Fazenda Araripe, Chácara Frei Damião, Sitio Salva Vidas. A noite é de São João

Mês de junho! Lembrei que a última apresentação em vida de Luiz Gonzaga foi realizado em 6 de junho de 1989, no Teatro Guararapes do Centro de Convenções de Recife. Na oportunidade já cansado e muito doente Luiz Gonzaga chorou e pediu "prá não deixar o forró morrer".

Estive em Exu, no período de 22 a 25 de Junho. Não vi os olhos raros que enxergam além do que veem. Na terra onde nasceu Luiz Gonzaga, a mensagem não se fez ouvir.

Joquinha Gonzaga, neto de Januário e sobrinho do Luiz Gonzaga, lamenta a injustiça de em plena noite de São João não haver em Exu, Pernambuco, um forró pra lembrar o inventor do Baião, aquele que um dia deixou o seu pé de serra e embrenhou-se pelos emaranhados da busca e do sonho e que foi o começo de uma grande empreitada e de uma desafiadora lição de vida e vivência.

Mas a vida é realizada nos extremos. O  amor e o ódio. O real e o fantástico, a dor e o prazer, a amizade e a covardia, o breu da incerteza e a luminosidade da esperança, o medo e a ousadia, o erro e a redenção, o pecado e o perdão, a fé e a crendice, a tristeza e a festa.

Na Serra do Araripe, divisa com o Ceará, o passado ainda está presente, e o presente simboliza o futuro. Luiz Gonzaga vive!

Na fazenda Araripe um dos mais valiosos símbolos da obra e vida de Luiz Gonzaga, a família Alencar guarda construções que marcaram a vida de Luiz Gonzaga. A casa onde morou os pais do Rei do Baião, Januário e Santana, a igreja de São João Batista, a residência do Barão de Exu...a terra, o fogo, o ar e água tudo ali lembra Luiz Gonzaga.

Na Chácara Frei Damião, distante 26 quilometros do Crato-Ceará, próximo a Exu, "Seu" Cosme e dona Maria Mimosa Cavalcante de Souza entregam-se a essencia da alma e faz da noite junina um sentimento mais humano.

A família, amigos e vizinhos, medem palmo a palmo a vastidão do imaginário popular e desvendam a perfeição dos sonhos inatingiveis e amalgam anseios, a fé e as várias conquistas. Naquela noite estávamos todos reunidos através dos sons quase mágicos de uma sanfona de 80 baixos.

Na casa da família Cavalcante Souza havia mesa fartura de pamonha feita com manteiga da terra. A buchada e a cachaça, a galinha de capoeira. O milho, a rapadura e a fogueira, a manifestação plena da essencia humana e grandiosidade da noite de junho.

No alpendre da casa escuto a professora Antonia, no balançar da rede, contar fatos que são ao mesmo tempo belos e misteriosamente encantados. Professora Antonia me faz compreender as figuras humanas mais humanas, a criaturas belas, mais belas, a natureza das pegas de bois, as origens de Cocaci, os Inhamuns-Ceará.

Professora Antonia ao falar, os olhos faiscam de astros a escuridão da noite humana e fazia-se perceber entre vaga lumes e querubins a essencia que reluz do que havia se perdido e ali encontrava as respostas para a própria razão de sonhar e viver.

Seu Cosme acompanhado de seu Zé Lira me levou ao sitio Salva Vidas. Nome sugestivo quando vi o povo a rezar a Novena de joelhos. Havia ali a Capela São Francisco e escutei histórias de muitos que vieram ao mundo pelas mãos da parteira do local.

Tudo isto me fez lembrar da profecia do professor, danado e cantador, quase vidente, Aderaldo Luciano quando diz que o Nordeste continuaria existindo caso Luiz Gonzaga não tivesse aterrissado nestas paisagens há mais de cem anos.

O Nordeste teria e seria o mesmo complexo de gentes e regiões. Comportaria os mesmos cenários de pedras e areias, plantas e rios, mares e florestas, caatingas e sertões.

Luiz Gonzaga, mais que ninguém, brindou-nos com uma moldura indelével, uma corrente sonora diferente, recheada de suspiros, ritmos coronários, estalidos metálicos. Luiz Gonzaga plantou a sanfona entre nós, estampou a zabumba em nossos corpos, trancafiou-nos dentro de um triângulo e imortalizou-nos no registro de sua voz.

Entre os dias 22 a 25 de junho, vi em Exu, Chácara Frei Damião, Sitio Salva Vidas, Crato, Vi galos anunciando o dia, sabiás acalentando as horas, acauãs premeditando as tristezas, assuns-pretos assobiando as dores, vens-vens prenunciando amores.

Enfim, compreendi que a história vem se tecendo com a força da própria vida. E por isto, disse o cantador Virgilio Siqueira, daí não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possivel retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia...



Nenhum comentário

← Postagem mais recente Postagem mais antiga → Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário