A REDAÇÃO DO ENEM FOI FÁCIL PARA QUEM SABE SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO

A estranheza com a redação do Enem começou logo após a divulgação do tema, antes mesmo do final da prova: como adolescentes de 17, 18 anos teriam repertório para escrever sobre “Os desafios para a formação educacional de surdos no Brasil?”. Isso é um tema técnico! Não existe muita literatura a respeito! E a pouca que existe é de difícil acesso!, bradaram os críticos.

Eu logo achei o tema ótimo porque pensei nos surdos apenas como a porta de entrada para uma discussão bem mais ampla. Eles poderiam ser “substituídos”, com todo o respeito às suas questões, claro, por ‘crianças com autismo’, ‘com síndrome de Down’, ‘jovens com deficiência’ e por aí vai.  Como garantir a “formação educacional” dos surdos e de todas essas crianças e adolescentes que são marginalizados e encarados como obstáculos ao aprendizado dos ditos estudantes “normais”? (Atenha-se às aspas, por favor, porque muitos psicólogos creem que todas crianças têm algum tipo de dificuldade de aprendizagem). Foi assim que eu encarei o tema e acredito que, no fundo, o que o Enem queria era que os jovens falassem sobre algo maior: a importância da inclusão e o que ganhamos quando todos sentamos juntos em frente ao mesmo quadro negro.

Se houve um estranhamento com o tema da redação por parte dos estudantes, dos pais e das escolas é porque alguém falhou nesse processo tão amplo chamado Educação, ‘tomou bomba’ na prova de inclusão. Você só não sabe escrever sobre algo quando nunca teve contato com a questão, quando nunca foi instigado a pensar sobre o assunto ou ninguém te contou ou mostrou que sim, um deficiente auditivo ou visual podem estudar em uma escola regular. Assim como uma criança autista. Cadeirante. Com síndrome de down. Se não há bom senso em recebê-los, eles contam com o apoio da lei. Pode pesquisar.

Os surdos, no caso, precisam de professores que não lhes deem as costas e que falem devagar para que possam ler seus lábios, os cadeirantes necessitam de escolas mais acessíveis, com rampas, alguns estudantes precisam de material adaptado, sei lá, tô aqui fazendo um brainstorm para uma redação que não tive o prazer de escrever. O que eu sei sobre o assunto? Talvez pouco, mas sei que a inclusão é possível e é benéfica a todos, porque vejo a escola do meu filho praticando-a todos os dias, sem hipocrisia e sem querer ganhar uma medalha por isso.

Claro que as escolas têm de fazer algumas adaptações para receber a todos, mas são elas que têm que se adequar ao aluno, e não o contrário. As crianças e adolescentes com alguma deficiência têm o direito de estar em uma sala de aula junto com os colegas da mesma faixa etária e que não tenham deficiência e vice-versa. Juntos, vão aprender as matérias do curriculum básico, mas vão aprender também a conviver. A se respeitar. E tirar o que há de bom e de ruim dessa experiência. Vai ser fácil? Às vezes sim, às vezes não. Assim como a vida.

O Enem tem percebido, ainda bem, que pouco importa se as orações são sindéticas ou assindéticas, que troço difícil, nem me lembro qual é uma, qual é outra. Importa mesmo é saber se o estudante sabe conviver e respeitar as diferenças, a diversidade, os direitos humanos, mesmo com os cães ladrando por aí que isso “é coisa de comunista”. Não é não. Isso é coisa de quem sabe tirar dez na vida e, de quebra, na redação do Enem.

FONTE: RITA LISAUSKAS
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