LEO RUGERO: SEU JANUÁRIO, TOCADOR DE OITO BAIXOS, PAI DE LUIZ GONZAGA

Pouco sabemos a respeito de Seu Januário, pai de Luiz Gonzaga e “vovô do baião”. José Januário dos Santos nasceu em Floresta, sertão de Pernambuco, no dia 25 de setembro de 1888, ano da Abolição da Escravatura. Alguns dizem que Januário não teria nascido em Floresta, mas em algum outro município dos arredores. Também não se sabe, ao certo, em que ano Januário chegou à Fazenda Araripe, nas terras pertences ao Coronel Manuel Aires de Alencar, filho de Gauder Maximiliano Alencar de Araripe, o Barão de Exu. 

Pelo que conta a história oral, esta palavra homônima do orixá africano, é uma corruptela de Ansú (?), grupo indígena que habitava a Serra do Araripe. Daí o nome daquele latifúndio pertencente ao Barão ter sido posteriormente batizado de Exu.

Januário trabalhava como agricultor e na confecção de couro. Não se sabe como Januário teria aprendido a tocar e afinar sanfona de oito baixos. Teria sido sozinho, isolado no sertão pernambucano? Alguns dizem que ele teria conhecido um mascate judeu na Chapada do Araripe.

Nas recordações de infância de Luiz Gonzaga, seu pai aparece como um sanfoneiro respeitado das redondezas. De forma mítica, Januário é apontado como o pioneiro da sanfona nordestina. Com certeza, haviam outros sanfoneiros, com seus solos de sanfona que talvez tenham sido levados para sempre no vento que sopra nas catingas, a espera de que alguma fotografia ou lembrança familiar seja encontrada para que a história possa ser reescrita. 

Se sabemos algo mais sobre Januário, isso se deve à Luiz Gonzaga. Graças às letras e narrativas de Gonzaga, conhecemos tão bem certos personagens e detalhes daquela região que muito provavelmente estariam esquecidos, ou, ao menos, escondidos por trás da espessa mato do cerrado.

A atuação profissional de Januário no contexto fonográfico foi errática, tendo ocorrido em 1955, na gravadora RCA-Victor, quando gravou dois discos de 78 rotações, acompanhado de sua prole. No selo dos discos, o velho sanfoneiro era apresentado como “Januário, seus filhos e sua sanfona de oito baixos”. Nestas gravações, podemos ouvir a “sanfona abençoada”, tal como se refere Luiz Gonzaga no xote “Januário vai tocar”. 

A letra autobiográfica, discursa sobre o papel social do sanfoneiro nos bailes interioranos e reforça a relação deste instrumento com o passado rural e as populações menos favorecidas economicamente: “a cidade te acha ruim, mas eu não acho".

Ai, ai, sanfona de oito baixos,
Do tempo que eu tocava na beira do riacho.
Ai, ai, sanfona de oito baixos,
A cidade te acha ruim, mas eu não acho

Lá na Taboca, no Baixio, lá no Granito,
Quando um cabra dá o grito: - Januário vai tocar!
Acaba feira, acaba jogo, acaba tudo,
Zé Carvalho Carrancudo tira a cota pra dançar.

Outra música gravada por Januário é o solo instrumental “Calango do Irineu”, que pode nos revelar um pouco da técnica e do estilo pessoal de Januário. Neste baião, está presente a 7a menor da escala maior, tão característica da música trazida por Luiz Gonzaga. Também estão as 3as paralelas e consecutivas, segundo o maestro Guerra-Peixe, uma reminiscência do gymel, uma técnica de harmonização medieval surgida na Inglaterra tão presente na música brasileira. Acima de tudo, nesta música encontramos aquele “tempero” que torna peculiar o estilo nordestino de tocar sanfona, que é facilmente perceptível ao primeiro toque, embora difícil de ser descrito em palavras.

Alguns anos antes, em 1950, Januário seria apresentado ao grande público, através do disco e do rádio, por seu filho, Luiz Gonzaga e o parceiro Humberto Teixeira, com o xote “Respeita Januário”. Numa narrativa metalingüística, Gonzaga descreve seu deslocamento de Exu, foragido de uma briga, da qual foi ameaçado de morte, e a longa epopéia que culmina com o retorno ao berço natal, já consagrado como Rei do Baião no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. 

Escrito com tinturas épicas de uma saga nordestina, o relato de Gonzaga tornou-se maior e mais real do que a história literal, onde personagens ganham vida em diálogos que teriam sido inventados, mas que acabaram tomando vida própria e se eternizando de forma mítica na imaginação popular. Muito provavelmente, pela primeira vez, na história da canção popular urbana, se versava sobre a sanfona de oito baixos e o papel social do sanfoneiro no sertão nordestino. Outro aspecto salientado pela letra desta canção é a relação de constante recusa e desafio entre pai e filho que permeia a transmissão da herança cultural, que não é ensinada, mas é aprendida.

No ano de 1952, Luiz Gonzaga reuniu seu pai e seus irmãos, formando o conjunto “Os Sete Gonzagas”, que realizou apresentações inesquecíveis nas rádios Tupi, Tamoio e Nacional. Por sorte, estas gravações foram registradas em áudio, e podemos ouvir as performance de Januário ao vivo.

No entanto, Januário poderia ser aquele personagem da letra de Gilberto Gil para a melodia “Lamento Sertanejo” de Dominguinhos. Avesso à cidade grande, “por ser de lá do sertão, lá do roçado, lá do interior do mato, da catinga e do roçado”. Januário não se adaptou ao sitio dos Gonzaga em Santa Cruz da Serra, no Rio de Janeiro. Preferiu voltar a Serra do Araripe, entre a catinga e o roçado, na lavoura, tocando sanfona de oito baixos na beira do riacho.

No entanto, a despeito de sua atuação profissional em música ter sido tão breve e fugaz, sua herança foi transmitida através dos filhos; Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Severino Januário e Chiquinha Gonzaga. Através deles, a música do velho Januário foi ressignificada ao contexto fonográfico, se entranhando na alma nordestina, como se fizesse parte da paisagem sertaneja, traduzindo em contornos melódicos a poética do sertão.

Januário veio a falecer aos 90 anos, em 11 de junho de 1978, em Exu. Salve Januário, pai de Luiz Gonzaga e pioneiro da sanfona de oito baixos na região Nordeste.

Fonte: Leo Rugero. Bacharel em violão clássico pelo Conservatório Brasileiro de Música e Mestre em Musicologia pela Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Léo Rugero, é hoje uma referência no Brasil quando o assunto é sanfona de oito baixos
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JOQUINHA GONZAGA, SOBRINHO DE LUIZ GONZAGA E NETO DE JANUÁRIO COMPLETA 66 ANOS DE VIDA DE VIAJANTE

Apesar da invasão das bandas eletrônicas nos festejos juninos ainda mais evidente a cada ano vivido neste século 21, principalmente, nos contratos envolvendo prefeituras, o legítimo herdeiro musical de Luiz Gonzaga, o sobrinho Joquinha Gonzaga arruma o chapéu de couro, afina a  sanfona, zabumba e triangulo e ganha a estrada para fazer forró do bom.

Neste 01 de abril ele completa 66 anos. João Januário Maciel, o Joquinha Gonzaga é hoje um dos poucos descendentes vivos da família. Dos nove filhos de Santana e Januário, todos eles, já partiram para o sertão da eternidade. Joquinha Gonzaga, nasceu no dia 01 de abril de 1952, filho de Raimunda Januário (Dona Muniz, segunda irmã de Luiz Gonzaga) e João Francisco Maciel.

A filha de Joquinha, Sara Gonzaga é a atual produtora empresária do sanfoneiro que traz a humildade e o sorriso de Luiz Gonzaga estampado em cada abraço. Sara diz que durante todo o ano a vida do pai e sanfoneiro Joquinha "é andar por este Brasil percorrendo os sertões para manter a valorização dos verdadeiros sanfoneiros presente nos forrós".

No período das festas juninas, de maio até julho, a agenda de Joquinha Gonzaga ganha outro ritmo. É mais acelerada! "É assim que vou pelejando! Alô Exu, meu moxotó e cariri tô chegando prá tocar ai", brinca Joquinha Gonzaga, ressaltado que "todo ano é uma peleja pra levar o verdadeiro forró prá frente e mostrar o baião e xote, para o povo, como pediu "meu tio Luiz Gonzaga".

Se a sanfona de Dominguinhos, discípulo maior de Luiz Gonzaga, cabia em qualquer lugar, a sanfona de Joquinha Gonzaga tem a herança original do pé de serra do Araripe e banhos do Rio Brígida. Joquinha traz com sua sanfona o tom cada vez mais universal divulgado por Luiz Gonzaga. 

Seguindo o estradar e os sinais da vida do viajante vai Joquinha cumprindo os compromissos de agenda puxando o fole e soltando a voz, valorizando a tradição e mostrando para as novas gerações a contemporaneidade, modernidade dos acordes da sanfona modulada no ritmo, melodia e harmonia.

Sara conta orgulhosa do DNA, que Joquinha Gonzaga é o mais legítimo representante da arte de Luiz Gonzaga. Mora em Exu, Pernambuco. "Sempre está  contando histórias. Não foge das características do forró, xote, baião. Procura sempre a melhor satisfação do público que tem uma admiração especial a família, a cultura de Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Severino e Chiquinha também tocadores de sanfona e já se foram. O estilo musical não pode ser diferente. É gonzagueano", diz Sara, na vitalidade da juventude.

Joquinha conta que quando completou 23 anos começou a viajar com Luiz Gonzaga e foi aprendendo, conhecendo o Brasil inteiro. "Ele não só me incentivou, como também me educou como homem. Era uma pessoa muito exigente, gostava muito de cobrar da gente pelo bom comportamento. Sempre procurando ensinar o caminho certo. Tudo que ele aprendeu foi com o mundo e assim eu fui aprendendo", revela Joquinha.

Luiz Gonzaga declarou em público que Joquinha é o seguidor cultural da Família Gonzaga. Com Luiz Gonzaga cantou em dueto a música "Dá licença prá mais um'. Em 1998 Joquinha Gonzaga participou da homenagem "Tributo a Luiz Gonzaga", em Nova York, no Lincoln Center Festival. 

“É emocionante a devoção que todo nós ainda hoje temos por Luiz Gonzaga e Dominguinhos e isto cresce a cada ano, mesmo com a invasão dessas bandas. Mas o importante é que o verdadeiro forró não morre”, diz Joquinha Gonzaga. 

Contato para shows de Joquinha Gonzaga: (87) 999955829 e watsap: (87)999472323
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LUIZ GONZAGA O SANFONEIRO DA FÉ DO POVO DE DEUS

O nordestino tem uma fé religiosa que se exprime de muitas formas. A música de Luiz Gonzaga documentou romarias, novenas, procissões, promessas... Uma trajetória de fé e orações direcionada para ícones como o Padre Cícero e Frei Damião. A fé foi o tema do programa "O Reino Cantado de Luiz Gonzaga", da Globo Nordeste, que homenageou o legado do Rei do Baião, no ano do centenário do seu nascimento, em 2012.

A relação entre arte e ciência pode se concretizar de diversas formas, dentre elas,
através da produção musical. A música tem o poder de expressar os sentimentos, revelar a memória, conhecer as representações sociais, o contexto político e o imaginário popular, além da capacidade de dialogar com o conhecimento histórico.

Neste sentido, as músicas cantadas por Luiz Gonzaga merecem destaque, pois tratam de temas tipicamente do nordeste brasileiro, como a cultura e a fé em relação à seca e às suas experiências. As secas constituem uma realidade presente, atuante nos dias de hoje, como no passado.

Lembrei isto nesta madrugada, no silêncio do dia que inicia a Semana da Pascoa onde me parece que o nordestino reza com mais Fé.

O professor Gilbraz Souza lembra que nosso país teve uma colonização europeia e uma evangelização católica e uma tradição mais oral do que escrita. "Por exemplo, a bíblia não era lida na nossa língua. As pessoas tinham que se valer dos seus próprios meios para transmitir histórias através de contos, loas e benditos. Então não era uma igreja de padres com livros, mas de lideranças carismáticas que usavam da sua intuição religiosa para distribuir bênçãos, fazer rezas e contar histórias edificantes", explicou.

Frei Damião foi um dos ícones cantados por Luiz Gonzaga. "Quando Luiz Gonzaga canta 'Frei Damião, onde andará Frei Damião?', esta frase mexe com o coração do romeiro", diz o romeiro Josenildo Sales.

"Minha mãe era muito religiosa. Batizava, dava extrema unção. Todas as segundas eu ia com ela e as amigas para o cemitério rezar o Terço das Almas", conta a cantora e compositora Bia Marinho.

A rezadeira Julieta Silva diz que aprendeu o ofício com a mãe aos seis anos de idade. "É a fé quem cura. Se não tiver fé, não tem resultado", afirma.

Para o pesquisador Francisco Irineu, a influência da religiosidade vem de antes do nascimento. "Meu pai, devoto de São Francisco das Chagas do Canindé. Então todos nós, meus irmãos e minhas irmãs, somos 'Francisco' e 'Francisca'", conta. Para ele, Luiz Gonzaga foi o maior protagonista do povo simples e religioso. "Ele difundiu para o mundo a cultura daqueles que sofrem e sobrevivem na fé", argumenta.
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NATUREZA FORTE: SERTÃO VAI VIRAR TEMA DE NOVA SÉRIE DE TV

Foram mais de seis mil km rodados pelo Semiárido brasileiro, entre Bahia e Pernambuco, por alguns lugares nunca visitados por equipes de produção cinema.
Dividida em 13 episódios, a série de documentários "Natureza Forte" traz as mais genuínas e inspiradoras histórias de pessoas que vivem no semiárido, região cuja incidência de chuvas é muito abaixo da média brasileira. 

A série mostra o semiárido como nunca visto antes. Produzida pela WW Filmes em parceria com o Canal Futura(Fundação Roberto Marinho), além do aparato de cinema, drone filmando em 4k e câmeras digitais de alta resolução, a produção contou também com trilha sonora original composta pelo Wagner Lima do Grupo Matingueiros.


A estreia será na próxima quarta-feira (28/03) em horário nobre, às 22h30, no Canal Futura, com reprises às quintas-feiras às 11h15min, sábados à 1h15min e terças às 4h45min até junho/2018. Além da TV, é possível acompanhar também pela internet no site do FuturaPlay, gratuitamente. 


Ao todo são mais de 2h40min de conteúdo que destaca a capacidade de convivência com o Semiárido, ao invés de pensar em combater a seca, desconstruindo estereótipos. 


"Estávamos lá num momento histórico em 2017. Foi a pior seca dos últimos 173 anos [de acordo com Inmet]. Mesmo assim, não trazemos vitimismo ou miséria. Ao contrário, temos um material repleto de sorrisos, superação, perspicácia e muito muito trabalho, de um povo cuja natureza é heroica. Por isso "Natureza Forte", e por isso que é inspirador!", afirma o cineasta Wllyssys Wolfgang, que divide a direção da série com a Geisla Fernandes, que esteve pela primeira vez na caatinga para a preparação e produção da série.


"As pessoas que encontrei foram tão genuínas e maravilhosas, com histórias tão incríveis de uma busca incansável por desenvolvimento, que dava sempre uma tristeza quando chegava a hora de ir embora. O que eu trouxe foi um aprendizado sobre  força de vontade e amor", destaca a diretora Geisla Fernandes.


A série "Natureza Forte" contou com o apoio da ONG IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), que há 28 anos desenvolve soluções e alternativas para a convivência no Semiárido. A instituição esteve presente em todo o processo de pré-produção e gravação, acompanhando, orientando e abrindo portas e porteiras para que as equipes chegassem a lugares jamais visitados por equipes de TV/Cinema. 


PRÓXIMAS PRODUÇÕES: As produções não param por aqui. Em julho deste ano a WW Filmes também gravará na região o piloto da minissérie de ficção "Atrofia" (suspense). A produtora fará seleção de equipe e elenco na região. Mais informações e confirmação de datas serão publicadas no site da produtora (wwfilmes.com.br) e na fanpage (facebook.com/WWFilmes).




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CANTOR E COMPOSITOR MESSIAS HOLANDA MORRE AOS 76 ANOS

A música brasileira perde mais um de seus ícones. Faleceu ontem segunda-feira (26), aos 76 anos, um dos maiores representantes do forró e da cultura: o cantor e compositor Manuel Messias Holanda da Silva. O músico foi vítima de falência múltipla dos órgãos.

Natural de Missão Velha, cidade localizada na Região do Cariri,Messias  Holanda ficou conhecido por suas letras irreverentes, dentre elas a consagrada “Pra tirar coco”, além de “Mariá”, “O tamanho da bichona” e tantas outras. Também cantou um das mais belas músicas do cancioneiro, Flor do Campo. Sua discografia abrange dois discos de 78 rotações, 19 discos, 15 LPS individuais e 11 CDS, além de diversas coletâneas.

Além da irreverência, Messias Holanda também deixou sua marca na simplicidade. Sempre acessível, fazia questão de, ao final de suas apresentações, receber os fãs e vender seus CDs pessoalmente. A família garante que realizará seu desejo: “Façam uma festa no meu velório, não quero nada de tristeza. Só alegria”. 

O o sepultamento ocorre nesta terça-feira (27), no Cemitério São João Batista, em Fortaleza.







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VIDAS SECAS: LIVRO COMPLETA 80 ANOS E CONTINUA ATUAL. O CAMINHO TEM OUTRAS CURVAS DE DOR E DE LUTA EM BUSCA DE ÁGUA

Sol a pino. Mas o calor ferve também do chão. O que já foi rio se transforma em mais caminho. Mais uma terra rachada. Nesta história de passos-jazigos, cruzes se espalham no cenário emoldurado por uma linha do tempo hostil, de marcas na pele das pessoas e na alma do país, com terra áspera nas memórias.

Os infelizes estão nas primeiras palavras de Vidas Secas e não são apenas personagens do olhar de Graciliano Ramos, em meio ao sertão, no ano de 1938. Oito décadas depois da descrição dura de um dos gênios da literatura brasileira, o caminho tem outras curvas de dor e de luta em busca de um mesmo bem: a água.

Se o espaçar do tempo é remontado para presente e futuro, as páginas podem ser reconstruídas para muito antes da obra clássica do século 20, com narrativas de pestes, de doença, de sede e de fome. Fato é que não há novidade nesse percurso. Nada acontece pela primeira vez na imensa planície avermelhada brasileira, principalmente a nordestina. Registros de secas brasileiras refazem uma viagem no mínimo ao século 16.

As principais secas brasileiras da história ocorreram no Nordeste oriental: Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. São roteiros repetitivos em cenários sertanejos, agrestinos, semiáridos. “Essa é a área de maior irregularidade espacial e temporal de chuvas. Nos períodos de 'manchas solares', por exemplo, as secas são mais intensas. Esse fato já vem sendo estudado desde o início do século 20. Quando se fala em 'episódios mais graves de secas', em geral, nos referimos àqueles anos em que as consequências socioeconômicas foram mais intensas”, explica o professor de climatologia Lucivânio Jatobá, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) Kênia Rios ressalta que a seca não é apenas regida por dados pluviométricos. Trata-se de uma rede de relações políticas e culturais. “A gente teve o reconhecimento do imperador Dom Pedro II. Ele veio ao Nordeste para conhecer a situação”, afirma.

Histórias áridas passadas e tão presentes. A rotina das secas e a busca por água é enredo de desastres socioambientais, registrado nos livros, em documentos, no número incontável de vítimas e na luta pela sobrevivência. Também não há como contabilizar os personagens gracilianos, “Fabianos” e outras tantas famílias não nomeadas espalhadas pelo país.

Brasileiros retirantes são personagens que sofrem muito mais do que os da ficção. Formaram colunas de migrantes da seca, fugitivos pela sobrevivência numa realidade contada no tecido histórico enrugado pelos séculos. 

“Na maioria das vezes, quando as secas são mais severas e prolongadas, eles precisam migrar para as cidades ou para outras regiões do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília ou a Amazônia. Isso ocorreu inúmeras vezes na história, em 1877, 1915, 1932, 1958 e 1983”, apontou em artigo o economista Antonio Rocha Magalhães, um dos principais pesquisadores em desenvolvimento sustentável do país.

Fonte: Agência Brasil/Luiz Cláudio Ferreira
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DOMINGUINHOS SEMPRE FIEL Á SANFONA

Na mais tenra infância, José Domingos de Morais, o Dominguinhos, já tocava sua sanfona tão bem que, num sábado, sua mãe se aprontou, colocou o instrumento num saco, pegou o menino e ia saindo quando o pai perguntou: “Onde cê vai, Mariinha” e ela respondeu: “Vou ali”. “Ali” era a feira, explicou o músico ao GLOBO, em 23 de fevereiro de 1973.

-Quando chegamos, ela tirou a sanfoninha de dentro do saco e disse: “Agora pode tocar”. Botamos o chapéu no chão e choveu tanta prata de um cruzado (cruzeiro) e quinhentos réis, que encheu o chapéu. — contou o sanfoneiro na ocasião.

O chapéu de couro cru de boiadeiro permaneceu para sempre na vida do menino, que, por mais de 60 anos continuou ganhando a vida da mesma forma: tocando sua sanfona para quem quisesse ouvi-la. Os palcos, entretanto, se tornaram muito maiores.

Nascido em 12 de fevereiro de 1941, logo cedo Dominguinhos começou a experimentar o instrumento do pai, seu Francisco, um dos melhores tocadores e afinadores de sanfona de Garanhuns, no interior de Pernambuco, a 230 quilômetros do Recife. Depois do sucesso na primeira apresentação, ele passou a tocar sempre que podia. Então, Dominguinhos teve um momento de sorte: Luiz Gonzaga, o rei do baião, viu uma apresentação sua em 1949, quando ele se apresentava em frente a um hotel da cidade.

— Tocamos, e no final o Gonzaga nos deu o endereço dele aqui no Rio e também 300 mil réis. Ora, a gente que vivia naquele tempo com quinhentos réis, um cruzado (cruzeiro), dez tostões, quase morremos de alegria com tanto dinheiro. Sabe, nós passamos muito tempo comendo daquele dinheiro. Foi uma coisa louca — afirmou o músico, que, no entanto, não pôde por muito tempo ir atrás do ídolo no Rio.

Em 1954, ele chegou a Nilópolis, na Baixada Fluminense, para morar com o pai e o irmão. O jovem músico lavou roupas, fez entregas em uma tinturaria, até que um dia decidiu ir ao endereço de Luiz Gonzaga e de lá, como o próprio Dominguinhos costumava dizer, não saiu mais. Era o início de uma parceria que iria durar até o fim da vida de Gonzagão, e que fez dele o mentor de Dominguinhos, que seria considerado seu sucessor musical. Gonzaga até sugeriu a mudança do nome artístico de seu protegido, que até então se apresentava como “Neném”:

— Ele me disse: “Rapaz, esse negócio de Neném é apelido que veio de casa, você já está crescido, que tal mudar para Dominguinhos?” — afirmou ao GLOBO em 14 de agosto de 2010.

Aos 16 anos, o recém nomeado Dominguinhos já acompanhava Luiz Gonzaga em shows e gravações. Um pouco depois, ele conseguiu um emprego na Rádio Nacional, onde tocou com nomes como Jackson do Pandeiro, Marinês, Genival Lacerda, Trino Nordestino, Jorge Veiga, Ciro Monteiro e outros. Em 1960, o menino do forró e do baião entraria fundo na MPB, e um pouco mais tarde, em 1965, conheceu Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Chico Buarque.

— Em 1972, compus com Anastácia “Eu só quero um xodó”. Gil ficou maluco pela música. Então, fui tocar na banda da Gal e do Gil, ele aprendeu o “Xodó” e tudo floriu — contou em entrevista de 21 de setembro de 2000, sobre o maior sucesso de sua carreira, composto com a parceira e mulher na época.

No mesmo ano, o empresário dos baianos, Guilherme Araújo, o convidou para fazer parte das apresentações de Gal e Gil no Festival de Midem, em Cannes, na França.

— O povo todo endoidou com o nosso ritmo e nossa espontaneidade. Não foi como os outros artistas que vieram com show montado, como o Isaac Hayes. — afirmou Dominguinhos na época.

O impacto do espetáculo em sua carreira foi imenso e ficou registrado em crítica de Sérgio Cabral, publicada no GLOBO em 25 de junho de 1976: “Se outro mérito não tivesse o chamado grupo baiano, o de ter tornado o sanfoneiro Dominguinhos um nome conhecido nacionalmente já contaria muitos pontos a seu favor”.

Em 2002, ele venceu o Grammy Latino de melhor álbum local, com o CD “Chegando de mansinho”. Em 2007, ganhou o Prêmio TIM na categoria de melhor cantor regional. No ano seguinte, esse mesmo prêmio o homenageou, numa cerimônia que teve convidados como Nana Caymmi, Elba Ramalho, Gilberto Gil, Zezé di Carmago & Luciano, Ivete Sangalo e Vanessa da Mata. Em 2010, Dominguinhos ganhou o Prêmio Shell de Música pelo conjunto da carreira.

As letras de Dominguinhos ficaram conhecidas também na voz de Elba Ramalho (“De volta pro aconchego”), que em entrevista ao GLOBO, em 20 de março de 2005, disse sobre o amigo com quem lançara um disco:

— Ele é um dos maiores músicos do mundo, e não sou eu que digo isso, é Gil, Lenine, Chico, toda a música brasileira acha isso. Mas acho que há um descuido em relação à obra dele, que é um grande sanfoneiro, é um grande cantor, mas também é um grande compositor. Talvez seja um preconceito contra a música nordestina, de não reconhecer num sanfoneiro um grande compositor.

Dominguinhos faleceu, aos 72 anos, em 23 de julho de 2013, devido a complicações infecciosas e cardíacas, depois de passar meses internado no Hospital Síro-Libanês, em São Paulo, por complicações decorrentes de um câncer no pulmão, descoberto em 2006, deixando três filhos. 

Alguns dos maiores nomes da música brasileira, como Chico Buarque, Moraes Moreira, Elba Ramalho e Wagner Tiso divulgaram notas lamentando a morte do artista. No dia 25 de julho, O GLOBO publicou um artigo assinado pelo cantor e compositor Chico César chamado “É forró no céu, comandado por Gonzagão”, sobre a vida e a história de Dominguinhos. Na mesma edição, Moraes Moreira, o cantor, escreveu um poema especialmente para O GLOBO, chamado “Outrora foi o Gonzaga, agora vai Dominguinhos”.

Fonte: *Augusto Decker*
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