É PRECISO MANTER A VALORIZAÇÃO DA SANFONA DE 8 BAIXOS E TRADIÇÃO DO PAI DE LUIZ GONZAGA

O cenário musical brasileiro atual tem a presença de diversas mulheres que, como cantoras, compositoras ou instrumentistas, conseguem se sustentar com seu trabalho artístico. O que hoje parece natural, há cerca de um século era raro: mulheres que ousavam se manter neste meio eram vistas com preconceito e sofriam discriminação. Uma das responsáveis pela mudança de dessa postura revolucionári  e a abrir alas para muitas outras mulheres na música do Brasil: Chiquinha Gonzaga.


A compositora, pianista e maestrina é responsável por mais de duas mil canções populares, e entre elas está a primeira marchinha composta para o carnaval: "Ô abre alas", de 1889, que hoje faz parte do imaginário brasileiro. Seu aniversário, em 17 de outubro, é lembrado como o Dia Nacional da Música Popular Brasileira.

A sanfoneira de 8 Baixos, Chiquinha Gonzaga também enfrentou o machismo da sociedade carioca. Em  Pernambuco, igual a sua homônima, a irmã de Luiz Gonzaga, também seria vítima do mesmo tipo de preconceito ao arriscar as primeiras notas na sanfona de oito baixos do pai, mestre Januário. Proibida de tocar pela mãe, Dona Santana, Chiquinha, só aos 74 anos, pôde gravar um disco inteiro  dedicado ao instrumento. Méritos de Gilberto Gil, que bancou a idéia, produziu o CD e encorajou sua volta aos palcos.

Chiquinha e o compositor baiano ficaram amigos, durante as filmagens, de "Viva São João!", documentário dirigido por Andrucha Waddington. No filme, um entusiasmado relato das festas juninas em 19 cidades do Nordeste, os dois visitam Exu, cidade da família Gonzaga, e relembram histórias do rei do baião e do sertão pernambucano.

Na época Chiquinha contou a Gilberto Gil "que não gravava havia 16 anos e que adoraria tocar sanfona novamente, mas que não tinha patrocínio para tanto". Ganhou a simpatia e ele foi muito simpático e logo dizendo: 'Pode deixar, Dona Chiquinha, eu vou bancar o seu CD'", conta ela. "Apenas deixou avisado que precisaria viajar antes ao exterior para gravar um disco só com canções de um tal amigo dele (Bob Marley), mas que depois estaria no estúdio para iniciar as gravações", completa. 

Devoto do baião, Gil já tinha feito o mesmo agrado ao irmão mais velho de Chiquinha, mergulhado no ostracismo no fim da década de 60, depois do surgimento da bossa nova e da jovem guarda. O compositor baiano gravou "17 Légua e Meia", antigo sucesso de Gonzagão, no álbum "Gilberto Gil" - que contém "Cérebro Eletrônico"-, em 1969. Outro tropicalista, Caetano Veloso (exilado em Londres), repetiria a homenagem dois anos mais tarde, numa histórica regravação de "Asa Branca". 

O álbum "Pronde Tu Vai, Luiz?", lançado de forma independente, conta com a participação de Gilberto Gil na faixa-título, originalmente gravada por Gonzagão em 1954, num dueto com a irmã. Há outros convidados ilustres, como o tocador de gaita e acordeonista gaúcho Renato Borghetti.

Autora da maioria das canções (algumas delas em parceria com os filhos Sérgio e Zuca), ela toca instrumento com o mesmo vigor e paixão dos tempos de menina. Chiquinha lembra que esperava os pais partirem para o trabalho na roça para que ela pudesse pegar a sanfona num canto do quarto de Seu Januário. A farra durava pouco. Quase sempre era pega em flagrante pela mãe. "Larga isso, menina! Isso é coisa pra homem!", censurava Dona Santana.

A emancipação só veio em 1949, quando Luiz Gonzaga, já desfrutando da fama de sanfoneiro no Rio de Janeiro, como autor de "Baião", "Asa Branca" e "Juazeiro", comprou um caminhão e mandou buscar a família em Exu (Gonzagão queria que os parentes viajassem de avião, mas Seu Januário, indignado - ou com medo-, disse que não era urubu para andar pelos céus). 

Tanto Seu Januário como Dona Santana, enraizados em Pernambucano, nunca pensaram em deixar o Estado. Achavam, aliás, que o Sul do país não era lugar para o "menino" Luiz se aventurar. A viagem para o Rio de Janeiro durou vários dias ("tinha até fogão dentro do caminhão", lembra Chiquinha), mas valeu a pena, principalmente para a jovem cantora. 

A popularidade do irmão explodiu na década de 50 e Chiquinha, mesmo sem tocar sanfona, passou a cantar forró em pequenas casas noturnas do Rio. No embalo do irmão gravou cinco LPs e estrelou programas de rádio. 

Chiquinha lembra de histórias curiosas dessa fase. Como chegou a desfrutar de um relativo sucesso, algumas pessoas passaram a confundi-la com a musicista carioca de mesmo nome, morta 20 anos antes, em 1935. "Eu achava que esse tipo de confusão nunca aconteceria. Mas ficava assustava quando pediam para eu cantar 'Ô Abre-Alas' (marcha carnavalesca de estrondoso sucesso, composta em 1899)", recorda-se Chiquinha. 

Gonzagão, principal incentivador da irmã e seu padrinho musical, tratou de desfazer a confusão. Passou a apresentá-la aos donos de casas noturnas e empresários como "Chiquinha Gonzaga, a Cantadora de Forró". Ela lembra que, mesmo assim, sempre havia alguém que estranhava a ausência do piano clássico no palco. 

Chiquinha Gonzaga já faleceu e deixou um silêncio enorme para os apreciadores da Sanfona de 8 Baixos. 
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