CÂNDIDA BEATRIZ LIMA: CARTA ABERTA AOS PROFESSORES E ALUNOS

De acordo com o artigo 205 da Constituição Federal do Brasil, a educação é um direito de todos e dever do Estado. Portanto, está constitucionalizado que, todos, sem exceção devem ter acesso à educação de qualidade. Contudo, emboraconstitucional, essa nossa realidade nos foi castrada por muito tempo e por muitas vezes, reflexo de políticas, diferenças raciais, de classe social, dentre tantas outras diferenças impregnadas em nossa sociedade que fizeram frente impedirem o acesso à educação de direito a todos Apesar de todos os incansáveis esforços dos meus pais, para que eu pudesse estudar, até o ano de 2003, eu fiz parte de uma dessas classe que não tinham acesso à educação de qualidade.

 Nascida no interior da Bahia, onde o coronelismo imperava por anos, a única coisa que se preocupavam os políticos da época (que não mudou muita coisa) era perseguir quem tentasse ser opor ao pensamento deles, e pagar os salários em dias dos funcionários indicados da Prefeitura Municipal, eu saí de casa aos 13 anos de idade, para tentar estudar em uma lugar que pudesse me proporcionar uma melhor educação. Era assim que os meus pais me ensinavam, era assim acreditavam, na EDUCAÇÃO.

Muito jovem, cheia de sonhos e com uma certeza, eu iria estudar e iria dá muitoorgulho para minha família. Em 2004, eu ingressei na Universidade Estadual do Piauí, no curso de Engenharia Agronômica, encontrei uma universidade sucateada, sem laboratórios, biblioteca com livros antigos, defasados, carteiras quebradas, professores sem perspectivas, reflexo de políticas públicas e educacionais inexistentes. Ao passar de um ano, o cenário era outro, as coisas mudavam, novos professores, a biblioteca ganhava uma nova estrutura, já se falavam em construir um prédio próprio com laboratórios, aquele prédio antigo, com paredes sujas, ganhava uma nova visão. 

A universidade vizinha, UFPI – Universidade Federal do Piauí, ganhava novos cursos, eram outras oportunidades, a nossa visão era a ESPERANÇA!

Com dois anos de universidade, professores com mestrado e cursando doutorado começaram a chegar e fazer parte de um colegiado de concursados efetivos, os sonhos cresciam para eles e para gente também, e eu, uma matuta sonhadora, flutuava nas nuvens com um sonho quase intangível, fazer doutorado fora do país, parecia louco esse sonho, me lembro como hoje, dos meus amigos rindo de mim, e me dizendo que aquilo era impossível, mas eu, repetia aquilo todos os dias, e levava em mim e nos meus pensamentos os meus professores como exemplo, e lembrava de todas as lutas dos meus pais para me manterem ali. Em quatro anos e meio eu me formei em Engenheira Agrônoma, era tudo muito diferente de quando eu iniciei a faculdade, nós tínhamos para onde ir, o que fazer, tinha trabalho, tinha pesquisa, nós tínhamos oportunidades, e eu? Eu abracei todas que surgiram.

Trabalhei em prefeituras, fui bolsista na Embrapa, e em 2013, eu abracei o início daquele sonho de 2006. Comecei em março de 2013, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia a cursar o mestrado em ciências Agrárias, dois anos depois eu embarcava para Manchester – Reino Unido para fazer o doutorado sanduiche, um ano e três meses de experiências fantásticas, vivendo uma cultura, uma educação, vivendo e aprendendo muito. 2017, realmente o sonho se realizou! Doutora Cândida!

Minha trajetória foi marcada por muita luta, muitas dificuldades, muitas privações, como a de todos que se permitem ir em busca dos seus sonhos, sim, e eu me esforcei muito, muito mesmo, mas, nenhum esforço meu, teria resultado na 1ª doutora da Família Lima, porque, nenhum esforço dos meus pais, por mais vontade, anseio, trabalho que eles pudessem fazer, conseguiriam arcar financeiramente com todas as despesas que é viver em outro país, nenhum esforço meu, ou dos meus familiares me permitiriam ter realizado uma pesquisa de tamanha importância para o Brasil e para o mundo sobre o comportamento das abelhas e seu impacto sob a produção de alimentos e interferência no aquecimento global. Tudo que eu vivi, toda a minha construção acadêmica, tudo que me foi permitido até realizar esse sonho de ser doutora com estudo em outro pais, foi exatamente, porque na minha época eu tive a sorte a felicidade de ter políticas públicas educacionais, com bolsas de estudos, financiamento de projetos de pesquisas, parcerias entre instituições de ensino superior, todos eles oportunizados pelo governo Lula e Dilma.

Sim, foi o Lula que oportunizou a mim e a tantos outros ex estudantes, hoje doutores, a conseguirem realizar sonhos como o meu.

Não precisou muito para que esses sonhos de tantos, fossem castrados, Após pessoas como eu e como tantos, de classes sociais menos favorecidas conseguirem o que anteriormente só era permitido a classe A, nos foi tirado o direito constitucionalizado, e as bolsas de estudos, os investimentos à pesquisa, as parcerias entre universidades brasileiras e de outros países foram sendo cancelas, até que não fosse mais possível ter acesso à educação com a mesma facilidade que tínhamos entre os anos de 2003 à 2016.

Se você não assistiu, não viu, ou ouviu, eu sim, eu vi muitos, muitos, muitos colegas e estudantes precisando comprar com dinheiro do próprio bolso, reagente, luvas, vidrarias e esterilizar ponteiras para conseguirem terminar a graduação, sem perspectivas de sonharem com o mestrado, doutorado, ou com o primeiro emprego.

Após 2016, os cortes na educação começaram a crescer, em um ano, cerca 6 bilhões a menos na educação, em 2019, mais de 12 mil bolsas canceladas pela CAPES, maior fomentadora de pesquisa do país, mais de 2.5 bilhões de reais bloqueados que deveriam ser investidos na ciência.

Bem, eu não sei se o seu sonho é parecido com o meu, mas, eu tenho certeza que você tem um sonho, seja fazer uma graduação, montar sua empresa, passar em

um concurso, conhecer um outro país através do estudo, ou de passeios, e eu também tenho certeza, que você alcançará isso se você se esforçar assim como eu, contudo, de nada valerá o seu esforço, se os cortes na educação e na ciência permanecerem.

Eu espero que após ler essa carta, você tenha consciência de tudo e de tantos que perderam e poderão perder a oportunidade de construir, de aprender, de viver e de realizar sonhos assim como eu pude fazer, quando o governo Lula junto com o meu esforço me possibilitou estar aqui hoje, estudante, professora, palestrante, servidora pública e doutora!

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” Paulo Freire

Juazeiro, BA, 28 de outubro de 2022

Cândida Beatriz Lima, engenheira agrônoma, mestre e doutora em ciências agrárias – UFRB – University Salford, professora universitária e defensora da educação. 

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