XANGAI, NASCIDO EUGÊNIO AVELINO, COMPLETA 70 ANOS

A temperança e a aspereza do sertão nordestino sempre permearam a música de Xangai, mas o que nem todo mundo desconfia é que o cantor baiano, nascido Eugênio Avelino, foi criado em Nanuque, no norte de Minas Gerais, onde seu pai possuía uma sorveteria com o nome da maior cidade da China que, desde criança, passou a lhe servir de apelido. 

No último dia 20 de março, o cantador completou 70 anos, a questão geográfica volta a marcar o novo trabalho do violeiro, cuja coerência artística estabeleceu uma linha de corte profunda e radical entre ele e o mercado fonográfico. Herdeiro de uma linhagem típica que tem em Elomar o seu principal representante, Xangai presta tributo a compositores essenciais em “Cantingueiros”.

Originalmente uma série visual disponibilizada na internet, a empreitada se vale de um trocadilho no título para homenagear tanto a caatinga quanto o ofício de cantador. As 12 faixas do disco assimilam músicas do repertório de Elomar, Bule Bule, Mateus Aleluia e Gordurinha que, em comum, trazem a Bahia como Estado natal. O cuidado na identidade do lançamento se faz notar logo pela capa, com um bonito projeto xilográfico de Gabriel Leite que destaca a figura do Sol e, em sua contracapa, a de um retirante montado num cavalo.

Cantigas. Repentista e autor de obras de cordel, o sertanejo Bule Bule é, de fato, o menos conhecido dentre os que comparecem no álbum. A afirmação é comprovada pelo “salve” do próprio Xangai ao compositor no final da cantiga que abre o disco, “Cancela do Sossego”, lírica narrativa sobre a paisagem interiorana. Para abrir ainda mais espaço ao cantor e instrumentista, Bule Bule é convidado a participar em “A Máquina de Lavar Roupa” e “Que Moça Bonita é Aquela”, essa segunda com toda a malícia característica das músicas de duplo sentido. A saudação a Elomar começa com “Puluxia das Sete Portas”, e acrescenta o sotaque de trovador pelo qual o autor ficou conhecido.

Ainda assim, “A Meu Deus um Canto Novo” e “Incelença do Amor Retirante” mantém o trabalho fixo sobre os ares da ruralidade. “Promessa ao Gantois”, “Deixa a Gira Girar” e “Cordeiro de Nanã”, parcerias de Mateus Aleluia com Dadinho, companheiro do grupo Os Tincoãs, sublinham a presença da religiosidade africana junto ao sertanejo.

O ritmo do trabalho muda de rota quando são convocadas ao baile três canções lançadas por Gordurinha, no caso “Súplica Cearense”, “Orora Analfabeta”, ambas de sua autoria, e “Mambo da Cantareira”, de Barbosa da Silva e Eloide Warthon, mas eternizada no registro do cantor falecido em 1969, o único dos louvados que não está mais vivo. Se em “Súplica Cearense” a paisagem permanece rural, o mesmo não se pode dizer das seguintes, que, com ginga e suingue, conduzem o ouvinte a uma ambientação urbana.

Dada a graça cômica e a qualidade instrumental das derradeiras faixas, esse deslize estético acaba por suscitar a vontade em conhecer mais do canto de Xangai junto a outras paragens que ele, por hábito, se acostumou a deixar de lado. Ora, nunca é tarde.

Fonte: Raphael Vidigal

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