A condição mutante do jovem, a eterna possibilidade de delinquir, como Belchior mesmo diz. Isso é patente em sua obra e é também o que move o filme", explica o diretor Camilo Cavalcanti. Entre os caminhos demandados pelos ouvintes, no filme, Belchior sublinha não ter indicativo "de uma mensagem segura". Destinado a ser doutor, Belchior se apresenta como "cidadão comum, de bons modos... que caminha para a morte, pensando em vencer na vida".

Simpático, ele assume a condição mutante do jovem, dotado de comprometimento político e de bem com o sucesso saudável ("brilhante e bonito") de reconhecimento pela obra. Entusiasta de vinho, charuto e mulheres — "o que se aprende num bom colégio de padres", como ressalta —, Belchior é saudado, ao lado do talento do Circo Teatro Udi Grudi, como dos maiores talentos, em material de arquivo que conta com Elis Regina (que cantou de antiguidade e rejuvenescimento, nas potentes obras Velha roupa colorida e Como nossos pais). 

"Como o próprio Belchior diz no filme, a persona artística é mais importante que a pessoa do artista. Nosso filme olha para a obra, para a potência da mensagem, para o artesanato com que ele cuida das palavras. A vida íntima é um lugar reservado e menos importante para a nossa observação", explica a diretora Natália Dias. Daí, a perspectiva de não falar da morte dele, em Santa Cruz do Sul (RS), em 2017.

Criticando a "arte evasiva", crivada de metáforas, e percebidas em terceiros, Belchior, parte em defesa da fraternidade, investido do terceiro-mundista atento à "capacidade de rebeldia de espírito". Desvinculado da "arte ornamental", o compositor definitivamente não estava "coçando os cachos" (na expressão de Elis) e era obstinado em "desinsular a cultura". Divertido, quando conta anedotas sobre as mazelas que rechearam a chegada na grande cidade, o protagonista, perpetuamente, aposta na invenção de "novos sonhos" que nutram sua poesia seguinte.

No filme, o ator Silvero Pereira participa, enunciando trechos de Sujeito de sorte, entre outros. "Silvero é um grande artista que embarcou nessa viagem com a gente de forma muita generosa. Ele declama algumas letras e poesias de Belchior. A participação é pontual, mas magistral", observa Natália.

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