CARLA VISI DEFENDE TESE MESTRADO A CANÇÃO DA NATUREZA E A NATUREZA DA CANÇÃO, MÚSICA BRASILEIRA PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Carla Visi,  cantora, gestora em Gestão Ambiental defendeu a tese de Mestrado em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos da FCSH pela Universidade Nova de Lisboa. Carla Visi é ex-vocalista da banda Cheiro de Amor e atualmente está empenhada em diversos projetos ligados a questão em defesa da Mãe Natureza.

Naturalista, não faz alimentação com carne vermelha ou toma refrigerantes. A cantora é militante das causas ambientais desde a década de 90, que foi quando percebeu que poderia contribuir com o meio ambiente através da música. Atualmente, Carla Visi realiza palestras sobre cultura e sustentabilidade em diversos lugares.

Além de acumular os ofícios de ambientalista, cantora e mãe, Carla também é formada em Jornalismo, possui uma pós-graduação em Gestão Ambiental.  “A música é minha comunicação maior e o jornalismo me faz pensar a palavra, a comunicação”.

Este ano a cantora concluiu o mestrado com o tema A Canção da Natureza e a Natureza da Canção, Música Brasileira para a Educação Ambiental Crítica.

Recentemente durante entrevista Carla Visi, declarou que esse momento não tem sido fácil para ninguém, principalmente para os profissionais que tiveram as suas atividades proibidas. 

"Sinto falta do abraço, dos palcos, da celebração da música, mas entendo a necessidade de nos reservarmos o tempo que for preciso para alcançarmos uma situação mais controlada da transmissão do vírus Sars-Cov-2.

"Há uma distorção de valores na gestão pública e uma inversão de valores na nossa sociedade, onde o ter é mais importante do que o ser, a aparência mais importante que a essência. Não só os projetos culturais, mas as instituições que nos associamos, os artistas que seguimos, os produtos que escolhemos comprar são reflexo dos nossos valores. Alguns exemplos… Uma marca que usa mão-de-obra infantil ou escrava deve ser boicotada; um gestor ou funcionário que manifeste qualquer tipo de preconceito deve ser punido; um artista que estimule a violência não pode participar e ser aprovado em editais públicos", afirmou Carla Visi.

Confira texto postado por Carla Visi nas redes sociais:

APROVADA no MESTRADO em Ecologia Humana e Problemas Sociais Contemporâneos da FCSH - Universidade Nova de Lisboa. Gratidão!!!

A CANÇÃO DA NATUREZA E A NATUREZA DA CANÇÃO

A música é a "linguagem das emoções" e a canção brasileira inspirada na Natureza pode ser um ponto de partida para uma nova topofilia, ou seja, provocar uma nova relação afetiva entre o ser humano e o ambiente.

A educação ambiental, entre as várias abordagens conceituais, visa promover a conscientização ecológica e a adoção de estilos de vida e atitudes compatíveis com a sustentabilidade no planeta. O objetivo deste artigo é avaliar se o discurso ecológico e a temática de algumas músicas brasileiras selecionadas podem contribuir para a construção e promoção de valores para a cidadania ambiental, já que um dos muitos atributos da música é expressar e difundir conhecimentos e valores.

Um forte movimento em torno das questões ambientais, o ressurgimento do debate sobre a ecologia e o desenvolvimento humano observado no cenário mundial na década de 1970 proporcionaram uma atmosfera favorável para o nascimento de várias canções com essa temática no Brasil.

Partimos da hipótese de que o discurso literomusical ecológico, desde a criação (composição) até o uso dessas músicas nas aulas (performance / interpretação), pode ser um instrumento didático-pedagógico eficiente para conscientização e educação ambiental crítica. A EA crítica aponta para a necessidade de ruptura com antigos padrões de abordagem e comportamento, de modo que por meio de um diálogo criativo e diverso, possamos alcançar o reencantamento na dimensão estética do discurso ecológico resultando em maior engajamento pela sustentabilidade local e global. 

Esta investigação é apenas mais um (com)passo, um convite para cantarmos juntos a mais linda canção: A VIDA.

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FESTIVAL QUIXADEIRA REÚNE ARTISTAS INDEPENDENTES DA BAHIA EM EVENTO VIRTUAL

Com o objetivo de fortalecer e difundir o cenário independente da música baiana, o Festival Quixabeira reúne artistas dos territórios de Irecê, Vale do São Francisco, Salvador e Região Metropolitana em evento virtual realizado nesta sexta-feira (9) e sábado (10), a partir das 20h, no YouTube da Opará Produtora Cultural, realizadora do projeto.

“O nome do festival é um resgate da cultura local. Quixabeira é o nome da árvore onde os primeiros migrantes do território se abrigavam. Dessa forma, o festival incentiva, já em sua primeira edição, um sentimento de identificação no público local. Esperamos que o Quixabeira sirva como fundamento para o desenvolvimento do ecossistema local da música”, explica Geraldo Júnior, produtor cultural da Opará.

A programação do festival é marcada pela diversidade de estilos. Na ocasião, o público poderá conferir o som de Yan Paiva (Ibititá-BA), o rock do Sanitário Sexy (Juazeiro-BA) e o forró do Fulô de Berdoeca (Irecê-BA), passando ainda pela batida eletrônica de DJ Belle (Salvador-BA) e DJ Werson (Natal-RN/Juazeiro-BA), o rap de Amanda Rosa (Chapada Diamantina), o pagode de Nêssa (Salvador-BA) e ainda o som afro-brasileiro do Africania (Bahia).

O evento foi gravado entre os meses de fevereiro e abril na Fazenda Mandala, em Irecê, e na Casa Preta Espaço de Cultura, em Salvador. 

SERVIÇO

O QUÊ: Festival Quixabeira

QUANDO: Sexta-feira e sábado, 9 e 10 de julho, às 20h

ONDE: Youtube  da Opará Produtora Cultural (https://bityli.com/owzKP)

VALOR: Grátis

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REDUÇÃO DE VAZÃO NO RIO SÃO FRANCISCO PREJUDICA ECOSSISTEMA E ECONOMIA LOCAL, AFIRMA PESQUISADOR

A redução de vazão no Rio São Francisco está prejudicando o ecossistema e a economia local. O motivo é que a situação crítica dos reservatórios do Sul e Sudeste por causa da seca fez com que a vazão do Velho Chico diminuísse.

A Usina Hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, regula as vazões do Rio São Francisco até a Foz. Atualmente, a represa da Chesf, subsidiária da Eletrobras, está operando com 58% da capacidade de armazenamento e vazão de 1.000 m³/s e 23% menor do que a vazão mínima aceitável, que é de 1.300 m³/s.

A situação é melhor do que em 2015, quando o lago ficou com 2% do seu volume útil. Na época, o impacto na irrigação foi enorme. As fazendas de produção de frutas foram forçadas a racionar água e, duas vezes por semana, todo o sistema de irrigação era desligado.

Já o setor elétrico não sentiu tanto porque as represas do Sul e Sudeste tinham água suficiente para atender a necessidade de geração de energia para o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Este ano é diferente: Sul e Sudeste, além do Centro-oeste, enfrentam uma seca que compromete a geração de energia. E é por isso que o operador nacional do sistema decidiu reduzir as vazões nos reservatórios do nordeste.

O objetivo do ONS é aumentar o estoque de água, para utilizar gradativamente até o final do período seco, em outubro. enquanto isso, a região nordeste vai contribuindo com a geração de energia eólica.

A economia região do Vale do São Francisco é movida por água e energia. O setor de fruticultura irrigada emprega um 1.200.00 pessoas e produz mais de um milhão de toneladas de frutas por ano, grande parte exportada.

Os produtores temem que falte água para manter toda essa cadeia produtiva. "Hoje a prioridade dessa barragem é produzir energia. Então nós precisamos estudar um pouco melhor essa priorização, pra que não falte energia mas também não falte água pra irrigação", explicou o gerente executivo da Associação dos Produtores e Exportadores de Hortigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco, Tácio Lustosa Silva Gomes.

A crise hídrica também preocupa porque a conta de luz das empresas dispara. "Há uma preocupação até porque esse custo de energia lá na frente vai impactar no preço da fruta pra o consumidor, na ponta final, né? E também vai ficar aqui pro produtor", observou o agrônomo Emerson Costa Oliveira.

O Velho Chico abastece grandes cidades, como Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, que juntas têm quase 500 mil habitantes. E ainda tem que abastecer os dois canais da transposição que levam água para o Ceará e Paraíba.

Os problemas causados pelo represamento da água são visíveis a partir da hidrelétrica de Xingó, entre Alagoas e Sergipe, que está com vazão de 800 m³/s.

POUCA ÁGUA E MUITAS PEDRAS: Pescadores estão preocupados. “É que esse rio dentro em breve, ele não possa ser mais navegável, a gente não possa mais captar água, a gente não possa mais pescar. A pescaria hoje já é muito difícil. E só pensando na geração de energia, esse futuro que nós acharmos tão distante, ele cada dia mais fica tão próximo", lamentou o pescador Messias dos Santos.

A 30 quilômetros da Foz, o Velho Chico fica mais largo, raso e sem força. Um espelho d'água cheio de bancos de areia.

“Na maré seca, meu amigo, tá difícil de trabalhar aqui, viu? Tá muito difícil, muito assoreado, muito banco de areia e a gente realmente tem que ter habilidade pra conduzir a embarcação, se não acontece o que aconteceu com a gente aqui agora há pouco”, disse o empreendedor Fernando Peixoto Regueira.

ECOSSISTEMA COMPROMETIDO: A qualidade da água piora a cada redução de vazão. Essa situação foi comprovada por coletas e análises da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

“A situação interfere no abastecimento, na reprodução das espécies, na intrusão salina que avança em direção ao continente, no abastecimento das cidades, porque gera uma qualidade de água pior, ruim, e se gasta muito mais para tratá-la”, disse o pesquisador da Ufal Emerson Soares.

Segundo o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, a vazão reduzida para priorizar a geração de energia compromete todo o ecossistema.

“O São Francisco com o aumento da população barranqueira, com as questões econômicas, com a exploração, tudo isso, o rio vem sofrendo. Nós não sabemos a que ponto vai chegar essa responsabilidade do São Francisco com a geração de energia para o país, né?", disse o ambientalista Jackson Borges.  (Fonte: A Reportagem  é de Amorim Neto, Jornal Hoje/RedeGlobo Televisão. Foto Ney Vital)

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ONU DESTACA PROJETO BEM DIVERSO. PROGRAMA CONTEMPLA COMUNIDADES DO BIOMA CAATINGA

A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou que o Projeto Bem Diverso, liderado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD) está entre os eleitos da Segunda Chamada da Boas Práticas, Histórias de Sucesso e Lições Aprendidas ODS 2020/2021.

As ações desenvolvidas pelos pesquisadores da Empresa ganharam destaque por conterem um conjunto de práticas que englobam os problemas enfrentados pelas comunidades locais nos sistemas de produção, no processamento e comercialização de produtos e no acesso ao crédito e políticas públicas em seis territórios da cidadania nos biomas Amazônia (Alto Acre e Capixaba e Marajó), Caatinga (Sertão do São Francisco e Sobral) e Cerrado (Médio Mearim e Alto Rio Pardo). 

Segundo o pesquisador Anderson Sevilha, líder do Bem Diverso, dentro das linhas de ação que contemplem as diferentes atividades desse trabalho são abordadas questões culturais, educacionais, de saúde, energia limpa, ambiental, econômica e de inclusão de jovens e de gênero. É dessa forma que são abordadas de forma transversal a cada um dos temas para incorporar a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030 (ODS) ao projeto.  

De acordo com Anderson Sevilha foram desenvolvidas uma série de diagnósticos socioeconômicos e ambientais em todas as cadeias produtivas relacionadas à Integração da conservação da biodiversidade e uso sustentável em práticas de produção de produtos florestais não-madeireiros (PFNM) e Sistemas Agroflorestais (SAF) de uso múltiplo de alto valor de conservação. Isso fez com que fosse possível identificar os gargalos e oportunidades, bem como definir a linha de base do projeto para facilitar o monitoramento.

“O interessante é que todas as atividades ocorreram em conjunto com as comunidades locais, técnicos,  extensionistas, pesquisadores, professores, alunos e outros beneficiários, construímos um programa de capacitação nas linhas de ação do projeto: sistemas produtivos, beneficiamento de produtos, comercialização e acesso ao crédito e políticas públicas. Todas as atividades foram planejadas de forma a alcançar a independência e replicabilidade das ações da comunidade local, considerando o conhecimento das comunidades locais e a validação das práticas tradicionais no processo de capacitação”, comenta Sevilha.

Outro dado importante é que foi levado em consideração o acesso ao mercado, com mapeamento das demandas e de acesso. As comunidades envolvidas nos seis territórios da cidadania também receberam uma série de treinamentos em conservação da biodiversidade, manejo de espécies e ecossistemas e restauração ecológica para produzir produtos da agrobiodiversidade com valor ambiental agregado aos produtos.

Os resultados apresentados pelo líder do  Projeto Bem Diverso para concorrer na Segunda Convocatória aberta para Boas Práticas, Histórias de Sucesso e Lições Aprendidas dos ODS na implementação da Agenda 2030 (listados abaixo) significam uma redução média de 84% do foco do fogo nos territórios e mais 1 milhão de hectares sob manejo sustentável, o que contribuiu para um aumento médio de 30% na produtividade e 40% na renda familiar.

“Além disso, conseguimos mais de R $2 milhões em crédito para as comunidades, desenvolvemos quatro  novos produtos, quatro novos equipamentos, 22 rótulos e etiquetagem e melhoramos seis produtos de processamento”, comenta Anderson Sevilha. 

Instalação de 72 unidades de aprendizagem;

Três centros de referência e três redes de jovens comunicadores populares. 

Capacitação envolvendo mais de 3.000 pessoas (43% mulheres e 57% homens);

Mapeamento de nove cadeias produtivas;

Desenvolvimento de 10 estudos de uso do solo e níveis de exploração sustentável;

Desenvolvimento de três planos de gestão de terras;

Estabelecimento de seis contratos de uso de terra e água. Essas atividades resultaram em uma redução média de 84% do foco do fogo nos territórios e mais 1 milhão de hectares sob manejo sustentável, o que contribuiu para um aumento 

IMPACTOS DA COVID 19 NAS AÇÕES: Com a chegada da COVID-19 ao Brasil os pesquisadores interromperam as viagens a campo, contribuindo para a não propagação do vírus, pois nas comunidades dos biomas envolvidos não há hospitais ou unidades de saúde. Mesmo assim, foram mantidos os contatos à distância, por meios digitais, para que o monitoramento das ações do projeto tivessem continuidade durante a pandemia. 

Outra medida adotada como forma de prevenir o contágio pelo vírus sem deixar os participantes do Bem Diverso sem informações de qualidade a respeito dos cuidados que devem ser tomados para mitigar a contaminação nos sistemas de produção, processamento e comercialização dos produtos, foram promovidos diversos treinamentos virtuais para abordar esses temas. E, por fim, foi estabelecido um programa de treinamento online com material de apoio à linha de atuação do projeto. “Tomamos providências e promovemos ações para que os beneficiários do projeto tivessem acesso à internet, de forma a garantir uma rápida retomada do pós-pandemia”, conta Sevilha.

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A ALDEIA, A ÁGUA SERENADA, AS ESTRELAS E O ZUM ZUM, COM DÉA TRANCOSO


1.Essa alma de Déa Trancoso é de sopro. A aragem de sua voz é o respiro. O tum tum tum do coração avança e retorna, ameaça e se acalma. Mundo difícil esse, mundo esquisito esse, mas o caminho desenhado por Déa não é cataclismático. Há um sistema filosófico iniciado no fundo do rio, subido à terra, penetrado à mata, diluído à alma. O encontro das menores partículas universais com o infinito misterioso e desconhecido. Linda luz como fogo ao vidro. A cobra coral de Seu Tupinambá.

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Seu Tupinambá

Quando vem na aldeia

Ele traz na cinta

Uma cobra coral

Oi’é uma cobra coral.

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2.Fui nascido, criado e iniciado nas artes naturais, no olhar e na entrega à Natureza como fonte de cura e crescimento interior. Durante 21 dias, com intervalo de 3 dias entre cada 7 dias, minha mãe, dona Mocinha, atenta, me oferecia água serenada quando sentia sobre mim alguma energia reversa. Tenho ouvido Déa Trancoso como quem prepara esse ritual. Na canção-testemunho Água Serenada, do poderoso álbum Serendipity, mergulhei em minhas memórias. Talvez dona Mocinha estivesse me preparando para ouvir tão bela vereda músico-natural. Essa minina Déa nos oferece água serenada. Os elementais, com a Luz, entram em nosso templo e morada, corpo e caixa existencial, e nos embalam na rede fluida da Vida.

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Eu não canto

Do jeito que eu já cantei

Bebi água serenada

E até a voz eu mudei

Eu mudei

Até a voz eu mudei

Bebi água serenada

E o coração eu lavei

Eu lavei

O coração eu lavei

Bebi água serenada

Cantei em paz

Serenei

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3. Nesses últimos meses, ouvindo Déa Trancoso, sua voz doce, sua canção pétala, sua seara pronta para a colheita, seus leirões bem adubados, entendo, por muito meditar, o quão é grandiosa a existência. Talvez eu fosse me matar um dia, mas ouvi Déa Trancoso. Talvez eu fosse ao pó uma noite, e irei, mas com o som do riacho, com o eco viajando pelas estrelas, pela canção que me atravessou. Aliás só restarão as estrelas. Quando chegar a tarde, o final da tarde, e o caminho estiver entre a penumbra e o breu, eu sei que só restarão as estrelas. Para elas seguirei. Num caminho de flores e pássaros. Como o bem-te-vi.

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Dos desejos e dos beijos

Das potências e das carências

Só restarão as estrelas

Das agruras e das paúras

Dos sabores e amargores

Só ficarão as estrelas

Só as estrelas saberão o caminho

Só as estrelas sobreviverão

Só as estrelas escaparão de fininho

Só as estrelas recomeçarão

Dos sofrimentos e dos alentos

Dos mistérios e das perguntas

Só restarão as estrelas

Das ciências e ignorâncias

Das supercordas e das lembranças

Só ficarão as estrelas

Só as estrelas saberão o caminho

Só as estrelas sobreviverão

Só as estrelas escaparão de fininho

Só as estrelas recomeçarão

Só as estrelas são as estrelas

São as estrelas diamantes no céu?

São estrelas diamantes cravejados no céu?

4.

Corri atrás das águas e as águas me carregaram. Areia ficou para trás. Havia um poço no antigo Rio do Canto. O chamávamos Poço da Traíra. E para lá fomos no inverno, quando do rio cheio, quando das águas brabas, quando dos redemoinhos, quando dos desafios de meninos perdidos sob o céu. As águas me abraçaram. O chão de areia fugiu dos meus pés. Hoje, ouvindo o Zum Zum Zum, com Déa Trancoso e Paulo Bellinati, relembrei desse episódio delicado no Poço da Traíra. Água com Areia não se pode misturar, água vai simbora, Areia fica no lugar. O Rio me carregou pro mar e hoje é Odoyá! Ainda há pouco, a voz de Déa fez fluir toda a água que me trouxe. Sou metade água, metade Areia. No meio do mar.

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Água com areia

Não se pode misturar

Água vai simbora

Areia fica no lugar

Saravá, Rainha do Mar, Saravá!

Zum zum zum

Lá no meio do mar

Odoyá! 

(Fonte: KURUMA'TÁ - REVISTA DE CULTURAS E AFETOS. Aderaldo Luciano, nascido em Areia, na Paraíba, é poeta pautado pela estética da poesia do povo. Estudioso da poesia e da música do Brasil profundo, é mestre e doutor em Ciência da Literatura, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro 

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RIO SÃO FRANCISCO. NAVEGAR É PRECISO


Entre os vários fatores estratégicos envolvidos no complexo e gigantesco universo natural do Rio São Francisco, está o seu uso como meio de transporte de mercadorias e de gente, por ser uma proveitosa via natural. Sua característica de grande curso d’água navegável que une partes longínquas do Brasil, em plena hinterlândia, rendeu-lhe o título de rio da integração. 

A despeito do histórico brasileiro de investimentos em grandes rodovias paralelas a locais navegáveis, a Bacia do São Francisco preserva importantes atividades de navegação e em alguns trechos o rio é a principal via de acesso das populações ribeirinhas. É o caso do canal do Guaxinim em Xique-Xique (BA), na região fisiográfica do Médio São Francisco, um canal natural de 3.600 metros por onde circulam dezenas de barcos todos os dias.

O canal do Guaxinim é um braço do Rio São Francisco que faz a ligação do leito principal com a Ipueira, que banha o município de Xique-Xique e onde fica o cais. Passam por ele embarcações vindas de aproximadamente 60 ilhas de três cidades: Pilão Arcado, Barra e da própria Xique-Xique, transportando pessoas, produtos comerciais, animais domésticos e até outros meios de transporte, como bicicletas e motocicletas.

 Nas ilhas há pequenos produtores de batata, mandioca, manga, limão e alguns tipos de hortaliças, que escoam sua produção no Mercado Municipal e são responsáveis por parte do abastecimento alimentar de Xique-Xique. Algumas famílias também tem criações de aves, caprinos e bovinos, igualmente comercializados no mercado perto do cais. O dia mais movimentado da semana é a sexta-feira, por ser o dia da feira na cidade, mas há trânsito diário com estudantes que vão para as escolas em barcas locadas pelo poder público e embarcações de tamanhos variados com trabalhadores, pessoas em busca de atendimento médico e outros serviços.

O canal fica a montante do Rio São Francisco, com a Cidade da Barra ao sul e Sobradinho ao norte. O curso d’água se desenvolve entre a Ilha do Miradouro e a Ilha do Gado Bravo e atualmente possui cerca de 40 metros de largura, 2m40 nos trechos de maior profundidade e 1m50 nos mais rasos.

A fauna ao redor é marcada pela presença de garças, saracuras, mergulhões, marrecos e nas suas águas singram surubins, curimbatás, dourados, piranhas e piaus, que costumam servir de alimento para as famílias de pescadores que exercem o ofício próximo às ilhas ou no leito do rio. A vegetação no entorno é típica da caatinga, com calumbis, canafístulas e pajeús. Especialmente durante a cheia do rio, entre os meses de outubro e abril, a região possui beleza cênica e o canal dá acesso à uma praia usada como área de lazer, batizada com o sugestivo nome de “Sossego do Painho”, nas margens da Ilha do Miradouro.

Na Ilha do Miradouro também está a igreja reconhecida como marco da ocupação que deu origem ao município de Xique-Xique, sendo o canal do Guaxinim um importante agente histórico local: há mais de 100 anos, os primeiros habitantes rompiam suas águas com paquetes e foram expandindo as ocupações das margens do rio ao passo que a região crescia economicamente. “Há algumas décadas o canal era mais estreito e mais fundo e uma via de navegação muito propícia. A navegação pelo canal do Guaxinim é uma prática secular, antes feita com paquetes e hoje até com jet skis”, explica Roberto Rivelino Souza, membro da Câmara Consultiva Regional do Médio São Francisco e da Secretaria de Meio Ambiente de Xique-Xique.


Em seu perímetro estão os distritos de Esperança, Jurema e seu homônimo, Guaxinim. O barqueiro Joaquim dos Santos, de 58 anos, estima percorrer todo o percurso do canal em aproximadamente 40 minutos a bordo da sua Diplomata, uma embarcação de médio porte que presta serviço de transporte para a população. Hoje aposentado, ele trabalha na localidade desde 1985 e afirma a importância da hidrovia na vida dos moradores: “Tudo que a gente faz aqui é através desse canal, quem mora na zona rural e quer ir na cidade fazer feira, ir ao médico, vender ou comprar alguma coisa, tem que passar por ele”, explica Joaquim. “Quem já viu ele seco sabe como foi sofrido”, completa, se referindo aos anos de 2013 e 2014, quando o Guaxinim ficou totalmente seco, impedindo a passagem de embarcações de médio e grande porte. Moradores relatam que à época era necessário atravessar o canal a pé e aos barqueiros restava arrastar as canoas pequenas até o leito principal. “Foi um período crítico, de perda total do canal, resultado de décadas de assoreamento e nenhuma intervenção consistente desde a década de 80. A vida dessas populações ficou muito difícil”, recorda Roberto Rivelino.

Em 2020, com o objetivo de aumentar a profundidade do canal e reestabelecer seu escoamento hídrico natural, a Prefeitura Municipal de Xique-Xique realizou a dragagem do canal do Guaxinim. 

A iniciativa está inserida no plano de ação “S.O.S Lagoa de Itaparica”, pactuado em 2019 entre o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), IBAMA, INEMA, CODEVASF, Ministério Público e outras entidades. A intervenção foi bem sucedida e hoje o canal está em plena atividade mesmo nos meses de seca, entre maio e outubro. Além de ser considerado a principal porta de entrada da cidade, o canal do Guaxinim guarda uma importância grandiosa para o ecossistema da região: é através dele que a água vinda do leito principal chega até a Ipueira e desta para abastecer a Lagoa de Itaparica, o maior berçário natural de peixes do São Francisco.

 “Os peixes que nadam rio acima atravessam o Guaxinim para desovar na Lagoa de Itaparica e depois os maiores retornam pelo mesmo caminho até o leito principal. É um ‘caminho’ na água não apenas para os seres humanos”, explica o brigadista do IBAMA, Ederaldo da Silva Lopes, de 36 anos.

Ederaldo é um dos moradores da Comunidade Fazenda Paulista, pertencente ao município de Barra, onde habitam cerca de 65 famílias. O saber-fazer atinente à navegação é aprendido desde a infância, como demonstram alegremente Tales e Daniel, respectivamente com 6 e 7 anos: o irmão mais velho de Tales é proprietário de uma embarcação usada para transporte e pescaria e as crianças observam admiradas sua lida diária nas idas e vindas de Xique-Xique: “Quando eu crescer, quero pilotar barco e moto”, revela Tales. O pescador e carpinteiro aposentado, Ângelo Gonçalves, de 64 anos, sintetiza o Canal do Guaxinim como a “nossa passagem de comunicação com o mundo”.

 “O rio São Francisco é a principal, quando não a única fonte de sustento de todas as pessoas daqui. E o que nós produzimos é transportado através desse canal, sem ele o acesso seria muito mais difícil”, explica Ângelo.

O canal do Guaxinim constitui capítulo fundamental na história da navegação no Médio São Francisco e é representativo do rio como essa paisagem de homens e mulheres em movimento. Mais além, a navegação pelas águas do Rio São Francisco está nas bases da formação da sociedade brasileira e as populações ribeirinhas, secularmente marginalizadas, guardam as memórias dessas águas. (Fonte Assessoria de Comunicação CBHSF: TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social. Texto: Mariana Carvalho. Fotos: Kel Dourado

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PRECEITOS ECOLÓGICOS DO PADRE CÍCERO: UMA VISÃO AGROECOLÓGICA

 Não derrube o mato nem mesmo um só pé de pau

 Não toque fogo no roçado nem na caatinga

Não cace mais e deixe os bichos viverem

Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer

 Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza

Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água de chuva

 Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta

Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só

Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca

Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gato melhorando e o povo terá sempre o que comer

Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai vivar um deserto só. (Padre Cícero)


A Agroecologia é uma ciência contemporânea que utiliza conhecimentos atuais e antigos para compreender a dinâmica de organização dos ecossistemas com a interferência dos grupos humanos: os agroecossistemas (GLIESSMAM, 2000).Os conhecimentos acumulados através de anos de convivência com estes agroecossistemas (com todas as suas interligações de fluxos energéticos) são referenciados como as bases epistemológicas desta ciência, através do acúmulo de saberes de diversas épocas da história humana, que, como já foi dito, são advindos de diferentes áreas do conhecimento humano (saberes agrários, sociais e ambientais), originários das universidades e centros de pesquisas (conhecimento científico), mas também da experiência vivenciada por personagens do povo (conhecimento empírico), considerando que os saberes empíricos e científicos podem levar a informações essenciais para a construção do saber agroecológico experimentado pelo atores envolvidos e cientificamente provado pela pesquisa clássica (ALTIERI, 2002; PRIMAVESI, 2002; CHABOUSOU, 2006). Sendo assim, esta ciência é uma fonte de contato entre o mundo acadêmico e o popular, disseminando informação produzida com a contribuição das mais variadas camadas da população, desde simples camponeses até catedráticos das mais importantes instituições de ensino e pesquisa (GLIESSMAM, 2000; ALTIERI, 2002).

Dentre os inúmeros personagens relatados pela retórica desta ciência, podemos destacar um ícone da interligação entre as camadas populacionais, personagem que viveu entre o fim do século XIX e início do século XX, no nordeste brasileiro, tendo como papel principal de sua história de vida a premissa de religioso. Porém, destacava-se por ações que transpunham o arcabouço da religião e chegavam a níveis de organização social e política. Este personagem histórico e social é chamado de Cícero Romão Batista (DELLA CAVA, 1985).

Cícero Romão Batista nasceu na cidade do Crato, em 24 de março de 1844, e faleceu em Juazeiro do Norte, em 20 de julho de 1934. Ele era conhecido como Padre Cícero, ou, mais coloquialmente, “Padim Ciço”. O início da carreira eclesiástica foi em 1865, na cidade de Fortaleza; foi ordenado padre em 1870 e, em 1872, nomeado vigário de Juazeiro do Norte. Após diversos acontecimentos religiosos na paróquia que dirigia foi acusado de mistificação (manipulação da crença popular) e heresia (desrespeito às normas canônicas). Mesmo assim, com diversas punições, continuou a exercer o papel de sacerdote (ARAUJO, 2005).

Já em meados de 1911, foi eleito prefeito do Juazeiro do Norte, engajando-se em disputas políticas entre os oligarcas cearenses e as tropas federais, enviadas para uma intervenção – que culminou na Revolta do Juazeiro. Cícero usou sua popularidade para convencer os fiéis a pegarem em armas, e obrigou o governo federal a recuar. Posteriormente, foi nomeado vice-governador do Ceará e eleito Deputado Federal, mas, como não queria deixar Juazeiro, jamais exerceu nenhum desses cargos. Até sua morte, aos 90 anos, foi uma das mais expressivas figuras políticas do Estado do Ceará (DELLA CAVA, 1985; SILVA, 2013).

Pesava sobre si o título de sacerdote do catolicismo romano e mantinha influência sob a vida de inúmeras camadas populacionais encontradas em sua localidade e época. Figura que é mais conhecida pelos nordestinos como Padre Cícero, que pregava mensagens da sua fé (foco principal) mas não deixava de lado questões políticas e sociais no Cariri do Ceará, ainda quando quase ninguém falava em Ecologia no mundo (das relações entre o homem e a natureza e suas interligações no agroecossistema), ele já apresentava um discurso simples e entendido por muitos, que delimitava então premissas de utilização dos recursos naturais do Sertão do Nordeste Brasileiro (ARAUJO, 2005; SILVA, 2013).

Sendo desta maneira uma espécie de pioneiro das ideias ecológicas pregadas no sertão nordestino, pode-se dizer que ele prestou uma importante contribuição servindo para alicerçar as bases epistemológicas da Agroecologia nesta região (ALTIERI, 2002).

Porém, a literatura ainda é carente da interligação entre as ideias do religioso e sua verdadeira aplicabilidade aos conceitos ecológicos de manejo e convívio com o agroecossistema, e, diante deste exposto, este trabalho tem como foco o embasamento teórico dos ensinamentos de base ecológica proferidos por Padre Cícero de acordo com os princípios da Agroecologia, através da comparação de informações atribuídas ao religioso e a aos escritores atuais sobre o tema.

MÉTODO: O procedimento utilizado na organização deste trabalho tem como base a reunião de textos divulgados no meio científico, todos disponíveis na internet, sobre os ensinamentos ecológicos do Padre Cícero e sobre os preceitos da Agroecologia. Logo, estes dados foram reunidos, compilados e descritos de maneira clara.

Resultados e discussões: Segundo Araujo (2005), o sertão nordestino na época do Padre Cícero não era diferente do cenário atual: vastos e frequentes períodos de estiagem, pouca informação disponível acerca das possibilidades que o bioma pode oferecer aos seus moradores, e partindo para a questão social existia uma fé inabalável que os processos ambientais naturais poderiam ser amenizados pela utilização de mecanismos simples pelo próprio agricultor e que o jugo dos governantes locais que não se preocupavam com a sustentabilidade local poderiam ser dissolvidos, levando assim a um quadro real, não utópico, de convivência com o semiárido.

Ainda segundo este mesmo autor, a figura de Padre Cícero, além de todo seu conhecimento filosófico acerca das doutrinas católicas, apresentava conhecimento sobre determinados conceitos ecológicos, bastante semelhante aos conceitos básicos pregados pela Agroecologia atual, e como esta prevê a junção de saberes empíricos e científicos (acadêmicos) na produção dos “saberes agroecológicos”, segundo o que relata Altieri (2002), é válida a interpretação baseada nos paradigmas da Agroecologia.

Silva (2013) cita os preceitos ecológicos do Padre Cícero, e as informações contidas nestes ensinamentos são citadas de outra maneira, como conceitos de sustentabilidade por Gliessmam (2000), por Altieri (2002), por Primavesi (2002) e por Chabousou (2006), entre outros autores, sendo correlacionadas da seguinte maneira:

 “Não derrube o mato nem mesmo um pé de pau”: esta expressão refere-se ao desmatamento das áreas de mata nativa e faz ligação com o jargão popular para árvore, “pé de pau”.

A preservação de áreas de mata, seja ela nativa ou recuperada, plantada para fim, sendo ele comercial ou não, dentro dos limites de um determinado agroecossistema é de suma importância para a manutenção do ciclo energético local, tendo como um dos pontos primordiais a interligação entre os seres vivos que compõem o agroecossistema, tendo assim um papel de regulador para diversos processos ecológicos existentes na localidade.

Pode-se, então, citar como exemplo clássico desse sinergismo a disseminação dentro do agroecossistema de determinados indivíduos que cumpram um papel, no ciclo natural, de agentes de controle biológico de insetos-praga pelo agroecossistema.

Esta ideia corrobora com o discurso de Miranda (2009) que afirma que as grandes áreas com remanescentes florestais podem garantir a continuidade da sobrevivência dos vegetais, dos animais e a estabilização do meio ambiente, mas com a ação depredadora do homem, que desmatava para apoiar seu desenvolvimento social e econômico, essa vegetação natural apresentou um alto grau de diminuição e, atualmente, somente fragmentos de florestas podem ser encontrados em lugar das florestas nativas. Muitos destes trechos de vegetação natural apresentam pouca ou nenhuma ligação entre si, impedindo o trânsito animal, a disseminação de vegetais e outros seres, afetando assim a preservação dos seres do ecossistema.

Além de que é fato que os locais com matas, ou formações vegetais abundantes, são menos susceptíveis a ação de intempéries da natureza como, por exemplo, enxurradas; como descreve Brown (2003), a redução do efeito de enchentes e da erosão do solo, reciclagem da água pluvial e reparo da recarga dos mananciais de águas subterrâneas dependerão em segundo plano da desaceleração ou contenção do desmatamento, mas prioritariamente do nível de reflorestamento do agroecossistema, e da diminuição das perdas das camadas superficiais do solo.

Gliessmam (2000)atesta que um manejo consciente dos recursos florísticos de uma determinada área pode promover assim um aumento na capacidade produtiva local, gerando renda, e mesmo que a vegetação original esteja dizimada, operações de reflorestamento podem ser incluídas no manejo de um agroecossistema.

Primavesi (2002) determina como favorecer as potencialidades locais através da reorganização de um agroecossistema, imitando assim a maneira que se organizava a localidade antes que a ação antrópica a modificasse, levando em consideração vários pontos básicos. Pode-se destacar que se for restabelecida a “saúde” do agroecossistema por meio de fertilizações naturais do solo e plantas, melhorando as condições de vida dos seres habitantes do local, haverá, assim, um manejo consciente dos recursos, e não será necessária a depredação da vegetação, mas sim o convívio harmonioso entre os seres vivos do sistema.

“Não toque fogo no roçado nem na Caatinga”: o roçado é a área onde o camponês pratica a agricultura de subsistência e esta é sempre ligada à área de Caatinga (vegetação comum no nordeste brasileiro), da propriedade, em que esta prática é comum no país entre os agricultores, sendo útil na limpeza do terreno no início do manejo cultural, podendo em primeira instância favorecer a fertilidade do solo pela deposição de nutrientes que outrora estavam sob o solo na forma de matéria viva e que, após este processo, servem de fertilizante. Porém, esta prática causa um desequilíbrio biológico no solo, poluição ambiental, não sendo recomendado também pelos riscos de que um pequeno indício de fogo se torne um incêndio de grandes proporções.

Além disso, segundo Ferreira et al (2013), o efeito da queimada, em terrenos cultivados ou não, é altamente prejudicial ao meio ambiente pelo fato que as propriedades físicas, químicas e biológicas são alteradas, interferindo assim no estabelecimento de novas relações entre os seres que colonizarão o local e a matéria não-viva (matéria orgânica e mineral).  

Atrelado a isso, o manejo do solo com o fogo é bastante comum no Brasil, não só no nordeste brasileiro, porém, segundo Lepsch (2002), estes se apresentam como um vilão para o composto orgânico do solo, pois degrada a matéria orgânica acumulada e extermina uma boa parte dos microrganismos viventes neste ambiente.

Primavesi (2010) atesta que um manejo consciente das ervas espontâneas de um agroecossistema, que pode ser realizado com o uso do fogo de certa maneira pode ser atuante na composição do equilíbrio deste, porém seu uso deve ser bastante controlado, para que sempre haja a promoção de um sinergismo entre estas, e caso outras modalidades de manejo das ervas espontâneas possam ser empregados, a utilização da queimada pode ser extinta do manejo do agroecossistema.

“Não cace mais e deixe os bichos viverem”: com esta premissa a fauna selvagem é preservada, sendo fácil a continuação do fluxo energético normal dentro do agroecossistema, uma vez que o homem atual cultiva vegetais e cria animais domésticos para sua manutenção. A caça de subsistência é uma prática permitida por lei federal, que regulamenta que em caso de necessidade (manutenção da vida em comunidades tradicionais ou carentes) pode-se realizá-la; ela representa, em muitos casos, a principal fonte de proteína animal para as comunidades tradicionais de diferentes áreas tropicais.

Porém, existe outro fim para esta proteína animal: o comércio ilegal que gera divisas para os envolvidos nesta prática, sendo em algumas situações a única renda monetária de diversas famílias mais humildes.

Falta, então, a elaboração de planos sociais que possam servir de alternativas contra esta atividade, os quais devem compensar os ganhos obtidos com a caça e comercialização de animais silvestres, como por exemplo, a criação de animais silvestres em cativeiro, uma atividade que, se bem estruturada, pode contribuir para o melhor aproveitamento das áreas degradadas, minimizar a pressão de caça a médio e longo prazo, facilitar a obtenção de proteína animal, bem como atuar como uma fonte alternativa de renda às famílias (ROSAS, 2007)

Esta prática tem relação direta com o desenvolvimento demográfico, abreviando o ritmo da extinção de determinadas espécies, principalmente animais. Mas a pressão do aumento populacional não é o único fator por ela responsável; estão listados entre estes fatores, os desmatamentos, queimadas e caça comercial (FUCCIO et al, 2003)

“Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer”: um dos maiores problemas das áreas em que a produção pecuária tem relevância na cadeia produtiva local é o esgotamento das reservas naturais de pastagens, a perda de exemplares vegetais de inúmeras espécies, algumas podendo até estar em risco de extinção.

A criação intensiva favorece um manejo adequado das necessidades básicas dos rebanhos, e o descanso da área de pastejo perfaz a recuperação energética da forrageira utilizada pelos herbívoros.

Martha Jr. et al (2010) comenta que o uso intensivo do cerrado brasileiro principalmente para a pecuária extensiva, proporcionou significativos lucros de escala, sem duvida despontando como uma das principais divisas econômicas brasileiras, porém a viabilidade deste sistema agropecuário a longo prazo tem sido bastante questionada pelo seu alto custo ecológico.

Rodrigues et al (2013) enfatiza que as ações de pecuária extensiva no nordeste brasileiro têm sido uma mola propulsora para a ação de desertificação local e que mesmo com o aumento da qualidade da tecnologia utilizada é bastante fácil de serem encontrados locais em que não se pode mais trabalhar o solo com outra atividade agrícola e que mesmo a pecuária continua a ser implementada de maneira rudimentar, sem obter resultados produtivos condizentes com os fatores envolvidos.

Ainda estes autores incitam a adoção de sistemas de produção silvipastoris e agrossilvipastoris, que, por sua vez, podem ser boas alternativas geradoras de renda, principalmente, para a agricultura familiar, em virtude das áreas das propriedades serem diminutas e, com isto, a intensidade de uso ser maior.

“Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza”: a expressão descreve o plantio de cultivos agrícolas sem haver um manejo correto de curvas de nível ou até mesmo o plantio realizado na direção paralela ao curso natural das águas e também pelo manejo do solo com ervas espontâneas que possibilitem uma maior infiltração da água sem, no entanto, carreá-lo lugares de menor topografia. Sendo assim, esta medida é interessante para que se possa entender vários aspectos relevantes ao manejo do solo nos agroecossistemas: em primeiro lugar, a proteção dos lugares mais altos da propriedade como forma de conter/prevenir erosões, em segundo lugar, a lavoura em curva de nível é outro aspecto fundamental na sustentabilidade local, e a cobertura vegetal é importantíssima na retenção das partículas e da fertilidade do solo.

A manipulação do solo dentro de um agroecossistema deve agendar práticas que ofereçam um fundamento sustentável, como, por exemplo, o plantio em curvas de nível que acompanhem a topografia do local a ser trabalhado, pois um solo bem manejado, no qual pode-se encontrar uma diversidade de seres vivos de diferentes reinos, é fundamental para uma satisfatória produção agrícola, gerando assim um equilíbrio entre a produção agrícola e a biota do solo(FERREIRA et al, 2013).

Além disto, o manejo conjunto do solo com a vegetação de cobertura deste sistema pode prover indicativos de sustentabilidade como descrevem Rosa et al(2007), que estudaram em quintais agroflorestais no estado do Pará, na região do município de Bragança, a diversidade florística apresentada pela mistura entre áreas de mata amazônica e por policultivos; nesta localidade é a principal fonte de renda e trabalho familiar, pois propicia uma direta relação entre o homem e os recursos naturais através da utilização da natureza como parte integrante na geração de renda, onde segundo os autores, as espécies descritas são utilizadas para a alimentação (68,4%), para fins medicinais (14,5%), também como madeiras (13,2%) e o restante, cerca de 3,9%, é utilizado para outros fins.

“Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva”: as cisternas são grandes reservatórios de água potável que são construídas próximas a grandes áreas de captação, sendo elas naturais ou artificiais (exemplo marcante é um telhado de uma casa). É interessante a convivência com a escassez periódica de água, enfrentando isto através do armazenamento das águas pluviais próximo à residência dos agricultores.

  Em ambientes em que o déficit hídrico em algumas épocas do ano é sempre ocorrente, e que a severidade do mesmo é bastante pronunciada, toda e qualquer forma de captação de águas é válida para amenizar os efeitos da estiagem, porém devem ser implementadas atividades que possam trazer comodidade aos agricultores envolvidos.

Esta prática de acúmulo de água é bastante difundida no nordeste como relatam Cavalcante et al (2005), onde a construção de cisternas tem contribuído de forma significativa para amenizar a falta de água para as populações mais carentes do semiárido brasileiro, mas, infelizmente, a falta de conservação e manejo adequado das cisternas, tais como, falta de tampas, rachaduras, cordas e baldes utilizados para retirar a água e os diversos meios de transporte de água, têm proporcionado a contaminação da mesma.

“Reprise os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta”: as represas forçam que os materiais diversos trazidos pela força da água comecem a ser depositados no fundo dos mananciais, perfazendo assim um reduto de fertilidade, sem falar na maior infiltração de água no perfil do solo e até em alguns casos o represamento superficial da água que permite sua maior disponibilidade para infinitos usos no agroecossistema.

Neves et al (2012) descreve que o barramento superficial das águas pluviais pode ser utilizado para que seja construído um obstáculo à passagem da água e de diversos materiais por ela transportados, nos cursos de água são feitas referências a pequenos barramentos construídos para evitar ou reduzir o efeito nocivo do assoreamento dos rios, açudes e outras fontes d’água.

Os materiais transportados pelas águas vão se acumulando nos barramentos e formam aterros (patamares) horizontais, que, indiretamente, poderão ser utilizados para plantio de algumas culturas – arroz, batata doce, alguns capins, entre outros. Esta tecnologia, se bem adotada, além de controlar o assoreamento, poderá servir para acumular água (na superfície e no subsolo), durante períodos variáveis, para uso de culturas, animais e população, além de manter mais elevado o lençol freático, alimentando, por mais tempo, poços, cacimbões, cacimbas, bebedouros na área.

“Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou de outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só”: o plantio de árvores, ou florestamento, é uma premissa importante, pois assim a diversidade e a sustentabilidade do agroecossistema podem ser maximizadas. O plantio de espécies vegetais diferentes, e estas por sua vez tendo diversas utilidades no manejo local, pode indicar um fluxo de energia capaz de se manter com o mínimo de energia exógena ao sistema.

Nesta máxima são citadas espécies vegetais nativas, como o caju (Anarcadium occidentale), o sabiá (Mimosa caesalpiniaefolia) e a algarobeira (Prosopis juliflora), que se trata de uma espécie exótica, e é demonstrada a necessidade do homem do campo povoar as suas terras com espécies que sejam multiuso, mesclando as espécies nativas e exóticas, para que o agroecossistema consiga suprir as suas próprias necessidades, sendo também enfatizada a utilização de espécies que apresentam rusticidade e um determinado grau de adaptabilidade às condições severas da localidade.

“Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar a conviver com a seca”: além do que a utilização de espécies nativas para fins diversos, como, por exemplo, a produção de forragem para o gado, promove uma resiliência às intempéries locais.

Primavese (2000), Gliessmam (2000) e Ferreira et al (2013) corroboram com esta sentença, ao passo que descrevem que um manejo correto da vegetação espontânea de um agroecossistema pode ser um fator muito importante para o equilíbrio do mesmo, apresentando os mesmos fatores acima citados no quesito acima –  porém com o agravante que as espécies citadas se enquadram segundo Nascimento e Alves (2008) nas plantas pioneiras, que aparecem no campo na hora em que começa a se recompor após a retirada da mata nativa, sendo espécies que vivem em lugares mais rústicos, propiciando condições para que as espécies secundárias e terciárias se desenvolvam.

A maniçoba (Manihot pseudoglaziovii) é um arbusto utilizado na alimentação dos animais pela sua grande quantidade de proteína, e a favela (Cnidoscolus phyllacanthus) apresenta função alimentícia para os animais e medicinal; ambas espécies fazem parte da família vegetativa das Euforbiáceas; e a jurema (Mimosa hostilis), também citada, é uma árvore com alto valor protéico utilizado na alimentação animal e madeira mole (MALVEZI, 2007; NASCIMENTO E ALVES, 2008).

“Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer”: este é um resumo da teoria da sustentabilidade, pois seguindo os preceitos acima explanados o agricultor terá oportunidades de manter-se no campo, vivendo em fartura, em todas as épocas do ano, sendo suficientes seus mantimentos para que na época da seca o camponês nem sinta seus efeitos, e ao findar este evento climático o mesmo não sinta falta de nenhum insumo em sua propriedade.

 Gliessmam (2000) declara que o homem que sabe conviver com a dinâmica natural do agroecossistema em que vive, entendendo os momentos de fartura como promotores de reservas para os momentos de escassez, poderá viver melhor do que aquele que não está ligado aos processos naturais do lugar onde vive.

“Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o sertão todo vai virar um deserto só”: esta “profecia” descreve a desertificação ocorrente não só no semiárido nordestino, mas em qualquer área em que os recursos naturais sejam explorados de maneira desordenada, perdendo assim a utilidade natural e provendo dois quadros: o primeiro, com um deserto nos padrões normais, com pouca atividade de seres vivos, ou um deserto verde, com a entrada das ideias da Revolução Verde, que só subjugam as populações, levando assim até o extremo caso da miséria.

CONCLUSÕES:  Os ensinamentos do Padre Cícero contêm uma riqueza singular em suas palavras, que ensinam preceitos básicos do convívio sustentável dentro de qualquer agroecossistema instalado em qualquer lugar, não só no semiárido brasileiro, com uma simplicidade e sabedoria que podem ser entendidos por diversos atores da sociedade, sendo muito interessante para a construção do pensamento Agroecológico da sociedade atual.

Em suma, foi explanado acima o entendimento de informações passadas por um líder religioso ao seu povo em que o papel da Agroecologia tem se mostrado novamente como ciência formadora de opinião do que se diz respeito ao desenvolvimento sustentável no agroecossistema, pela grande junção de saberes filosóficas, científicas e empíricas, que se completam completam e acrescentam possibilidades de interações mais harmoniosas, por meio de suas práticas tecnológicas um manejo adequado dos recursos naturais, ecológicos e sociais, onde estão inseridas as máximas pregadas pelo Padre Cícero, levando em consideração que as áreas produtivas devem ser entendidas em sua totalidade de relações naturais, ou seja, não levando em consideração somente aspectos produtivos, mas sendo enfática a necessidade do entendimento mais profundo acerca de todo o dinamismo local do semiárido brasileiro.

THIAGO COSTA FERREIRA-Técnico em Agropecuária pela Universidade Estadual da Paraíba/UEPB. Bacharel em Agroecologia pela UEPB. Mestrando em Agronomia/Fitopatologia (Patologia de Sementes) pela Universidade Federal de Lavras/UFLA.

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