Maciel Melo: os riscos da palma da mão e a sina de cantador Aldy Carvalho

São Paulo 10 de setembro de 2017.

Primavera de 1978. A juventude à flor da pele, mil dúvidas na cabeça e uma única certeza: tocar um instrumento. Era apenas um rapaz vindo do interior em busca de alguma coisa que não sabia o que era. As sombras de uma repressão estúpida escondiam as ínfimas réstias de luz que teimavam reluzir nas minúsculas brechas que se abriam, a golpes de resistência, nos auditórios colegiais ou nos escassos salões paroquiais, onde nos reuníamos em grupos de jovens e adolescentes, dialogando entre a rebeldia e a razão, para falarmos de poesia, de sonho, de som, e cantar coisas que causassem algum rebuliço no conformismo daqueles que calavam, por medo ou por alienação. 

Cinco anos depois, eis que chega a Petrolina, cidade à beira do rio São Francisco, um cantador que cantava assim: “Eu vejo a vida pelas léguas que andei, e aquarelas são as estradas que já passei. Comigo carrego o tempo, moinho a girar cata-vento e o destino se põe ao meu olhar. No meu alforje trago as cartas tal qual os riscos da palma da não. Eu conheço os olhos dos tiranos, eu conheço o riso dos profanos, tenho a alma de um cigano e a sina de um cantador...” . 

Não sei porque cargas d’água eu achava que ele havia escrito aquilo para mim, acho que por identificação. Alimentei isso durante trinta e três anos, até que nos reencontramos agora, na imensidão da maior cidade da América Latina, que me inspirou a fazer a canção que fez de mim um esterno Caboclo Sonhador. 

Agora a confirmação veio: a música era de fato pra mim: Aldy Carvalho, esse é o nome do cavaleiro andante que me trouxe em 1984 para um concerto no auditório da Funarte. Aldy, eterno "muso" de Lenir, que por sua vez seria fonte de inspiração para suas cantorias. Um poeta, um cidadão, um amigo, um menestrel de linhas retas e de curvas abissais. Metódico como todo ser que zela pelo verdadeiro sentido da palavra “humano”. 

Lenir preparou uma feijoada para me receber. É meu prato predileto. Se alguém quiser me agradar em uma visita, já sabe: Esse é o “menu”. O sal estava no ponto, a cerveja estupidamente gelada, a paz reluzia na tinta das paredes e Nino, um pássaro da espécie calopsita de origem australiana, alegrava a nossa tarde à beira de um fogão de lenha, em plena terra da garoa.

 São Paulo de Adoniran Barbosa, de Rita Lee e de Arrigo Barnabé. São Paulo de Mário de Andrade, Arnaldo Antunes, Augusto de Campos, Álvares de Azevedo e Renato Teixeira. São Paulo de sonhos concretos, de poemas verticais e de rimas rasantes soltas pelas esquinas que saem do negrume do asfalto, se infiltram pelas pilastras, sobem pelos vergalhões dos edifícios e vão brotar flores nos travesseiros daqueles que ainda sentem algum tipo de arrepiação quando ouvem uma música ou um poema qualquer. 

Hoje, volto à maior metrópole do meu país, depois de ter conquistado o carinho e o respeito do povo de minha terra.  Agora, sim. Pode me chamar de cafona, eu gosto é de sanfona, de poesia e futebol. Viva o Brasil, e não vamos deixar que ele se retalhe em malas e maletas de políticos corruptos, inescrupulosos, sem nenhum compromisso com a nossa pátria. Ainda somos um povo heroico, bravo e retumbante.

Salve, salve, oh meu Brasil de sonho intenso e raios vívidos.
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