OS PERIGOS DAS FALÁCIAS ECOLÓGICAS

Um dos maiores desafios das ciências têm sido os estudos que buscam compreender como os indivíduos se comportam e até que ponto determinadas características de um grupo influenciam seu comportamento. Existe uma longa literatura que enfatiza a importância de evitarmos tirar conclusões sobre indivíduos com base em dados que se referem a um determinado grupo de pessoas ou dados agregados, e também evitar o erro inverso: usar a informação de indivíduos para generalizar o comportamento de um grupo. Em ambos os casos cometemos um erro que chamamos de falácia ecológica.

É especialmente difícil evitar as falácias ecológicas porque os dados agregados são baseados em dados coletados de indivíduos e por isso, muitas vezes, pensamos que temos informações suficientes para chegar a determinadas conclusões. Um exemplo recorrente deste erro pode ser observado em estudos realizados nos períodos eleitorais. 

Frequentemente, mapas são utilizados para generalizar padrões que supostamente existem entre as intenções de voto e renda dos eleitores. Nesses mapas, dados sobre a renda média e a porcentagem de votos em cada município do País são utilizados para afirmar que as localidades com renda média mais alta tendem a votar contra partidos progressistas. A conclusão implícita é que níveis de renda mais altos levam os indivíduos a ter uma maior probabilidade de não votar nos candidatos progressistas. 

Porém, ao chegarmos a esta conclusão levamos o leitor a uma falácia ecológica porque generalizamos a relação entre renda e padrões de votação como se fosse válida para todos os indivíduos dentro dessa localidade. Na realidade, a relação entre renda e padrões de votação pode ser diferente para subgrupos de indivíduos dentro de cada município.

Esse problema, entretanto, não se limita às conclusões equivocadas acerca da relação entre comportamento eleitoral e renda. Dados sobre comportamento eleitoral são comumente utilizados para afirmar que os indivíduos em determinadas regiões têm maior probabilidade de adotar comportamentos específicos. Durante a pandemia da covid-19, por exemplo, vários artigos foram escritos nos quais afirmou-se haver uma correlação entre os votos para Bolsonaro em 2018 e a mortalidade causada pelo vírus. 

Em um artigo recentemente publicado no Brazilian Political Science Review, procuramos explicar os problemas metodológicos destas pesquisas e por que devemos desconfiar da conclusão de que existe uma correlação direta entre ideologia conservadora e mortalidade na pandemia. Explicamos que, ao não considerar potenciais variáveis de confusão, como fatores demográficos, e omitir outros fatores, como a adesão às medidas de distanciamento físico, tais artigos identificam uma correlação espúria entre voto e mortalidade.

Dado o aumento de partidos radicais e extremistas em processos eleitorais no Brasil e em outros países, existe uma preocupação crescente em estudar como eleitores que participam de eleições democráticas livres e justas podem apoiar partidos antidemocráticos. Esta preocupação se fundamenta na experiência histórica do Partido Nazista, que chegou ao poder após ter conseguido 31,1% dos votos em 1932, sendo que o mesmo partido somente tinha obtido menos de 3% dos votos na eleição de 1924, durante a transição de um sistema monárquico para uma democracia representativa parlamentarista, historicamente conhecida como a República de Weimar.

Um argumento frequente é que isto foi possível devido ao apoio que os nazistas ganharam dos grupos mais afetados pela desastrosa depressão econômica. Esse tipo de argumento é desmentido por King, Rosen, Tanner e Wagner (2008), quando concluem que a existência de uma correlação positiva entre maior pobreza e a vitória do Partido Nazista nas urnas não se comprova, uma vez que são levadas em conta a religião e as diferenças entre os indivíduos pobres que trabalham e que não estão empregados. Com métodos que procuram superar o viés produzido por falácias ecológicas, os autores mostram que os desempregados não apoiaram o Partido Nazista, mas sim houve um apoio desproporcional entre os trabalhadores pobres, sobretudo em distritos protestantes.

Em outras palavras, os autores mostram que, para evitar a falácia ecológica, existem técnicas e métodos que podemos empregar para estudar a relação entre renda/classe social e voto. Entre elas podemos mencionar desenhos que consideram diferenças importantes entre grupos. No caso da República de Weimar, o Partido Nazista não adotou programas que apelavam para aqueles que estavam desempregados ou em alto risco de ficarem desempregados, e sim para aqueles eleitores que foram prejudicados pela economia, mas correram pouco risco de desemprego – como lojistas e profissionais autônomos -, grupos que deram o apoio desproporcional aos nazistas.

Os estudos ecológicos nos permitem realizar comparações entre regiões e entender tendências nessas localidades em diferentes períodos. São úteis para avaliar a eficácia de uma determinada intervenção, testar a plausibilidade de hipóteses e gerar novas possíveis correlações, mas nada pode ser afirmado sobre os indivíduos sem dados sobre os mesmos. Na medida em que os cientistas produzem estudos que procuram evitar falácias ecológicas com dados populacionais, também compreendemos a importância de estudar os mesmos processos no nível dos indivíduos. Esses desenhos oferecem diferentes olhares que muitas vezes se complementam.

Por Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

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