DESERTIFICAÇÃO É UM DOS PROCESSOS AMBIENTAIS MAIS GRAVES DA ATUALIDADE

A desertificação é um dos processos ambientais mais graves da atualidade. Ela ocorre quando solos férteis, sob a pressão combinada de fatores climáticos e da ação humana, perdem progressivamente sua capacidade produtiva.

O desmatamento, o uso intensivo da terra, o sobrepastoreio, as queimadas e a má gestão da água aceleram esse processo. Já as mudanças climáticas contribuem para intensificar secas prolongadas e ondas de calor que fragilizam os ecossistemas.

De acordo com relatório “The Global Threat of Drying Lands”, da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), mais de três quartos de todas as terras do Planeta ficaram mais secas nas últimas três décadas até 2020 — em comparação com o período de anterior.

A organização também estima que 40% da superfície terrestre já se enquadra em regiões áridas ou semiáridas. Nessas áreas vive um terço da população mundial, em sua maioria em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Segundo Aldrin Martin Pérez Marín, pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação e correspondente científico do Brasil junto à UNCCD, o problema não pode ser reduzido a uma questão ambiental.

“Esse processo […] toca a vida de milhões de pessoas, fragiliza a agricultura familiar, ameaça a segurança alimentar e coloca em risco o futuro da nossa Caatinga – bioma único, 100% brasileiro, que é, ao mesmo tempo, floresta, cultura e esperança”, afirma.

O Brasil também convive com esse problema. O Semiárido brasileiro é considerado uma das regiões mais vulneráveis do Planeta. Segundo o Insa, quase 30 milhões de habitantes, estão concentrados áreas onde a desertificação já é uma realidade.

Ainda conforme o Instituto, cerca de 85% do Semiárido apresentam algum grau moderado de desertificação, enquanto 9% estão desertificados. Para o pesquisador, compreender a gravidade da desertificação exige olhar para além dos números,e observar também seus efeitos sobre a vida das pessoas.

“Hoje, o País enfrenta desafios climáticos e ambientais que exigem não apenas ações urgentes, mas também uma mudança paradigmática na forma como lidamos com a convivência com a semiaridez. […] Nesse contexto, a desertificação tornou-se um dos maiores problemas ambientais enfrentados pelo Brasil, especialmente no Semiárido”, comenta Aldrin.

Além da degradação ambiental, há impactos diretos sobre a população. Famílias agricultoras ainda enfrentam quedas na produtividade, pecuaristas veem seus rebanhos morrerem pela falta de pastagem, e jovens acabam migrando para centros urbanos em busca de sustento.

“Se a terra adoece, adoece também o povo que dela depende. Agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e assentados da reforma agrária são os que mais sentem a degradação avançar”, explica o pesquisador.

O fenômeno da desertificação está ligado às mudanças climáticas. A elevação das temperaturas médias, combinada à irregularidade das chuvas, gera um ciclo de degradação que se retroalimenta.

O pesquisador Aldrin Martin Pérez Marín explica que, com o uso excessivo e sem cuidados adequados, o solo começa a perder sua fertilidade, fica exposto ao vento e à água da chuva, que levam embora o material fértil | Foto: Arquivo pessoal

Segundo Aldrin, o processo de desertificação é uma espécie de ciclo vicioso. Inicia com a ocupação de uma área específica, seguida pela derrubada da vegetação nativa, e uso do solo para a pecuária ou agricultura.

Ele ainda completa: “com o uso excessivo e sem cuidados adequados, o solo começa a perder sua fertilidade, fica exposto ao vento e à água da chuva, que levam embora o material fértil, e empobrecem ainda mais a área”.

Esse ciclo é sentido de forma ainda mais intensa no Semiárido brasileiro. A agricultura de sequeiro, predominante na região, depende diretamente da regularidade das chuvas. Quando elas falham, a produção acompanha.

A configuração atual fragiliza a economia regional, gera insegurança alimentar e pressiona os serviços públicos urbanos diante da migração forçada. Portanto, o combate à desertificação é também uma estratégia de adaptação às mudanças climáticas.

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UNEB CELEBRA 15 ANOS DO PPGEcoh COM ENCONTRO QUE UNE CIÊNCIA E NATUREZA NO SEMIÁRIDO

O Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS) da UNEB, Campus III, se prepara para sediar o 1º Encontro de Docentes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH). Celebrando 15 anos de existência, o evento acontecerá nos dias 29 e 30 de agosto com uma programação que une a solidez da pesquisa acadêmica à rica cultura local.

O PPGEcoH nasceu a partir de uma formação Lato Sensu criada em 2004 no Campus VIII, em Paulo Afonso, e amadureceu com importantes parcerias junto a instituições como USP, UnB e Unicamp. Seu grande diferencial foi o deslocamento estratégico do debate científico para o interior do Nordeste, preenchendo uma lacuna de pesquisas na região e focando na Caatinga, bioma exclusivo do semiárido brasileiro com características ecológicas singulares. O programa estuda as complexas relações — míticas, simbólicas, utilitárias e religiosas — que os seres humanos estabelecem com o meio ambiente.

Para o professor Dr. Carlos Alberto, coordenador do PPGEcoH, o encontro é um marco fundamental. "são muitas vitorias ao longo de 15 anos", destaca. "Mais de 180 mestres e mais de 30 doutores formados. A assembleia dos docentes do programa vai avaliar nossa trajetória e propor metas para o quadriênio capes que iniciamos em 2025 e irá até 2028. Nossa meta principal é continuar prestando um serviço de excelência na formação de profissionais em Ecologia Humana para atuar nos mais diversos setores da sociedade. Além de termos um momento com nossos discentes, que são a razão existência do Programa."

A programação do encontro é um reflexo da proposta do programa. Além das palestras e debates no Campus III, o evento contará com um momento cultural e um passeio de barco pelas águas do Rio São Francisco, proporcionando aos participantes um intercâmbio científico e uma experiência imersiva na realidade da região.

Mais informações sobre o evento e a programação podem ser acessadas nos perfis do Instagram @unebdtcs3 e @ppgecoh.

(Fonte: André Amorim - Jornalista-Núcleo de Assessoria de Comunicação)

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BANDA CABAÇAL IRMÃOS ANICETO E A FALTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS E VALORIZAÇÃO CULTURAL

"Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel". (Aderaldo Luciano)

A Banda Cabaçal Irmãos Aniceto completou este ano 210 anos de criação e tradição cultural. Por Decreto de Lei, a Banda é reconhecida como Patrimônio da Cultura Imaterial do Crato. O grupo já chegou a gravar quatro discos. O jornalista e colaborador da REDEGN, diz que falta um empenho maior das autoridades promoverem política públicas para garantir a valorização de um dos maiores patrimônios da cultura que é a Banda Cabaçal Irmãos Aniceto.    

A banda Cabaçal Irmãos Aniceto é histórico e foi fundado no século XIX, na cidade do Crato, Ceará, por José Lourenço da Silva, conhecido como José Aniceto. “Aniceto era descendente dos povos originários Kariri e trouxe elementos da cultura indígena e sertaneja para a música e dança.

A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto, conforme o memorialista do Crato, Huberto Cabral, é uma das mais divulgadas do Cariri no exterior, já tendo percorrido Portugal, Espanha, França e, no segundo semestre, estará na Turquia, para participar de um festival na região da Capadócia, além de já ter passado por diversos estados brasileiros.

A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto já se apresentou ao lado de importantes nomes da música brasileira, como o multi-instrumentista Hermeto Paschoal e o conjunto Quinteto Violado. Também participou de diversos filmes e documentários para a TV, durante sua trajetória artística.

O Mestre Adriano Aniceto, durante entrevista a REDEGN, destaca a trajetória que vem de várias gerações. Ele enaltece que a Banda nasceu na roça. “Na roça a gente ouve os pássaros, os bichos e levamos esses sons da natureza para nossa música”, disse Adriano.

Em agosto de 2019, foi inaugurado o Museu Orgânico, Casa do Mestre Raimundo Aniceto, cujas portas estão abertas à visitação do público com o intuito de valorizar a história do grupo e os instrumentos artesanais.

Na passagem pela terra, Raimundo Aniceto foi um Homem forte e dedicado às suas origens, Mestre Raimundo Aniceto, que nos deixou, em viagem ao Sertão da Eternidade, fez da sua morada e da sua história um palco “vivo” da cultura popular em toda a região. Mas seu legado continua, como sempre foi e como deve ser. “É por isso que a gente vem, com a maior alegria, representando nosso Ceará e nossa cultura. Enquanto existir os Irmãos Aniceto, o folclore não se acaba no Brasil”, afirma Adriano Aniceto.

Mestre Adriano, diz que a Banda Cabaçal Irmãos Aniceto segue viva. "Todos que fizeram parte da banda, eles tinham espíritos livres, gostavam muito de cantar, além de tocar e dançar. Cumpriram de verdade suas missões, deixando um legado muito bonito e abençoado que jamais será esquecido".


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FLÁVIO LEANDRO RECORDA O PROFESSOR ANSELMO GOMES DURANTE LIVE

 Em live neste domingo (24), o cantor e compositor Flávio Leandro fez uma recordação do advogado, poeta e compositor Anselmo Gomes. Flávio Leandro recordou o "jeito excêntrico, maneira extravagante, fora dos padrões considerados normais" de Anselmo Gomes" e contou que certa fez ele marcou um encontro pois queria o conhecer e conversar.

"Acontece que o professor Anselmo chegou lá em casa em Bodocó, e foi dizendo cada minuto a mais é um minuto a menos e foi embora. Nem foto tirou".

Na live Flávio conta que restou escrever a música Cor do tempo: Cada minuto a mais é um minuto a menos que a gente deixa de viver/Cada pegada na estrada dessa vida mostra a cor embranquecida da face do envelhecer/Cada fiapo de cabelo que se pinta mostra que o tempo tem tinta Pra pintar qualquer cristão

Pode ser forte, ser valente, ter dinheiro/Pode ser do estrangeiro ou de qualquer religião/Pode fugir que o tempo pega e lhe consome/Se ficar o tempo come, pro tempo tem jeito não...Valha me Deus, Vixe Maria ase eu pudesse contra o tempo eu lutaria Armava a rede na garupa do destino E no balanço matutino eu misturava noite e dia.

Anselmo Gomes já "partiu para o sertão da eternidade". Numa terça-feira (04) de dezembro do ano 2018, o professor Anselmo Gomes Rodrigues, morreu. 

Professor Anselmo era um pesquisador da obra de Luiz Gonzaga e um defensor da cultural brasileira.  Anselmo lecionou na UPE, Campus Petrolina e na Escola Paul Harris. Exerceu a Advocacia em Petrolina e região do Vale do São Francisco. Foi um dos professores pioneiros em levar os alunos para o Cemitério Local, para ter aula de filosofia e mostrar a fragilidade do corpo humano. Também, fantasiado de mendigo deu aulas práticas em um shopping com objetivo de fazer os jovens alunos refletirem sobre o preconceito.

Anselmo também compôs uma dezena de músicas. Na voz do juiz sanfoneiro, Ednaldo Fonseca, teve gravada Saudades de Luiz Gonzaga. Já o cantor e sanfoneiro Targino Gondim, gravou a música Na Sombra do Juazeiro, forró que recebeu elogios do mestre Dominguinhos, durante as festividades de nascimento de Luiz Gonzaga, numa das festas em Exu, Pernambuco.

A música embala, encanta, vibra o sentimento. É um mistério que emudece. Targino Gondim e Anselmo Gomes foram contagiados no ritmo, melodia e harmonia e fizeram uma música mais brasileira, tipo exportação, materializando o real sentido da palavra cultura.

Na Sombra do Juazeiro é o desenho cósmico da natureza-homem-mulher, expressão no choro solitário de dor na união dos destinos. É o juazeiro simbolo de resistência.

Confiram letra música: "No meu pé de serra na sombra do juazeiro eu passo o dia inteiro pra ver ela passar mas ela não vem e eu fico esperando sozinho, lamentando aguardando por meu bem/.

E toda quinta-feira lá tem arrasta pé, Vixe, como tem mulher e tanta brincadeira vai amanhecendo o dia e eu fico esperando sozinho, matutando mas não vem quem eu queria/.

Oh com tanta malvadeza faça isso comigo não se tens tanta certeza que é teu meu coração na próxima quinta-feira passe logo bem cedinho estou louco por teus carinhos e pra dançar um forrozão"...

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PROJETO DA EMBRAPA APOIA CULTURA ALIMENTAR EM COMUNIDADES DO NORDESTE

“É um divisor de águas”. “É transformador”. Essas são as avaliações de duas mulheres de comunidades que participam do projeto de pesquisa agro alimentar Paisagens Alimentares, coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Alimentos e Territórios Alagoas e financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que está transformando comunidades rurais no semiárido nordestino.

Sem a presença do pai, Anatália Costa Neto, a Nat, a caçula dos dez filhos, começou a trabalhar com 11 anos em casa de família. Ainda criança, ia para o mangue ajudar a mãe a pescar aratu e ostras. 

Hoje, aos 41 anos, é uma das 14 integrantes da Associação das Mulheres Empoderadas de Terra Caída de Indiaroba, em Sergipe. Nat chegou na comunidade aos 18 anos para se casar e não saiu mais. Além do artesanato que já faziam no local, com peças em crochê, macramê, madeira e conchas, agora após a pesquisa da Embrapa Alimentos e Territórios Alagoas, desenvolvem o projeto de turismo de base comunitária, que se tornou mais uma fonte de renda para a comunidade.

Nat ganhou, neste mês, o prêmio Mulher de Negócio, na categoria Microempreendedora Individual com o conjunto de ações que realiza na comunidade como a criação do hambúrguer de carne de aratu, um caranguejo típico do local, no qual concorreu com 150 mulheres do estado de Sergipe. Segundo ela, o produto que já era produzido anteriormente, ganhou atratividade após o trabalho da Embrapa.

“O projeto me fez vender mais, saber como calcular o preço, que eu não tinha noção. Foi através deles que eu agreguei valor ao meu produto. Vendo na lanchonete e outras de fora pegam comigo. O turista vem e leva para o consumo próprio com uma caixinha de isopor. Muita gente leva para fazer em casa”, contou à Agência Brasil.

O projeto Paisagens Alimentares tem como objetivo promover a valorização da cultura alimentar e do turismo sustentável de base comunitária na região. Os locais escolhidos receberam as visitas dos técnicos da Embrapa que começaram a trabalhar com os moradores em oficinas, intercâmbio e imersões, envolvendo diretamente mais de 500 participantes e provocando um impacto estimado em mais de cinco mil pessoas da região. 

No caso da Nat, a orientação para agregar valor beneficiou também outros produtos como os biscoitos de capim santo e de batata-doce, os produzidos a partir da fruta mangaba com geleias, cocadas, compotas, bolos e pudins, e os mariscos, que também têm sido um sucesso. 

“Assim a gente vai criando produtos para poder trazer mais fontes de renda para a nossa vida. São muitas coisas é só a gente ter a ideia que vai fluindo na mente. Foi através da Embrapa que a gente foi conhecendo mais”, comentou.

Ana Paula Ferreira, 38 anos, é do assentamento Olho D’Água do Casado de Palmeira dos Índios, no alto sertão de Alagoas, onde junto com outras sete mulheres é coordenadora. Segundo ela, o projeto da Embrapa promoveu mudanças no assentamento.

“É um projeto transformador, que está trazendo economia e liberdade, pertencimento principalmente, no território com essa questão de fortalecer o que é nosso e desse conceito que é viver da agricultura familiar com a contemplação para mostrar o que há de mais belo para nossos visitantes sobre o cotidiano dos agricultores que colocam a mão na terra para produzir o alimento saudável”, relatou a coordenadora, em entrevista à Agência Brasil. 

O território está inserido em uma área de reforma agrária tendo ao redor o Pôr do Sol dos Cânions Dourados e Cânions do São Francisco, permitindo ainda a exploração turística do local.

Para Ana Paula, a busca pela visibilidade do trabalho feito na agricultura familiar e em assentamentos é um fato importante para esses produtores. 

“No conceito de mostrar para o mundo o que estamos fazendo e as pessoas tirem essa venda dos olhos. Quando um visitante vem para a nossa comunidade e tem esse contato com o agricultor, os animais e o povo da roça é exaltado e dando importância a quem produz o alimento”, indicou.

Ela destaca que um dos avanços do projeto na comunidade foi trabalhar com o envolvimento de jovens do território que começavam a se afastar do trabalho feito no local. “Hoje com as universidades ao redor, os institutos e as oportunidades eles não precisam sair e nem sonhar ir tão longe” disse.

Além disso, houve uma expansão das atividades que podem ser desenvolvidas no Olho D’Água do Casado e resultar em geração de renda na agricultura que não eram vistas antes pela comunidade. “Depois da Embrapa e do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] na comunidade, a gente contemplou tudo dentro do assentamento, com esse conceito de preservação”, afirmou, completando com mais um avanço que é o projeto de artesanato desenvolvido com as mulheres locais aproveitando a biodiversidade da caatinga.

“Muitas pessoas têm o conceito de que a caatinga está morta no período de seca do verão, mas com os conhecimentos da Embrapa a gente viu que pode aproveitar a caatinga o ano todo e a preservação aumentou, ainda mais, pelas pessoas estarem cultivando as suas árvores nativas”, explicou. (Fonte Agencia Brasil)


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LUIZ GONZAGA -LÉGUA TIRANA: O FILME QUE ENCANTA COM SONS DOS SERTÕES

O jornal a FOLHA DE SÃO PAULO destaca que "Légua Tirana", nova cinebiografia de Luiz Gonzaga praticamente não se ouvem músicas do rei do baião. Há duas delas —"Vira e Mexe" e a faixa que dá nome ao filme, já nos créditos. Em vez do ronco do fole, ouvem-se os sons que emergem da terra no sertão nordestino.

"A gente carregou esse filme de silêncio para que as pessoas pudessem escutar o silêncio do sertão —que não é silêncio, é o carro de boi que aparece de repente, um passarinho, o chocalho. Quando você para de ouvir o que está em primeiro plano, começa a ouvir todo o resto", diz Diogo Fontes, codiretor da obra, ao lado de Marcos Carvalho. 

"A escuta do sertão está presente na obra de Gonzaga, é a matriz de sua criação."

É justamente dessa matriz —no caso, a infância— que trata "Légua Tirana". A maior parte do filme acompanha o jovem Luiz Gonzaga, interpretado por Kayro Oliveira, e sua interação com os pais, amigos, desafetos, desconhecidos, a geografia e até figuras míticas do sertão. É a imaginação do ambiente que forjou o artista, nascido na cidade de Exu, no Sertão de Araripe, na divisa de Pernambuco com o Ceará.

O espaço e seus habitantes foram incluídos na pesquisa para o filme tanto quanto as fontes bibliográficas usuais de uma cinebiografia —pessoas que conviveram com Gonzaga, livros e pesquisadores. É uma visão do sertão de dentro para fora, diz Marcos Carvalho, ele próprio nascido na região, filho de agricultores de Serra Talhada, em Pernambuco. Diogo Fontes também é nordestino, de Alagoas.

Boa parte da equipe do filme, ressalta o diretor, foi formada por moradores da região de Exu que passaram por um processo de formação e preparação de elenco. Isso inclui Wellington Lugo, que interpreta Luiz Gonzaga em sua versão adolescente.

"É um filme que nasce e brota do sertão", afirma Marcos Carvalho. "Sou muito conectado com essa questão da natureza, de ver o sertão em sua exuberância —na geografia, na flora, na fauna… Isso é muito importante para a gente que nasce e que vive no sertão."

Até por isso, Kayro Oliveira caiu como uma luva no papel. Descendente do povo indígena Anacé, de Caucaia, no Ceará, ele tinha apenas 11 anos quando filmou como o pequeno Gonzaga. Sanfoneiro que ganhou fama no programa The Voice, da TV Globo, o ator, hoje com 18 anos, é fã do rei do baião desde a infância.

"Eu tinha noção de que era um negócio grandioso, mas não tinha o pensamento de que era uma responsabilidade. Se tivesse, não teria saído do jeito que saiu", ele diz. "Tem um pouco de mim também. É como o diretor, o Diogo, sempre fala, todos nós temos alguma coisa de Luiz Gonzaga dentro da gente."

Para os admiradores mais assíduos do cantor, há dicas e referências sutis às suas letras no roteiro e arranjos musicais vez ou outra tocados na sanfona por Kayro de Oliveira. Mas "Légua Tirana", diz Marcos Carvalho, se passa num momento em que suas canções mais famosas sequer existiam, menos ainda eram sucesso no país.

O filme mira sua câmera para a relação do menino com o espaço —que nesse caso, não se trata de uma caatinga resumida à seca e ao sofrimento. "A miséria não é presente no filme como um atalho fácil", afirma Diogo Fontes.

"Légua Tirana" retrata tanto cenas verídicas, como o trabalho de Luiz Gonzaga como ajudante de tropeiro, em que sofre maus-tratos, situações em que o racismo se fez presente e a paixão pela sanfona herdada do pai. O ator Tonico Pereira dá vida a um padre bastante peculiar, inspirado numa figura conhecida de Exu.

Mas há também o que os diretores chamam de núcleo de encantados, ou personagens lúdicos que dão à obra ares de realismo mágico. Entre essas figuras está uma cigana interpretada por Cláudia Ohana e um cangaceiro vivido por Luiz Carlos Vasconcelos. "A proposta era realizar um sonho do Luiz, de se encontrar com Lampião", afirma Marcos Carvalho. "O próprio Januário [pai de Gonzaga] também está dentro desse núcleo, ele dá força ao filho para romper essa barreira."

A tal barreira é metaforicamente representada pelo paredão da Chapada de Araripe, cenário da maioria das cenas. Ela representa o maior embate do filme —um cabo de guerra entre as forças que puxam o jovem Luiz Gonzaga para ficar no sertão e as outras que o seduzem a viver o mundo que há além daquela terra.

"É o conflito entre o Luiz do Araripe e o Luiz do Mundo", afirma Fontes. "É Luiz do Araripe porque é o Luiz da mãe, da Santana, da família, da casa. E quando ele rompe com essa muralha, rompe também com a mãe. Nesse processo, o filme não o acompanha, mas fica com a mãe. Ele se mantém circunscrito nessa muralha."

É como se "Légua Tirana" fosse uma obra complementar a "De Pai para Filho", a primeira cinebiografia do rei do baião, de 2012, dirigida por Breno Silveira. Naquele filme, a história de Luiz Gonzaga é narrada através de sua relação conflituosa com o filho Gonzaguinha, nascido no Rio de Janeiro.

Há pelo menos duas cenas que se repetem nessas obras, mas de pontos de vista diferentes. "O filme do Breno acompanha de fora, e a gente, de dentro", afirma Fontes. E se o filme de Silveira tinha o pai, Januário, como força antagônica, quem agora ocupa esse lugar é a mãe, Santana, ele acrescenta.

Outra figura que dialoga com o filme de 13 anos atrás é Chambinho do Acordeon, que se tornou uma figura conhecida em todo o Nordeste pelo talento com o instrumento e também por dar vida a Gonzagão nas telonas. Ele agora volta ao papel, desta vez para incorporar um rei do baião mais velho.

Chambinho conheceu Marcos Carvalho em Exu, no centenário de Gonzaga, quando o diretor fez a proposta a ele. "Confesso que fiquei com um pé atrás por já ter interpretado Luiz Gonzaga anteriormente", diz. "Mas quando ele me mandou o roteiro, me apaixonei."

O ator ficou seduzido pela ideia de ver na tela uma "criança vivendo no sertão e absorvendo aquele universo", que inclui "bandas de pífanos, repentistas, emboladores, o coco, os aboios". "Consegui visualizar um gênio da música popular brasileira nascendo no sertão de Pernambuco e levando consigo todas as suas origens. Tudo isso ele aplica no seu instrumento e na sua voz."

Ele conta que apenas tranquilizou o jovem Kayro Oliveira nas filmagens, mas afirma que, para viver o artista, um mito nordestino, é preciso se esquecer um pouco do Luiz Gonzaga gênio. "A gente teve que se atrelar ao ser humano Luiz Gonzaga. O filho de Januário e dona Santana. Com toda sua vontade de vencer, mas todas as preocupações —de um matuto, sertanejo, nas brenhas do sertão. E no século passado."

Há outra forma de dizer que o filme busca no humano os elementos que fizeram dele um mito —"Légua Tirana" busca o que há de sertão no rei do baião. "Em época de São João, você olha para o céu e vê uma bandeira tremulando com a imagem de Luiz Gonzaga estampando o infinito", diz Carvalho. "Nasci no sertão, sou apaixonado por ele. E Gonzaga o representa de uma forma poética, bonita —é a tradução do sertão."

"O que eu peço para o público é que vá de coração aberto, sabe? E que ouça essa canção, esse poema em forma de filme, que a gente fez em honra e em homenagem ao grande mestre Luiz Gonzaga", disse o diretor Marcos Carvalho.

Para Chambinho do Acordeon, o filme é emocionante: "Quem puder levar um lenço... Porque pode ter certeza que irá se emocionar com a obra feita com muito amor, com muita dedicação. Retrata um período um pouco desconhecido da memória dos brasileiros, porque a gente tem uma lembrança do Gonzaga de 'Asa Branca' para cá, mas o filme vai até 1946".

O filme, que tem distribuição pela O2 Play, entrou em cartaz no dia 21 de agosto.

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ARRETADO: BESOURO INÉDITO É DESCOBERTO NA CAATINGA POR PESQUISADORES DO CEMAFAUNA

Um pequeno habitante da Caatinga acaba de ganhar destaque mundial: trata-se do Athyreus arretado, uma nova espécie de besouro da família Geotrupidae (grupo popularmente conhecido como "besouros escavadores") descrita recentemente por pesquisadores do Centro de Conservação e Manejo de Fauna da Caatinga (Cemafauna) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). O achado foi publicado na revista científica Zootaxa e amplia o conhecimento sobre a biodiversidade única do semiárido brasileiro.

O nome curioso da espécie, Athyreus arretado, é uma homenagem a uma expressão típica do Nordeste usada para destacar algo impressionante, belo ou espetacular. O apelido não poderia ser mais adequado, já que o besouro se diferencia por características marcantes na sua morfologia, como o chifre localizado na parte frontal do pronoto (a "placa" que cobre a parte superior do tórax) e a presença de carenas (estruturas em forma de cristas) que desenham um padrão semelhante à letra "J" em seu corpo. Medindo cerca de 2,3 centímetros de comprimento, o besouro apresenta coloração marrom-avermelhada no dorso e tonalidade alaranjada na parte inferior. Segundo os pesquisadores, os exemplares observados foram atraídos pela luz de lanternas e voavam próximos ao solo, a apenas 60 cm de altura.

O novo inseto foi encontrado na Ecorregião das Dunas do São Francisco, no município de Casa Nova/BA. Essa área de paleodunas (antigas dunas de areia hoje cobertas por vegetação da Caatinga) é considerada prioritária para a conservação da fauna e flora, justamente pela alta ocorrência de espécies endêmicas (que só existem ali). De acordo com o estudo, este é o primeiro besouro da família Geotrupidae descrito para a região e apenas o segundo registro de uma nova espécie de Coleoptera (ordem dos besouros) nas dunas do Submédio São Francisco.

Para o pesquisador Gabriel Luiz Celante, que assina a descrição da nova espécie, a descoberta é uma prova do quanto a Caatinga ainda tem a revelar. "A descoberta do Athyreus arretado mostra o quanto ainda temos a conhecer sobre a biodiversidade da Caatinga. Esse besouro foi encontrado em uma região pouco estudada e isso reforça que o bioma guarda espécies únicas que precisam ser registradas e preservadas. Nosso trabalho não é apenas dar nome a um ser vivo até então desconhecido pela ciência , mas também chamar atenção para a importância da conservação desse ecossistema que é exclusivamente brasileiro", destaca.

Já o professor Dr. Benoit Jean Bernard Jahyny, coordenador do Laboratório de Mirmecologia do Cemafauna, ressalta a relevância do estudo como parte de um esforço maior de preservação. "Cada nova espécie descrita é uma peça que se encaixa no grande quebra-cabeça da vida. O Athyreus arretado evidencia a riqueza natural na Caatinga e o papel fundamental da pesquisa científica realizada no sertão. Trabalhos como este reforçam o compromisso da Univasf e do Cemafauna em gerar conhecimento aplicado à conservação e em valorizar o patrimônio natural que temos no semiárido", afirma.

A coordenadora do Cemafauna, professora Dra. Patrícia Nicola, destaca que a descoberta também demonstra a importância da ciência aplicada à realidade local. "O Athyreus arretado é mais um exemplo de como a Caatinga ainda guarda segredos extraordinários. Cada espécie registrada fortalece nosso compromisso em conservar a fauna e em mostrar à sociedade que proteger esse bioma é essencial não apenas para o equilíbrio ambiental, mas também para o futuro das comunidades que vivem no semiárido", ressalta. Patrícia ainda destaca que a descoberta "reforça a relevância ecológica da Caatinga, bioma que apesar de ser o maior conjunto de florestas sazonais secas da América do Sul, ainda é pouco estudado em termos de diversidade de insetos. O achado contribui para o mapeamento da biodiversidade e alerta para a necessidade de conservar esse ecossistema, frequentemente ameaçado por desmatamento, queimadas e avanço agrícola."

A pesquisa é assinada por Gabriel Luiz Celante, Adhan Gabriel Carvalho e o professor Dr. Benoit Jean Bernard Jahyny, do Laboratório de Mirmecologia da Univasf, e por Kaylla Brisley Silva Araújo e Paula Batista dos Santos, do Museu de Fauna da Caatinga/Univasf. O material coletado integra o acervo científico do Cemafauna,  mais especificamente na Coleção Científica de Entomologia do Museu de Fauna da Caatinga, que atua há mais de uma década na conservação da fauna silvestre da Caatinga. O artigo está disponível no site da Revista Zootaxa: https://mapress.com/zt/article/view/zootaxa.5512.3.4

Texto: Jaquelyne Costa

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