CREDIBILIDIADE, DESINFORMAÇÃO E ISENÇÃO: COMO A INTERNET MUDOU O JORNALISMO

O surgimento da internet mudou muitos aspectos da vida e hábitos pessoais e uma das principais mudanças nos últimos anos foi em relação ao consumo de informação. O que antes era acessível apenas em rádio, televisão, jornal impresso e revista, agora fica tudo à disposição dos cliques no celular. E se a informação era criada em redações jornalísticas por profissionais da área, hoje, qualquer pessoa pode divulgar e criar qualquer tipo de informação. Esse cenário trouxe junto a questão da credibilidade, principalmente depois do fenômeno das fake news.

Segundo Rodrigo Ratier, jornalista e professor de jornalismo digital da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, a crise de credibilidade da informação na era digital põe em risco a própria existência da profissão de jornalista. “Ela, a crise, dialoga um pouco com a ideia de que vivemos num contexto de pós-verdade, em que as emoções importam mais do que a razão, em que os fatos enfim perdem um pouco da força que eles tinham e que o monopólio sobre o relato do real, que antes era atribuído ao jornalista, está difuso”. 

Para resolver esse dilema, segundo a jornalista e professora da ECA, Daniela Ramos, o jornalismo deve assumir um papel de educador, ajudando as pessoas quanto ao consumo da informação correta. Isso faz com que o jornalismo seja capaz de combater a desinformação. “Nesse sentido o jornalismo brasileiro tem uma grande missão, da sociedade como um todo se sentir representada por ele.” 

Elizabeth Saad, também jornalista e professora de comunicação digital da ECA,  destaca que o jornalismo se encontra em um processo muito grande de desinformação graças ao cenário polarizado, em que “existe uma correlação entre o conteúdo informativo produzido com a linha editorial para qual o profissional trabalha”. De acordo com a professora, a linha editorial se posiciona dependendo da empresa e dos proprietários. “É possível que uma determinada marca informativa, não o profissional em si, mas a marca, se posicione num espectro polarizado e o jornalista tem que produzir a matéria conforme esta linha editorial, o que não implica que ele seja alguém que está produzindo desinformação”. 

Elizabeth enfatiza que o jornalismo não pode se deixar contaminar por fake news, de forma a checar todas as informações antes das publicações. Esse procedimento básico para o jornalista deve ser respeitado para que o próprio jornalismo seja diferenciado dos veículos disseminadores de fake news. Para lutar contra isso, é preciso enfatizar a questão da ética jornalística já dentro da universidade. 

Transformações tecnológicas-Apesar de pôr em xeque a credibilidade da informação, a tecnologia transformou o jornalismo e entre suas novas características está a velocidade com que a informação é gerada e transmitida ao consumidor da notícia. O Superintendente de Comunicação Social da USP e também professor da ECA, Eugênio Bucci, em seu livro A superindústria do imaginário: como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível (Autêntica, 2021), explica que a mudança criou a economia da atenção, isto é, na sociedade transformada pela tecnologia o jornalismo precisa atrair a atenção do espectador, competindo não somente com outros veículos, mas também com redes sociais como o TikTok, Facebook e Instagram e com streamings como a Netflix, HBO, Amazon, etc.

E mesmo antes do surgimento da internet, a tecnologia sempre esteve presente no jornalismo, como lembra o jornalista e professor Ratier. “A gente pode voltar aos primórdios e pensar na prensa de Gutenberg, no século XV, que foi sendo evoluída ao longo dos tempos para aumentar a velocidade de impressão, contemplar a impressão em cores, e assim por diante. Da mesma forma, outras tecnologias foram sendo incorporadas aos sistemas produtivos. O próprio telefone, por exemplo, vai se transformar em um instrumento importante para a transformação das práticas jornalísticas possibilitando as entrevistas à distância e assim por diante”.

Para Ratier, essas transformações tecnológicas proporcionaram o enxugamento das redações. “A gente observa sobretudo uma diminuição muito relevante no número de jornalistas necessários para colocar um programa de TV no ar, para pôr um site para funcionar, em comparação, por exemplo, a veículos impressos se a gente voltar 30 anos no tempo”.

Segundo o jornalista, a diminuição das redações veio acompanhada de um jornalismo multimídia. Ser capaz de produzir e editar vídeos, textos e podcasts, além de articular isso em produtos multimídia, se tornou essencial para garantir um espaço no mercado de trabalho. Ratier conta que além da produção jornalística em si, o profissional deve estar apto a fazer várias atividades. “Fazer a gestão de equipes que consiga controlar o orçamento para produção, que saiba transitar não apenas pensando no contexto do jornalismo digital, entre os sites, mas também nas mídias sociais, entendendo como fluem os canais de divulgação da informação”.

Isenção e precisão-Na construção da produção jornalística o profissional precisa tomar muitas decisões que, querendo ou não, impactam na interpretação do leitor, ouvinte ou espectador. Na faculdade, um dos primeiros aprendizados é de que o jornalista não é imparcial porque imprime no texto automaticamente sua carga de conhecimentos e vivências.

Para Elizabeth Saad, mesmo que o jornalista em si não seja imparcial, ele deve sempre buscar a isenção. A professora explica que trabalhos jornalísticos sempre vão envolver a tríade: precisão, veracidade e isenção. “Em qualquer matéria jornalística que se faça, tem que ter a busca da verdade, a isenção, justamente ouvindo múltiplas vozes envolvidas no acontecimento, e a precisão, ou seja, a checagem do conteúdo levantado”.

Texto: Laura Oliveira-jornal da usp

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